Belos Sonhos [Resenha do Filme]

Trata-se de um filme dispensável, mas não num sentido pejorativo. Belos Sonhos é o novo longa do veterano diretor italiano Marco Bellocchio, grande homenageado desta 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (ocorrida em outubro e novembro de 2016) e, inclusive, assinando a arte gráfica e o pôster que caracterizaram esta edição; é tido por muitos como um dos últimos grandes diretores italianos vivos. De fato, Bellocchio vem de uma carreira longa, de 46 assinaturas só como diretor, o suficiente para alçá-lo a um panteão, e não sem merecimento – ele tem grandes filmes no currículo desde os anos 60, e a cada década fez pelo menos um longa digno de marcá-lo na História do Cinema (e não caberia aqui citar todos, mas neste link (CLIQUE AQUI) você pode pesquisar entre os vários títulos).
Neste novo trabalho, Bellocchio não mostrou a verve de um grande diretor. Mostrou sim grandes vícios de grande diretor (tal qual muitas vezes Woody Allen é criticado na atual fase). Diretores como ele parecem passar por um fenômeno dúplice: vivem demais para se repetirem na mesma fórmula, ao mesmo tempo que sempre podem oferecer mais uma grande obra amanhã ou depois – o que, para mim, é o caso de Allen com o ótimo Blue Jasmine, quem desde 2005, com Match Point, fazendo um filme por ano, não lançava nada de impacto. Por isso, em Belos Sonhos, muitas vezes o que se vê parece mais um pastiche de si mesmo, uma espécie de estranha auto-homenagem.
O filme se desenvolve por uma cronologia não linear. Constantemente o personagem principal, Massimo (Valerio Mastandrea), adulto em seus 40 anos, é remetido a sua infância através de flashbacks, provocados na verdade por um trauma nunca superado: o de perder a mãe (Barbara Ronchi), e perdê-la em circunstâncias misteriosas. Desde cedo, envolto no mistério da morte de sua mãe, Massimo elegeu um novo protetor e confidente, também misterioso, retirado daqueles seriados clássicos sessentistas que aterrorizavam crianças na TV aberta (marcando o imaginário com uma atmosfera de medo e nostalgia): o fantasma Belfagor. O aspecto lúdico dessa fuga de um trauma muito forte para sua capacidade de discernimento é tratado com singeleza aqui. O mistério da morte da mãe será mantido até o final e a capacidade de brincar com esse suspense é também outro ponto bem explorado do filme. Mas é tudo.

A revelação do suspense virá quase ao final, e numa cena um tanto quanto vexaminosa, entre Massimo e uma outra personagem; até tosca no tocante a direção de atores e aos diálogos. A principal motivação, a do personagem central, não convence, além disso, as personagens são fracas e é o que acaba influenciando na qualidade da atuação (só mesmo as do Massimo criança são as únicas convincentes). O roteiro é um tanto quanto piegas e todo semeado com diálogos ruins – o que, num filme puramente sustentado no drama prejudica, pois os diálogos são sua força principal de narrativa. O suspense é sustentado mais pela montagem e pela música, que são pontos altos da obra. 
O pai de Massimo (Guido Caprino) é uma figura exagerada e sem desenvolvimento quase algum – ademais, há as extenuantes referências a Napoleão, que em dado momento somos obrigados a pensar: “ok, já deu, já entendi” que a figura do Pai representa uma figura de autoridade inatingível e até antagonista para os auspícios do filho (desde pequeno, aliás, o que lhe garantirá outro trauma, o de não construir uma boa relação com o único genitor vivo). A relação de Massimo com a mãe enquanto criança, nas lembranças, é idílica e boba, deixando a única margem interpretativa possível para salvar esse desenvolvimento do roteiro a de que: é tão frívola quanto uma memória pode ser, isto é, apenas é retratada da forma como está na tela, porque é fruto da lembrança apaixonada de Massimo.
O filme gira em torno basicamente de Massimo. Sua jornada é simples: exumar seus fantasmas enquanto tenta atar laços com o pai numa relação eternamente problemática e a se desapegar de uma imagem romantizada da mãe. Apesar de um enredo simples, porém, seus 134 minutos tornam o filme longo e cansativo, porque há uma constante repetição de elementos; o diretor parece preferir brincar superficialmente com signos e referências “for dummies” (como se não estivesse seguro da capacidade do público), do que construir um enredo de bases narrativas fortes. Há elementos em subtexto que poderiam ser melhor desenvolvidos, há personagens que poderiam ser melhor tratadas – nos poupando de situações fake como a relação de Massimo com a médica Elisa (Bérénice Bejo), onde ele busca alento para suas feridas psicológicas.

