Jeremias – Pele [HQ]

Eu já expliquei – ou tentei – sobre minha paixão por histórias em quadrinhos. Infelizmente, eu não sei desenhar, e nem escrever, mas confesso ter algumas ideias, e ideias acredito ser o principal de uma história em quadrinhos. Você pode fazer praticamente qualquer coisa, pode escrever sobre tudo. Pode contar sobre histórias inventadas, histórias existentes, misturar tudo, falar sobre problemas sociais, sobre a guerra no oriente, ou até mesmo sobre algo que aconteceu com seu avô há muitos anos. Essa é a liberdade que as histórias nos dão. E não há ferramenta melhor que os quadrinhos para entregar nas mãos de uma criança para que ela comece a entender o mundo. Desde a leitura, compreensão de palavras e sentenças, até os acontecimentos do mundo. E o selo Graphic MSP é um grande exemplo disso. 
Toda vez que leio uma Graphic MSP e posto nas redes sociais, eu agradeço ao Sidney Gusman pela ideia e ter insistido na sua criação. Não é fácil um projeto como esse. Há muita coisa ótima nessa HQs, eu já indiquei muitas, e tenho Astronauta como preferida seguido de perto pela Turma da Mônica e Louco. No entanto, estou aqui para falar de algo que vai entrar para essa minha lista de preferidos: Jeremias – Pele. O foco das Graphic MSP é pegar os já conhecidos personagens de Maurício de Souza e apresentar uma nova perspectiva, tanto de roteiro, quanto de arte. E é incrível as ótimas histórias que temos nesse linha. Jeremias – Pele é algo essencial para nossa atual sociedade. 
Jeremias é um dos primeiros personagens da Turma da Mônica lá pelos anos de 1960, mas sempre teve uma participação mais tímida, sempre como coadjuvante. Esse personagem começou a aparecer mais no decorrer dos anos, até que ganhou uma história para protagonizar, mas ainda era pouco. Chegamos, então, em 2018 e Jeremias ganham uma revista própria. E que revista! 

Não tem como não perceber logo de cara qual é o tema da revista: racismo. E esse racismo vem de várias formas. O que era algo comum anos atrás, começamos agora a perceber que havia algo errado, eu mesmo me corrigi em muitos aspectos e pensamentos no decorrer dos anos. Livros, quadrinhos, filmes, tudo isso faz com que nossa mente trabalhe e viaje. Começamos a pensar nas possibilidades, perguntar o motivo disso ou daquilo. Qual a razão aquela pessoa fez isso e não aquilo… O mundo se abriu, a tecnologia é um fato. As redes sociais são uma dura realidade. Digo dura, pois é uma ótima ferramenta, mas ela pode trazer o que há de pior no ser humano, já que se pode esconder atrás de uma tela de computador ou celular, criar um “nick”, mudar seu IP e assim achar que pode fazer o que quer, destilando seu ódio e intolerância por aí. 

Eu até acredito em uma mudança de comportamento, mas para as gerações vindouras, uma geração ainda mais no futuro, a geração que virá após minha filha, Mas é preciso plantar a semente hoje, para que ela comece a crescer, e dar belos frutos no futuro. Quem sabe assim podemos ter mais esperança. E Jeremias – Pele pode ser essa semente. Você pode plantar essa pequena semente em seus filhos, sobrinhos, netos, afilhados… Não importa a cor da sua pele, ou da pele deles. Isso é apenas um detalhe biológico, genético. A capacidade de uma pessoa não pode e não deve ser medida pela cor da sua pele, pelo seu tipo de cabelo ou mesmo pelo seu sexo.

Jeremias é um dos melhores alunos da escola, tira notas altas e tem uma família bem estruturada, mas até então ele não tinha encarado a dura realidade de que sua cor pode ser um grande obstáculo. Ele sonha em ser astronauta ou um super-herói, mas em um projeto da escola sobre profissões, a professora escolhe – aleatoriamente – que ele seja pedreiro. Jeremias não entende o motivo disso, acha que poderia ser outra coisa, ele mesmo acha que pedreiro não é tão importante assim. Nesse momento ele começa a perceber como a realidade é dura.


Rafael Calça coloca algumas situações de sua vida nesse roteiro, e faz isso muito bem. Não fica chato, nem exageradamente dramático e nem coloca Jeremias como um “coitado”. O roteiro é forte, impactante e emocionante, como deveria ser. A arte de Jefferson Costa cria todo um ambiente próprio, há um universo só dele, mas que interage com o universo da Turma da Mônica e outros personagens e isso é bom para que temos a certeza que eles estão lá, todos juntos, todos no mesmo barco. 
É complicado aquele momento que uma criança perde a sua inocência e isso tem acontecido cada vez mais cedo, por diversos motivos. Isso acontece com Jeremias. Ele tem uma inocência característica, sonhos de criança, mas a realidade é bruta e seca e o acerta em cheio em um momento de fúria de seu pai, que acaba descontando nele e mostrando toda a verdade nua e crua do nosso mundo. Nesse momento eu parei por uns segundos para respirar, é sério. O mundo de Jeremias acabava de virar de ponta-cabeça.
Nós, pais, também erramos, claro. Podemos nos exceder em algum momento, por mais que desejamos o melhor para nossos filhos nem sempre as coisas saem de acordo como o pensado. Por mais que pensamos e ensaiamos como tocar em determinado assunto, pode ser que esse momento nunca chegue, ou não seja do jeito que imaginamos. O pai de Jeremias carrega um peso que ele não quer compartilhar com seu filho, pelo menos não de uma forma tão dura.

Sua mãe conta que seu avô foi pedreiro, e agora está aposentado. Ela doa suas ferramentas e apetrechos para que ele faça projeto da escola. Nesse momento há um crescimento exponencial em Jeremias. O mundo está ali e ele tem que encarar e vai encarar. Sim, o negro sempre tem que fazer mais para provar que tão competente quanto um branco. A mulher tem sempre que estar provando que é tão competente quando um homem e por ai vai. Nossa sociedade é assim, foi criada assim, mas não que ela precise ser assim para sempre. Realmente importa a cor ou sexo de uma pessoa se ela é capaz de desempenhar uma função? É possível saber se uma pessoa é boa ou ruim somente olhando a sua cor? A resposta é óbvia: é claro que não. No entanto, as pessoas ainda insistem com isso. Até quanto?

Jeremias – Pele é algo que você precisa ler. É um material que precisa ser lido, relido, repassado, comentado sem o menor pudor. Mostre para seus filhos, sobrinhos, netos, afilhados. Ensine-os que a vida vai além de uma definição rasa sobre cor da pele, sexo ou até mesmo peso. Vamos criar pessoas melhores, vamos criar um futuro melhor. E, quem sabe, um país melhor. 
Vou terminar esse texto com um diálogo entre Jeremias e seu avô, que eu achei sensacional:

– Vô, será que em outros planetas também tem pessoas assim? Que não gostam de quem é diferente delas?
– Depende. Sabe… Se for vida inteligente, mesmo, não terão nada disso.

FICHA TÉCNICA
Título: Jeremias – Pele
Autor: Rafael Calça
Ilustrador: Jefferson Costa
Editora Panini
Nota: 5/5
Onde Comprar: Amazon
 

Abraço e até a próxima!
Renato Zanotte

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