Blade Runner: 2049 [Resenha do Filme]

Conferimos a cabine de imprensa de Blade Runner: 2049.
Cá estamos novamente num território perigoso, para mim (nós) menos do que para o diretor Denis Villeneuve talvez. É difícil alcançar um clássico como o Blade Runner de Ridley Scott (que aqui volta como produtor), e o atual não pode negar que tentou fazer isso (especialmente na sua publicidade). Não se trata de um remake, é verdade, porém, tampouco é um filme único perdido numa linha temporal nova. Blade Runner: 2049 é uma sequência do anterior, e também é o prenúncio de uma nova era (assim como quer nosso novo vilão).
O novo longa não nega as homenagens. A sequência de abertura já marca isso bem fazendo referência direta a abertura do filme clássico com paralelos intertemporais (tudo se passa 30 anos depois do 2019 fictício do primeiro): o olho do protagonista, a panorâmica na cidade, as indústrias, as fontes de energia da época, a música fantasmagórica e alienígena envolvendo o espectador.
Nas suas 2h49m (1h a mais, em comparação ao antigo), ele reapresenta personagens de forma literal ou de forma figurada, faz menções e referências, recria cenários e estéticas, continua ou fecha certas pontas soltas (e teorias de fãs) desde os anos 80. Ambienta-nos com sucesso naquele mesmo universo. Este filme, ao cabo de tudo soa mais como uma grande homenagem, com um roteiro ‘feijão com arroz’ feito só mesmo por justificativa. Ele parece se perder, mais preocupado em fazer fan services e uma bela estética do que em entregar uma boa história. O que não faz dele um filme ruim, mas um filme insuficiente.
A nova história acompanha K (Ryan Gosling, excelente no papel), um blade runner da Polícia de Los Angeles, tão bom quanto o policial Deckard (Harrison Ford) fora no passado. Quem assistiu ao clássico (ou leu a obra de 1968, de Philip K. Dick, que inspirou tudo, ou os livros-sequência de K. W. Jeter) sabe que a profissão de um blade runner é caçar androides, chamados replicantes, nesse futuro distópico da humanidade (primeiro em 2019 e agora em 2049). 
A humanidade coexiste aglomerada em caóticos centros urbanos multiétnicos e multiculturais numa sociedade que não tem mais barreiras entre diferentes seres humanos, e sim entre humanos e robôs. É um futuro desolador, baseado numa espécie de totalitarismo capitalista, governado por grandes empresas. Uma guerra nuclear arrasou o planeta no passado, e hoje os restantes recursos naturais são raros ou contaminados. No interregno desses 30 anos outro grande desastre ocorreu: o grande blecaute (apagando de memórias a contas bancárias, e só restando “aquilo que estava no papel” – o que traz uma reflexão sobre uma sociedade cada vez mais dependente do conceito de ‘nuvem’ e da era digital).
Os replicantes existem em colônias espaciais e são feitos com a única função de trabalhar (sob um modo de produção escravagista). Eles são feitos à nossa imagem e semelhança, e a cada geração (sim, como um iPhone) recebem melhorias que os fazem superiores aos seres humanos, ao mesmo tempo que funcionais. Mas é com a atual geração que finalmente o suprassumo do desejo humano é atendido: replicantes absolutamente obedientes.
Após a derrocada da indústria Tyrell (decorrência dos eventos ocorridos com o empresário Eldon Tyrell no primeiro filme), um novo e mais excêntrico megaempresário, Niander Wallace (Jared Leto) compra e reformula seus restos. É ele o responsável pela inovadora safra de replicantes que orgulhosamente oferece à humanidade (mas seu orgulho esconde intenções mais sombrias).
Com androides dotados de emoção e vontade humanas, uma alegoria para discutir a própria humanidade, ao mesmo tempo que é também uma possibilidade futura real da robótica, desde o primeiro filme Blade Runner é uma obra mencionada ou estudada por filósofos (de boteco ou das universidades mesmo), por ser a ficção científica cinematográfica que talvez mais profundamente conseguiu emular questionamentos filosóficos possíveis de uma sociedade humana futurística como a apresentada na trama.
Entre os séculos XIX e XX, chocada pela barbárie das guerras mundiais e diante do infinito número de problemas sociais trazidos com os avanços tecnológicos da revolução industrial, a humanidade produziu alguns pensadores que se voltaram à velha (300 anos antes) questão cartesiana do “eu”. É então que correntes como a fenomenologia ou o existencialismo discutem temas tais quais percepção, realidade, intersubjetividade ou a experiência humana diante do mundo. A memória também é um tema levantado, aliás, desde o primeiro filme. Ele nos remete exatamente aos termos como é posto por exemplo pelo filósofo empirista David Hume no século XVIII: basicamente, existir é ter memória. Além disso, definem o ser humano coisas como as emoções e a vontade (dois temas exaustivamente investigados por essas correntes filosóficas todas), ou “milagres da natureza” como gerar a vida.