Outras referências são a cidades italianas (de preferência pitorescas e de atmosfera escapista); à própria Itália enquanto nação (a vida de Massimo evolui junto com o país, num tempo de apreensão e mistério para os dois, certo vazio no ar, dentre os anos 80 e 90); à Igreja e à religião católica (tema recorrente na obra de Bellocchio), como numa cena entre o padre e Massimo, de fotografia escura e bela, na qual nos é entregue o melhor diálogo do filme (talvez o único bom). Há uma interessante cena de um tour pela cidade, do pequeno Massimo com a mãe, quando várias estátuas e figuras históricas são enfocadas e são como que personagens vistas pelos olhos do garoto, e contam uma breve narrativa histórica também. 
São nestes pequenos momentos que o filme revela-se como obra de um mestre do cinema. Um diretor qualquer, mediano, talvez não tivesse o olhar poético e afiado para fazer de detalhes, como as aparições de Belfagor para o Massimo infante, verdadeiros eventos (quase isolados), ou simples cenas em locações abertas serem feitas com uma câmera desenvolta como um pincel, capturando belas fotografias ao ar livre. No geral, porém, o trabalho soa mais como um exercício enfadonho de um diretor com medo de perder a mão (e em certos momentos fica comprovada a desnecessidade desse medo) e preferindo agarrar-se a excessos para contar uma trama simples – daquelas cujas com simplicidade poderia ser muito bem tratada; por isso soa como um filme desnecessário, daqueles que passam, que não acrescentam nada e logo são esquecidos. Um pequeno cisco, entretanto, numa obra e numa carreira tão brilhante quanto a de Marco Bellocchio.
Trailer:
FICHA TÉCNICA
Título: Belos Sonhos
Título Original: Fai Bei Sogni
Diretor: Marco Bellocchio
Data do lançamento no Brasil: 22 de dezembro
Mares Filmes
Gui Augusto

3 thoughts on “Belos Sonhos [Resenha do Filme]

  • 28 de dezembro de 2016 em 20:39
    Permalink

    Gostei do conteúdo do filme. Estou assistindo 3 filmes por semana, pra ver se consigo
    terminar com minha listinha rsrrsr, esse vai entrar com certeza. beijos e Feliz ano novo

    taynara mello
    http://www.indicarlivros.com

    Resposta
  • 29 de dezembro de 2016 em 02:13
    Permalink

    Olá! Que pena que o filme não foi tão bom quanto poderia ter sido, mas ainda assim parece ser uma história bem interessante, mesmo soando como um filmes desnecessário.
    Beijo!

    Books Many Books
    Facebook

    Resposta
  • 29 de dezembro de 2016 em 03:43
    Permalink

    Oi, Gui!
    Apesar do filme não fazer muito meu gênero, a história parece ser um pouco envolvente, fiquei curiosa para conhecer a jornada do personagem principal.

    Beijos,
    Eli – Leitura Entre Amigas
    http://www.leituraentreamigas.com.br/

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Crítica: A Esposa do meu marido Dorama: Diva à Deriva Dorama: Nosso Destino 5 doramas dublados no Star+
Crítica: A Esposa do meu marido Dorama: Diva à Deriva Dorama: Nosso Destino 5 doramas dublados no Star+