A ovelha negra [Resenha do filme]

Este longa de 2015, vencedor da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, teve sua primeira exibição em terras paulistanas (e, possivelmente, brasileiras) na 39ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no mesmo ano. Foi um filme pouco falado – mais nos círculos de cinéfilos e frequentadores assíduos desta maratona de duas semanas de algumas centenas de filmes – porém, teve uma certa procura e sessões esgotadas. Passou bem pela Mostra e já tinha também sua data de estreia certa para 11 de fevereiro último; ainda pode ser encontrado no cinema Reserva Cultural em São Paulo.

Rams ou A Ovelha Negra é um drama com pitadas de comédia. O longa começa já se ambientando no clima nórdico de onde passará suas 1h33m de história: monótono, frio, cinza, lento. Só ressalto que para mim estes não são pontos negativos de um filme, ok? – e nem deveriam sê-los para você, mocinho(a)! Um espectador mais ansioso já logo se perguntará: mas o que faço eu com este filme de ovelhas e pessoas andando numa fazenda no meio de um fiorde cheio de neve esquecido pela humanidade? Ficarei eu duas horas sentado aqui vendo só isso? Sim, são perguntas que provavelmente você se fará se não estiver habituado a este tipo de filme. E esta é uma boa oportunidade para se habituar a isto.
Os irmãos Gummi e Kiddi não se falam há uns 40 anos, apesar de vizinhos numa fazenda, e têm como atividade profissional (e vocação) o que tradicionalmente gera o sustento da vida de gerações de fazendeiros na zona rural da Islândia: pastorear rebanhos de ovelhas. No entanto, a ameaça de uma epidemia põe em xeque o estilo de vida dos pastores da região e certamente irá impactar na relação fria dos irmãos.

Frio, aliás, dá todo o tom do filme. Os laços fraternais, os laços sociais, os eventos da comunidade, o natal (aliás, a cena do natal… que natal), tudo frio, solitário, com impressão de um vazio deixado na tela. Até o amor incondicional que um dos personagens principais sente por suas ovelhas, pode ser duro e frio num momento decisivo. A paleta de cores padrão, sempre frias também, ajuda a dar esta sensação – além disso, eu, particularmente, me senti bem “ambientado” com a “experiência 4D” de assistir o filme numa sala de cinema especialmente fria (¬¬).
Daquele início que não promete muita coisa, o filme segue numa escalada para algum momento antes ainda do meio da narrativa onde você já está, sem perceber, imerso no mistério da história. Uma história, no começo, aparentemente trivial, ordinária. Isso é uma bela característica, aliás, que eu poderia ressaltar tanto no cinema nórdico quanto no cinema japonês: a capacidade de tirar histórias densas e ricas de situações simples, cotidianas, aparentemente vazias. 
Apesar de características que objetivamente afastariam muitos espectadores, as habilidosas mãos do diretor Grímur Hákonarson sabem dosar e equilibrar o tom e a história. Então, mesmo sendo de ritmo lento, você não cansa do filme (ou não deveria). Ele te convida a ‘desvendar um mistério’ e essa expectativa é que cria uma atmosfera de captura do espectador, deixando em segundo plano os incômodos que poderiam surgir pelo ritmo. Neste sentido o longa tem quase o poder narrativo de um suspense policial; nas o tom é bem mais leve e a simplicidade é manuseada aqui como instrumento principal. É também nesta mesma simplicidade que o filme encontra até alguns momentos de um peculiar humor satírico.