O que a saga Blade Runner faz é um exercício imaginativo de como essas questões tocariam novamente a humanidade, especialmente num tempo em que o ser humano se tornou capaz de criar cópias perfeitas de si (os replicantes). Então, por exemplo, o inesquecível Nexus-6 Roy Batty de Rutger Hauer, questionava-se por viver com medo, porque tinha emoções e consciência de si, mas pouco tempo de vida; era um poeta e um assassino (por desespero), capaz de matar, recitar um poema ou perdoar um adversário só para ter atenção e suprir sua carência e vazio existencial. A replicante Rachael (referência bíblica ao nome de Raquel) descobriu o amor com Deckard (um humano, um replicante? Até hoje os fãs piram nessa dúvida). Aliás, é justamente esse amor que terá consequências fulcrais para o enredo do novo filme.
Os novos replicantes adicionam ainda um elemento espiritualista à filosofia da história. Se são tão perfeitos, possuem emoções e capacidade de livre arbítrio e o objetivo atual é criar máquinas “mais humanas que um humano”, o que mais lhes falta só pode ser alma. Niander Wallace, inclusive, dever ser um contumaz leitor da bíblia, pois adora citar passagens, fazer referências a “anjos” ou até a um “Éden” e de ver suas crias nascendo besuntadas de barro – suas motivações são transcendentais, interplanetárias, lembrando o monólogo de um Roy Batty fascinado com o espaço, no final do primeiro filme.
Esse debate filosófico é continuado com boa mão pelo roteiro do novo filme; não são questões tratadas ou resolvidas de modo frívolo, mas mais levantadas do que respondidas (como uma boa questão filosófica tem que ser). Porém, por outros motivos, a narrativa seja talvez o ponto mais fraco dessa obra.
Eu tive um problema com Villeneuve e todo o sucesso de seu A Chegada. Achei este um filme regular, mas o diretor saiu desse seu épico suspense de ficção científica muito mais estimado do que merecia. Com toda essa pompa, as boas brumas lhe trouxeram ao posto que um dia já foi ocupado por Ridley Scott.
Blade Runner: 2049 tem tudo para ser um filme superestimado, por causa de seu diretor. Digo isso porque Denis não entrega um filme épico como o prometido pela propaganda. Sua capacidade de ambientação e recriação do universo é excelente. Ele traz Blade Runner esteticamente impecável, porém, narrativamente já não se pode dizer a mesma coisa.
O que mais me incomodou no estilo do diretor é que ele tem boas intenções demais para execução de menos; tenta criar histórias complexas a partir de roteiros banais. Muitos chavões, muitos vícios, muitas muletas, pouca ousadia, pouca experimentação, pouca coragem, para quem quer entregar na tela uma história pretensamente inovadora, épica, um clássico-pronto. 
Os mesmos efeitos são possíveis de ver em “2049”: um filme bonito, um domínio exemplar de câmera e fotografia, uma ótima condução do suspense e mistério, também consegue ambientar bem seu universo, mas entrega um conteúdo bem mais fraco do que a embalagem. 
A música de Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch é fora de qualquer questionamento. É excelente a ambientação sonora que o filme proporciona e a mão de um mestre como Zimmer chega perto do original; mas esse é o problema. A trilha de Vangelis, podemos dizer, era perfeita (se é que perfeição existe), e nada a alcança (só chega perto). E esta é a única comparação motivada puramente por saudosismo que você lerá nessa resenha.
Alguns problemas como o quase nulo desenvolvimento do vilão Wallace são possíveis de relevar, considerando que seja em prol de intenções extrínsecas ao filme em si: por estar muito provavelmente inaugurando uma nova saga. Se ele fecha algumas pontas do outro, ele deixa mais que o dobro de novas pontas soltas e situações mal resolvidas. Então ao assistir a este novo Blade Runner é preciso ter em mente que ele mais é um filme introdutório do que uma sequência; isso quer dizer que ele é mais anticlimático do que esperaríamos.
Ao deixar a sala do cinema fica a impressão de que não assistimos ao filme que gostaríamos de ter assistido. Falo isso não pelas expectativas particulares de cada um, sobre como eu achava que deveria ter sido o filme. Não. Falo isso baseado em duas coisas principalmente: a primeira é a expectativa (o hype) provocada em nós por forças exteriores, como o marketing pesado e excesso de simbolismos e de personagens do primeiro filme (está lá a carona do Harrison Ford, desde o trailer ao pôster do filme); a segunda é a inevitável comparação com o primeiro filme, uma obra primorosa, cuja essa sequência não alcança em termos narrativos e significativos, mas tão somente em termos estéticos.
Trailer:
FICHA TÉCNICA
Título: Blade Runner: 2049
Diretor: Denis Villeneuve
Data de Lançamento: 05 de outubro de 2017
Gui Augusto

