Do Fundo da Estante: Interiores [Crítica do Filme]

E se você fosse um cineasta consagrado, recém oscarizado e fã declarado de outro grande cineasta, deixaria passar a oportunidade se homenageá-lo? Se sim, passaria os anos seguintes negando as referências? Pois então, Interiores, do diretor Woody Allen é uma homenagem (as más línguas dizem plágio) ao cineasta sueco Ingmar Bergman. Allen rebate dizendo que o texto remete ao dramaturgo Eugene O’Neill, porém ao final da projeção não há o que discutir – Interiores é inspirado em Bergman sim e isso é ótimo. 
Filme atípico na carreira de Woody Allen, Interiores foi lançado um ano depois do já clássico e premiado Annie Hall (1977) e concorreu a vários Oscar, sendo que na categoria roteiro original, Woody e Ingmar foram indicados, sem vitória. Nomeado na categoria de melhor diretor, Allen viu seu mestre sueco ignorado nas categorias de direção e filme estrangeiro. Ingrid Bergman, soberba em Sonata de Outono e já abatida pelo câncer, também perdeu o Oscar de melhor atriz e foi pra ela que Allen escreveu a protagonista Eve de Interiores. Doente e perante a primeira e última oportunidade de trabalhar com seu conterrâneo Ingmar, Ingrid optou por recusar o convite de Woody Allen, cuja substituta foi a não menos incrível Geraldine Page, extraordinária do primeiro ao último take.
Quando Arthur (E.G. Marshall, ótimo) propõe a Eve (Geraldine Page, numa das maiores interpretações da história) uma “separação experimental”, o caos se instala. Decoradora de interiores e com a saúde emocional e mental abaladas, Eve é a elegância em pessoa e controladora na mesma medida. Chantagista emocional, gosta de manipular todos a sua volta assim como decide onde vai ficar um simples vaso no ambiente. Arthur fez uma viagem a trabalho e conheceu Pearl (Maureen Stapleton, excelente), o oposto de Eve. Enquanto Pearl é alegre e opta por cores quentes em suas roupas e maquiagem, Eve é dramática do coque aos pés, sempre com tons pasteis. No meio do fogo cruzado estão as três filhas do casal, interpretadas por Mary Beth Hurt, Kristin Griffith e Diane Keaton, musa do diretor, a frente do elenco. Com poucas externas, a ação se passa praticamente toda no ambiente quase hermético do lar de Eve. Mas não é ao cenário (de muito bom gosto e indicado ao Oscar) que o título se refere – os interiores de cada um aqui são trazidos a tona e o roteiro a la Ingmar Bergman faz um retrato da típica família estadunidense em crise estrutural. 
Se Woody Allen não vai tão a fundo na alma humana como Bergman iria, o elenco se encarrega de dar vida aos tipos retratados sem resvalar na caricatura. Com apenas 19 minutos dos 90 da projeção, Geraldine Page domina o filme mesmo quando não está em cena. Sua indicação ao Oscar de melhor atriz na categoria principal até hoje é discutida, visto que ela poderia ter sido vitoriosa como coadjuvante em sua sexta nomeação. Ela só viria a ganhar em sua oitava indicação por Regresso para Bountiful, em 1985. Interiores abriu os caminhos para que Allen pudesse fazer filmes mais sérios, sempre, é claro, com influências bergmanianas. Foi assim com o belo Hannah e suas Irmãs (1986), A Outra (1988), praticamente um remake de Morangos Silvestres (1958) e Maridos e Esposas (1991), inspirado em Cenas de um Casamento, de 1974. O ponto alto no entanto foi uma adaptação de Crime e castigo de Dostoiévski com o pungente Crimes e Pecados, de 1989. É nítido o amadurecimento do diretor no terreno dos filmes dramáticos, imprimindo sua própria marca e suavizando o exercício de querer ser Ingmar Bergman
Interiores foi o “filme teste” para que conseguisse chegar neste patamar, e contra todos os seus detratores, é inegável o quanto Woody Allen é um excelente roteirista e diretor de atores – é só constatar o assombro de Geraldine Page em cena.
FICHA TÉCNICA
Título: Interiores
Título Original: Interiors
Direção: Woody Allen
Data de lançamento: 2 de agosto de 1978

Ítalo Morelli Jr.

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