No fim, uma reviravolta obriga a um andamento mais rápido dos fatos e talvez isto seja sentido como uma interferência no ritmo geral do filme. Eu no momento me senti incomodado, critiquei o excesso de dramaticidade na sequência final: uma escalada muito rápida de eventos levando a situações grandiloquentes de forma muito rápida, o que soa quase artificial – as questões postas ali poderiam ser resolvidas de outra forma. De modo algum, porém, isto é algo que influencia na experiência final do filme (e não sou de dar notas, mas seria alta).
A sequência final do longa é uma das partes mais lindas, apesar de ser antecedida pelo breve exagero que citei. Merece destaque o belo (e desesperador) momento em que numa verdadeira mise en scene alguns personagens que pareciam ser relevantes saem de cena e simplesmente não voltam. A sensação imediata é de que algo que prometia ser resolvido não será, que de repente alguma coisa foi descartada. Como numa peça de teatro, estes personagens saem da luz do palco e vão para o escuro dos bastidores; dão lugar a outros personagens, que agora tomam a tela e a importância dos minutos finais da história. 
Agora só interessa estes enfocados na tela – e eles próprios esquecem-se da importância daqueles outros. E aí você entende. Entende o porquê dos outros saírem, o porquê de toda a história ser só um pano de fundo para algo mais específico e intenso. Entende que, no fim das contas, a história seja talvez mais sobre o tempo do que sobre ovelhas; sobre arrependimentos, perdão e a mesquinhez humana; sobre o calor buscando se reestabelecer, lutando para vencer o frio – e a frieza.
Gui Augusto


PS: O filme ainda está em cartaz no Reserva Cultural em São Paulo

10 thoughts on “A ovelha negra [Resenha do filme]

  • 10 de março de 2016 em 03:48
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    Quero MUITO ver! Valeu 😉

    Resposta
  • 10 de março de 2016 em 11:21
    Permalink

    De verdade, esse não é exatamente o gênero dos quais eu mais me identifico, porém, tenho certeza que deve ser muito bom devido as as pitadas de comédia que surgem durante o filme. Não tive tanta curiosidade em assistir, mas ainda creio ser um filme ótimo!

    Beijos <3
    http://www.leitorasvorazes.com.br

    Resposta
  • 10 de março de 2016 em 17:05
    Permalink

    Filmes monótonos, lentos e frios não me espantam. Geralmente, eles são até melhores porque conseguem trabalhar de forma mais adequada a profundidade.
    Como a premissa também me agradou, fiquei com vontade de conferir o filme.

    Desbravador de Mundos – Participe do top comentarista de reinauguração. Serão quatro vencedores!

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  • 10 de março de 2016 em 17:12
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    Realmente, nunca tinha ouvido falar do filme. Apesar de achar interessante (principalmente pela pitada de humor), confesso que não é muito meu estilo não. Mas quem sabe um dia, né?!

    =)

    Suelen Mattos
    ______________
    ROMANTIC GIRL

    Resposta
  • 11 de março de 2016 em 11:48
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    Parece ser um filme interessante. Apesar do ar frio e vazio, acredito que não seja um filme que canse o telespectador que aprecia boa arte. Aqueles que gostam apenas de modismo, com certeza, não passaram nem perto das portas do cinema para ver esse filme.
    Beijos,
    Monólogo de Julieta

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  • 11 de março de 2016 em 12:25
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    Esses filmes intensos assim são bons porque normalmente são aqueles que nos deixam uma impressão forte que, de tempos em tempos, ressurge na nossa cabeça sem termos muita certeza de onde vem.
    Vou tentar lembrar de assistir (minha memória é um lixo) se eu achar online.

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  • 11 de março de 2016 em 14:57
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    Oie Gui =)

    Não conhecia o filma, mas confesso que pela sua resenha ele não faz muito meu estilo. Mas, as vezes gosto de me aventurar em coisas novas para sair da minha zona de conforto.
    Dica anotada!

    Beijos e um ótimo final de semana;***

    Ane Reis.
    mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias…
    @mydearlibrary

    Resposta
  • 11 de março de 2016 em 16:26
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    Olá, flor, tudo bem?

    Por incrível que isto possa parecer, goste de filmes assim, geralmente filmes assim mais parados tem uma história e tanto o que nos pega de surpresa, ao menos este foi o meu caso HAHAHAHA o meu favorito é o discurso do rei *-* confesso que premissa não me pegou de jeito, mas fiquei curiosa mesmo assim, afinal adoro tudo que envolva algum mistério, adorei a resenha.

    Beijinhos

    Te espero lá http://www.resenhaatual.blogspot.com.br/

    Resposta

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