11 thoughts on “Blade Runner: 2049 [Resenha do Filme]

  • 5 de outubro de 2017 em 02:00
    Permalink

    Olá, Gui! =)
    Estava eu, há poucos instantes, buscando um filme para ver amanhã no cinema e me deparei com o anúncio de Blade. Passei direto. Isso porque não é o estilo de filme que gosto, que me chama atenção ou me convida. Agora acesso o O que tem na nossa estante e vejo essa crítica. Muito bem escrita, por sinal.

    Mesmo assim não me desperta interesses em ver, ainda mais sendo uma continuação (rs.).

    Um Abraço,
    Diego, Blog Vida & Letras
    http://www.blogvidaeletras.blogspot.com

    Resposta
  • 5 de outubro de 2017 em 11:20
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    Oi Gui
    Eu n assisti ao primeiro filme, então talvez minha opinião seja um pouco diferente
    hehehehehehehehehee
    Qro ir assistir, depois conto o que achei!

    Bjooos
    muitospedacinhosdemim.blogspot.com.br

    Resposta
  • 5 de outubro de 2017 em 12:39
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    Eu não assisti ao primeiro e tampouco assistirei esse. Não curto esse estilo de filme, acho chato rs.

    Beijo!
    Cores do Vício

    Resposta
  • 5 de outubro de 2017 em 17:39
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    E ai Gui! Suaves?

    Não assisti ainda este filme, nem o anterior. Este gênero certamente não me agrada muito, mas as vezes me esforço para assistir quando me deparo com uma resenha instigante como a sua.

    Grande abraço!
    http://www.cafeidilico.com

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  • 6 de outubro de 2017 em 19:22
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    Oi Gui! Eu não vi o anterior, mas pela crítica e até mesmo pelo que vi no trailer, acho que vale mais a pena ver o antigo do que o novo. Você falou dele com tanto entusiasmo, que me convenceu. Já esta nova versão, por enquanto, eu passo. Bjos!!!

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  • 22 de maio de 2018 em 23:13
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    Muito boa resenha do filme, obrigado. Quando vi o elenco de Blade Runner 2049 trailer automaticamente escrevi nos filmes que deveria ver porque o elenco é realmente de grande qualidade, sobre tudo Ryan Gosling é um dos meus preferidos, por que sempre leva o seu personagem ao nível mais alto da interpretação, seu trabalho é dos melhores, um filme que desde o meu ponto de vista, é um dos melhores projetos.

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