O vento sopra onde quer [Resenha do Filme]

Um dos filmes da perspectiva internacional da 41ª Mostra, Vinden blåser vart den vill (O vento sopra onde quer), com o título de tom libertador e independente, o diretor e roteirista Kim Ekberg apresenta seu novo filme (2017), que talvez se conecte bem à frase de luta feminista “lugar de mulher é onde ela quiser”. 
Na verdade, o nome é uma citação direta de um trecho do evangelho de João, 3:8: “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.”
Apesar de ser através da lente e das palavras de um diretor homem, a história de jornada de autodescoberta e busca de uma protagonista feminina pelo lugar no mundo não é uma balela sobre como a mulher é ou deveria ser, imaginada por um homem. Também não é uma história sobre empoderamento (que, talvez, só pudesse ser bem contada por uma mulher).
O diretor tem discernimento o bastante para não entrar em questões específicas e identitárias, e verte sua protagonista feminina em prol de uma história mais universal. Com o insólito road movie, que poderia ser definido mais como um “nomad movie”, Ekberg tem a sensibilidade de discutir, com beleza estética, a busca subjetiva por pertencimento, e ainda fazer um diagnóstico da sociedade sueca e abordar temas sociopolíticos de forma tênue.
Dividido em 8 capítulos e um prólogo, a história flerta com o surrealismo e usa como linha narrativa principal o relacionamento em ruptura entre Elma (Mira Eklund) e sua namorada (Bianca Cruzeiro). O prólogo pode enganar um pouco, e dar a parecer que estamos diante de mais um drama ou comédia romântica meio frívolos, de conteúdo vazio e repetitivo, sobre relacionamentos.
No entanto, a estética já chama a atenção. Os cortes e a maneira como a montagem conduz as elipses numa cena de sexo já evidenciam uma linguagem diferenciada. Na verdade a primeira cena, aparentemente fora de lugar, mostra que estamos no mínimo diante de um filme diferente, apresentando na tela duas mulheres se entreolhando silenciosamente até que uma dê um tapa em si mesma. Conflitos de desfecho absurdo logo no início; encontros insólitos como os do asilo em que as protagonistas acabam indo parar; são elementos narrativos até que não muito inovadores para uma suposta comédia romântica, mas já anunciam algo novo. 
Mas temos certeza que este é um filme cujo não se prende simplesmente a um gênero cinematográfico, e sim é livre, explora o lirismo e uma linguagem criativa e mais interessante, a partir do fim do primeiro capítulo, quando o filme introduz uma breve animação na qual em monólogo uma enguia que acaba de morrer se lamenta em tom tedioso conosco sobre a sua triste vida.
Ela nos narra como era sua vida de enguia, presa dentro de um poço; mais pra frente ela volta para nos contar como é a sua vida post mortem. Sua historinha pode ser vista como um paralelo com a própria vida humana, na sociedade moderna, presa a suas convenções e locais limitados (seus poços), de visão de mundo preordenada por imagens e sons projetados (como no mito da caverna), e só capaz de transcender após a morte, em vida espiritual, nessa que só somos capazes de sonhar. Aí sim, transbordar seus próprios limites e vivenciar outras experiências sublimes.
A jornada de Elma é uma involuntária jornada de transpasse de bordas físicas da vida e de seu local na sociedade. Provocada por uma situação que ela lutou arduamente para que não acontecesse, mas aconteceu (a ruptura do seu relacionamento) ela foi lançada obrigatoriamente a um local indiscernível e indefinido, longe do ideal cômodo e dos sonhos românticos que tinha pra vida.
Ela viaja pela Suécia interior e conhece diversas figuras como ela, ou tão diferentes quanto ela é deles. E isso é a maior beleza do filme e aprendizado de Elma: as conexões, a empatia com a diferença, os encontros desencontrados, estranhos, um necessário nomadismo libertador.
Assim, seu discurso aborda com sutileza questões contemporâneas; políticas, como a polêmica da imigração na Suécia (e Europa, de forma geral), ou a fragilidade e burocracia das instituições (e.g. a polícia); ou sociais como a moradia (e o conceito do morar sozinho ou morar em conjunto; o que é um lugar “seu”? O que é um lar?), a frieza de relacionamentos amorosos, da cordialidade humana no geral, o medo da solidão (monstruosa e à espreita), a falta (ou abandono?) da comunicação. Há até uma sátira ao conservadorismo do modelo cristão de sociedade ocidental e das tentativas (até nos lugares mais inóspitos) deste modelo atrair a atenção de uma nova geração.
Há sempre um olhar melancólico sobre um país e um povo estigmatizados, ironicamente, por uma pecha positiva: a de ser “perfeito” em tudo; cuja muitas vezes tem um efeito contrário sobre sua gente e sua realidade vista de fora.
Através dos olhares de velhos e crianças, a câmera (e a protagonista) nos leva para viajar tangenciando duas perspectivas e duas Suécias: uma antiga, que se despede da jovem protagonista e remanesce em seu asilo, com seus costumes e tradições; e uma nova, descoberta e explorada casualmente na jornada da protagonista, mais niilista e hedonista, composta de jovens adultos descompromissados com a tradicional (e conservadora) visão de sociedade, mas sem muita perspectiva de futuro. Além disso, em praticamente toda cena há uma criança, servindo de testemunha ocular dessa sociedade, representando esse futuro, que só se limita a observar, com um olhar onírico.
O filme, além da boa narrativa apresenta a história com ótimo domínio de câmera e fotografia. Dosa com precisão momentos surrealistas e evita sair do tom ou do ritmo geral propostos. Ainda, o tempo de 100 minutos é absolutamente apropriado e bem aproveitado. A trilha sonora escolhe músicas contemporâneas e muito adequadas à história (além de boas). O roteiro fecha a história simples de maneira satisfatória, uma história, aliás, que ele conduziu o tempo todo sem muitos arroubos ou pretensão – e de quebra com umas poucas e boas inserções do fino humor negro nórdico (trágico).
Com momentos banais da vida e do cotidiano representados na tela, diálogos emulando conversas casuais, passatempos sem sentido, compreendemos que são personagens (e talvez um povo) tocado por um vazio existencial. Mas em subtexto fica um manifesto em prol dos deslocamentos como saída. Humanos participando de lugares e momentos aleatórios, suecos que são tão estrangeiros para si quanto estrangeiros que vieram de fora, ensinam que pertencer a lugar nenhum é pertencer a todo lugar, e na diferença é que reside a união humana.
Sessões:
O VENTO SOPRA ONDE QUER (THE WIND BLOWETH WHERE IT LISTETH), de Kim Ekberg (100′). SUÉCIA. Falado em sueco. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 14 anos.
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – AUGUSTA SALA 1 19/10/17 – 19:30 – Sessão: 37 (Quinta)
CINE CAIXA BELAS ARTES SALA 3 20/10/17 – 15:30 – Sessão: 92 (Sexta)
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – FREI CANECA 4 27/10/17 – 17:20 – Sessão: 843 (Sexta)
PLAYARTE SPLENDOR PAULISTA 01/11/17 – 19:40 – Sessão: 1398 (Quarta)
Mias informaçõeshttp://41.mostra.org/br/home/
Gui Augusto

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