Luzinete [Crítica]

As últimas horas de vida de Luzinete estão retratadas neste triste e potente curta-metragem escrito, produzido e dirigido por sua irmã, a cineasta cearense Carla Di Bonito. Por volta de doze minutos, Carla conseguiu sintetizar o quão intensa era Luzinete. Adicta, mãe solo e HIV+, Nete (como é chamada durante a projeção) alterna momentos da mais autêntica alegria com outros de muita fúria e tristeza, consequências das suas próprias escolhas. 

Carla Di Bonito não romantiza o modo de vida da irmã e já abre a película com uma cena crua e totalmente sem disfarces, mostrando Luzinete já morta de overdose em cima de sua própria cama, sozinha, enquanto uma grande quantidade de refluxo gástrico escorre por sua boca. É uma cena triste, que já entrega o final da história, mas não atrapalha a experiência. Carla não se acanha em filmar as cenas em que Luzinete faz uso de cocaína, posicionando a câmera embaixo de uma mesa de vidro, onde é possível observá-la aspirando uma quantidade absurda de pó. A maneira direta com a qual Luzinete é retratada, desarma qualquer possibilidade de crítica. Quem nunca errou, que atire a primeira pedra, parece dizer o olhar angustiado emitido pela atriz Fernanda Peviani, em total entrega ao papel. Peviani faz bom uso dos elementos que possui em mãos e rapidamente já se conecta com o espectador, intrigado desde o início após ser impactado com o fim trágico daquela jovem.

Neste curto espaço de tempo ela consegue mostrar o quanto Luzinete tinha um coração lindo, e o quanto era prejudicada pelo estilo de vida a base de sexo, drogas e rock n’ roll. Ela cozinha, interage com a amiga (Eden Avital Alexander), abraça e beija o único filho Raphael (Milo Santos), tudo ao som de “Maluco Beleza” do saudoso Raul Seixas, porém seus problemas pessoais serão inevitavelmente sua sentença de morte. 

Escrita pela vida, Luzinete é uma personagem trágica, cheia de nuances, captada sem meias verdades e sem julgamentos pelas lentes de sua própria irmã, numa espécie de homenagem e também uma tentativa de fazer as pazes com o passado. É ela quem observa Luzinete pelo buraco da fechadura, numa alusão a distância geográfica que separava as duas (Luzinete estava em Salvador e Carla em Londres) e é a própria Carla quem narra a história. Com presença em vários festivais internacionais, concorrendo e ganhando vários prêmios, entre eles uma nomeação na categoria Student Awards no Royal Televsion Society (um prêmio da mesma importância que o BAFTA), Luzinete tem tanto potencial a ser desenvolvido que vai se tornar um longa-metragem e contar sua trajetória com mais detalhes.

Entrevista com Carla Di Bonito 


Carla Di Bonito é cearense, formada em cinema e jornalismo. Já trabalhou na BBC de Londres, onde vive com os filhos. Atualmente se dedica a carreira de cineasta, tendo feito sua estreia com o curta Friday, Saturday and Sunday, de 2006.  Luzinete é o seu segundo curta e já passou por 17 festivais internacionais colecionando prêmios e indicações. Abaixo nossa entrevista com a diretora.

Primeiramente, parabéns pelo trabalho e pelo reconhecimento que Luzinete vem conquistando. Nós do blog Na Nossa Estante estamos orgulhosos em saber que uma mulher nordestina está representando tão bem o nosso país no exterior. Seu olhar sobre sua irmã é carinhoso e um recorte de sua vida mostrando seus momentos finais não tem filtro algum. Essa abordagem foi decidida de início ou em algum momento pensou em suavizar a história?

Carla Di Bonito: Desde 2000 venho pensando em fazer algo que pudesse homenagear a Nete. Acho que a melhor homenagem é a honestidade. Mostrar honestamente como ela viveu. Se eu em algum momento tivesse tentado romantizar ou amenizar o que foi mostrado, eu estaria cometendo o mesmo erro que muitos cometeram com ela. Eu não tenho e nunca tive vergonha da minha irmã ou da vida que ela optou ter. Essa era a sua jornada. Fazemos escolhas o tempo todo. Quando temos a ciência do que somos, o nosso amor próprio é indestrutível, mas quando isso não é desenvolvido e aprendido, então as consequências são drásticas

A pandemia foi um estímulo para realizar o curta ou já era um projeto em andamento que decidiu concluir?

Carla Di Bonito: Não. A pandemia não foi estímulo e eu ainda não tinha decidido nada. Tudo aconteceu quando numa aula da universidade pelo Zoom nós tínhamos que descrever um ambiente/situação mas não incluir nenhum diálogo. Então, eu assim do nada imaginei o quarto onde a Nete havia morrido e comecei a escrever. Quando me dei conta as lágrimas estavam rolando. Quando voltamos ao Zoom, a professora pediu que lêssemos. Quando chegou minha vez eu li e tive que parar duas vezes por conta do nó na garganta. Foi aí que decidi que meu filme de graduação seria o Luzinete.

Mesmo em poucos minutos, é possível notar que Nete é uma personagem com muitas camadas a serem exploradas. A maneira com que filmou a sequência final com a câmera trêmula e os cortes de cena precisos, intensificaram ainda mais essa percepção. Quais são os cineastas que lhe serviram de inspiração?

Carla Di Bonito: Eu amo diretores como Park Chan-wook, Wong Kar-wai, David Lynch, Karim Ainouz, Pedro Almodóvar, David Lynch e Joe Wright. São vários. Com certeza esqueci mais alguém, mas para o Luzinete decididamente, David Lynch e Joe Wright

Luzinete faleceu numa era pré-smartphones, o que reduzia a interação entre vocês duas e mesmo assim a senhora sabe muito sobre ela. Ela a tinha como confidente e se sim, como foi o relacionamento de vocês no período em que a senhora esteve no exterior?

Carla Di Bonito: Nós não nos falávamos frequentemente. Isso não. Nossa interação maior era mesmo quando eu ia de férias e o período que convivemos na casa da nossa avó Raquel. Depois que eu saí do Brasil nossa interação era mais esparsa, mas tinha sempre aquela coisa, não sei o que que nos unia. Acho que eu e Nete éramos unidas pelo sentimento do abandono. Nós duas entendíamos o que ele significava. Sem palavras, entendíamos o nosso sofrimento. Eu não acredito que eu era uma confidente, mas era a sua irmã em quem ela podia contar e ser quem ela era!

Para terminar, agradeço sua atenção e a confiança em nosso trabalho. Além do longa baseado no curta Luzinete (que também será estrelado pela atriz Fernanda Peviani), quais serão seus próximos projetos?

Carla Di Bonito: Tenho o meu primeiro Longa Connor and Sonia, que vai ser estrelado pela Thaila Ayala e David Ganly além de Fernanda Peviani, Fernando Montano e Juliano Cazarré entre os cinco papéis mais importantes!

Agradecemos Carla Di Bonito pela entrevista e torcemos pelo seu sucesso.

Italo Morelli Jr.

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