Niñato [Resenha do Filme]

Diretor e roteirista de alguns curtas-metragens, o espanhol madrilenho Adrián Orr, estreia seu primeiro longa-metragem, contemplado na competição “Novos Diretores” dessa 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Niñato, de 2017, conta uma história de sobrevivência na Espanha contemporânea, dilacerada pelo sistema neoliberal e o brutal imperativo da austeridade fiscal (imposto pela Alemanha e países mais fortes, credores da União Europeia, a toda Europa – e por isso é comum virmos nessa Mostra ou na produção contemporânea europeia tantos filmes de tantos países tocarem esse tema).
O impacto social das políticas econômicas de austeridade sobre toda a Europa é representado por vários recortes locais, de vários países, especialmente depois da crise econômica de 2008 (que se resolveu paliativamente através da austeridade, salvando bancos enquanto sufoca a população). Crise e resposta econômica austera arrasam, desde então, o velho continente, esgarçando garantias e direitos sociais e liberdades individuais conquistados no último século, deformando o Estado de bem estar social e cada vez mais empurrando o povo para a sobrevivência selvagem, sem esperanças, conforto ou dignidade.
Niñato de niño não tem muita coisa, a não ser a dependência financeira da mãe. Aos 34 anos de idade o que ele tem, sim, são niños! E três deles: duas meninas e um menino, Oro, cujo conforme cresce nesse ambiente e sob o cuidado displicente (embora dedicado) do pai, mais se torna à imagem e semelhança do genitor (para o seu desespero).
O jovem adulto não tem mulher. Com tantas histórias de mães solteiras no mundo, aqui o diretor faz a opção de mostrar uma história de um pai solteiro (que é raro na realidade, e talvez por isso seja interessante essa opção). O que não quer dizer que exista alguma cisão ou comparação entre essas duas realidades no filme, e nem um discurso demagogo sobre isso.
Mostrar Niñato cuidando de três crianças sozinho, mas com ajuda da mãe e da irmã (ou seja, dependente ainda assim da figura feminina), enquanto namora uma jovem garota também sem muita perspectiva, igual a ele, ou ganha algum dinheiro como vocalista de uma banda de reggae/hip-hop, é na verdade uma opção narrativa que não visa tanto as particularidades sobre ser homem ou ser mulher, e sim é uma dentre várias maneiras de retratar a realidade universal de uma juventude sem futuro e sem muita base material na Europa (e no mundo) contemporânea(o), lidando com uma crise sistêmica que varre o globo.
Filmado quase como um registro caseiro, com uma fotografia crua e documental, a história nos coloca em alguns dias do cotidiano de Niñato, para vivermos com ele todo o tédio e angustiante laconismo de sua vida. O seu ritmo é a pior parte; realmente sentimos o tédio. Nada disso melhora com um roteiro que favorece essa sensação, construído sem grandes conflitos; sem qualquer reviravolta; sem desenvolvimento de personagens; com excesso de diálogos (nenhum interessante); e sem sequer uma jornada bem definida.
Estamos diante apenas e tão somente da contemplação de um recorte da história da vida de Niñato. Entendemos o que ele passa, os aspectos e características de seu dia-a-dia, as questões que o filme quer levantar; mas nenhuma personagem é construída ou tem um constituição psicológica que some à narrativa. Não há um uso da linguagem cinematográfica; pelo contrário, o diretor parece até propositalmente ser bem negligente em explorar as possibilidades de contar a história utilizando alguma linguagem envolvente.
É um estilo de filme que não é novo, mas agrada a poucos. Adrián Orr tem sua proposta, mas não cria um filme interessante sobre os assuntos que quer discutir. No entanto, considero isso da perspectiva de quem não gosta desse estilo de filme, enquanto uma ficção. Há quem goste; ele ganhou o prêmio de “melhor filme internacional” recentemente no festival BAFICI, na Argentina.
Se fosse um documentário, aí sim, tudo mudaria, ganharia outro sentido – bem mais instigante, por sinal. Apresentado dessa forma, essa narrativa ficcional fica chata, desinteressante, ao não conseguirmos desenvolver empatia com a história ou com as personagens.
Seu melhor aspecto é a duração de 72 minutos (que parecem duas horas). Para se compreender a diferença entre a proposta narrativa de Adrián Orr e o que ele de fato conseguiu executar, basta comparar com a similar proposta narrativa (e filosófica) do diretor taiwanês Tsai Ming-liang, capaz de fazer filmes de duas horas com o mesmo ritmo contemplativo e a estética crua, mas instigar o espectador ao ponto de ele querer mais duas (ok, isso é subjetivo, admito).
A sensação honesta ao final do filme foi a de que ele balança no limiar entre o pseudodocumentário (mockumentary) e a ficção, e acaba se perdendo, num filme apático, que veio de lugar nenhum e termina em nenhum lugar (talvez para nos dizer: tal qual a vida de tantos ‘Niñatos’ mundo afora hoje em dia).
Sessões:
NIÑATO (NIÑATO), de Adrián Orr (72′). ESPANHA. Falado em espanhol. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 14 anos.
RESERVA CULTURAL – SALA 2 19/10/17 – 20:15 – Sessão: 88 (Quinta)
INSTITUTO MOREIRA SALLES – PAULISTA 20/10/17 – 16:30 – Sessão: 163 (Sexta)
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – FREI CANECA 6 28/10/17 – 13:30 – Sessão: 955 (Sábado)
CIRCUITO SPCINE OLIDO 01/11/17 – 15:00 – Sessão: 1324 (Quarta)
Mais informações: http://41.mostra.org/br/home/
Gui Augusto

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