Kingsman: O Círculo Dourado [Resenha do Filme]

Conferimos a cabine de imprensa de Kingsman: O Círculo Dourado.

Kingsman: O Círculo Dourado chega às salas do Brasil repetindo sua fórmula de sucesso do primeiro filme, mas não com a mesma excelência. Mantendo-se fiel à homenagem renovada às histórias clássicas de espião, na linha da obra original adaptada – a série de HQ’s The Secret Service, do premiado Mark Millar (autor de Kick-Ass, também adaptada por Matthew Vaughn) – o novo longa chega com potencial para agradar fãs da franquia, bem como fãs de violência gráfica, ações mirabolantes e espionagem à la 007.
Já logo na sequência de abertura há ação frenética de tirar o fôlego. Mas não se anime muito; não haverá tanto mais disso. Na verdade, o outro grande momento desses será no confronto final. Basicamente, o filme padece de dois problemas: economiza nas cenas de ação (última coisa que um filme desses deveria fazer); e a sequência final mata a criatividade de um clímax coerente e interessante, por se escorar demais em muletas narrativas.
O exagero não é o problema, a própria sequência de abertura contém vários deles, além dos clichês; mas não é o que incomoda. É condizente com a estética cartunesca do filme. O que tira a credibilidade da ação (especialmente no clímax) é o abuso de recursos como ‘plot armor’ das personagens primárias (e.g. sobreviver ao soco dum braço biônico capaz de estourar paredes) ou “marmeladas” com função de ‘deus ex machina’ (e.g. como capangas caindo todos ao mesmo tempo numa armadilha). São conveniências baratas, preguiça do roteiro, que desafiam a lógica e também a nossa suspensão de descrença.
A trama conta do amargo ataque sofrido pela nem-tão-secreta-assim agência de espiões (e gentlemen) do Reino Unido, a Kingsman, e do esforço de seus remanescentes para reconstruir sua reputação e neutralizar a nova ameaça, o Círculo Dourado. Poppy, “CEO” do vilanesco grupo, sabe de Richmond Valentine (o vilão do filme anterior), e não pretende sofrer com os mesmos obstáculos que ele, para isso decide acabar liminarmente com nossos heróis. Isso os leva a acionar sua “arma secreta” (aliás, a mais saborosa possível), e acabar descobrindo uma excêntrica aliada, operando sob a fachada de uma fábrica de uísques nalgum lugar do Kentucky (EUA), a agência Statesman.

O ramo de Poppy é outro: enquanto o de Valentine era a dominação mundial por um maluco/gênio com obsessões megalomaníacas, Poppy já prefere o narcotráfico internacional. Fazendo menos o perfil maluco e mais o de uma psicopata vaidosa e sanguinária, tudo o que ela deseja é a legalização das drogas… para, além do dinheiro, poder e influência, também desfrutar da fama (como uma renomada celebridade-empresária). Ela comanda seus negócios a partir dum bunker escondido no meio da floresta tropical do Camboja (decorado feito uma cidade norte-americana dos anos 60, e um toque de egocentrismo), enquanto se entretém explodindo inimigos, fechando contratos com empresas e presidentes, moendo “funcionários” que não “vestem a camisa”, cuidando de seus “adoráveis” cachorrinhos Bennie e Jet, ou assistindo shows particulares do seu artista pop predileto (que ocorre de ser também seu prisioneiro).

É boa a ideia de fazer a conexão entre anglo-escoceses e norte-americanos sulistas através do uísque. Historicamente o uísque é uma bebida rebuscada, símbolo de mesas de reuniões, secretas ou não, espúrias ou não, de poderosos, gentlemen ou magnatas; é também tida como uma bebida “de homem”, sempre regando os mais variados e decisivos negócios na sociedade patriarcal. Não por menos, é símbolo clássico dos filmes de espião. E é também pelo uísque que ex-colônia e metrópole (EUA e Reino Unido) têm uma rixa cultural histórica: a velha luta entre um tradicional Scotch ou um inovador Bourbon; o malte versus o milho. 
A Statesman nomeia os agentes com nomes de bebidas alcoólicas (tal qual a Kingsman com personagens do conto do Rei Arthur). Esse papo de uísque rende ainda no filme uma gag sobre representatividade feminina. A única mulher da agência é chamada ‘Ginger Ale’ (‘refrigerante’, em tradução livre). Ela tem a expressa intenção de se emancipar no ambiente de trabalho, mas uma condição “diferenciada” já é estigmatizada em seu próprio codinome, como a única bebida não alcoólica (associada à fragilidade e inocência), sugerindo qual o “seu lugar de mulher” numa agência de maioria absoluta masculina, onde todos os homens têm codinomes de bebidas alcoólicas (“fortes”, “viris”). Além disso, Ginger sempre foi impedida (por um homem, claro). Mas a conclusão de seu arco nos brinda com a melhor justiça poética para a personagem – e Halle Berry sabe deixar uns marmanjos no chinelo… 
Na parte técnica, daria pra definir o filme como um show de inconsistências de roteiro banhado por efeitos visuais caros, uma montagem dinâmica e edição certeira. O roteiro não é só incongruente (como dito a parágrafos acima) ele é também frívolo, recheado de diálogos vazios, reviravoltas mal construídas e personagens mal desenvolvidas. No entanto, o mesmo roteiro consegue ser sagaz na tratativa de questões polêmicas ou políticas, colocando-as como pastiche no enredo, estética e narrativamente meio cômico e meio caricato, deixando claro que não se leva a sério (o que ameniza suas falhas e até as faz trabalharem a seu favor). Ainda, algumas gags e punchlines funcionam bem (como as piadinhas de duplo sentido que o artista pop solta a toda hora). O timing de humor do diretor Matthew Vaughn soa melhor do que seu timing para ação (a qual peca não pela qualidade, mas pela escassa quantidade).

Talvez pelas retaliações enfrentadas por algumas polêmicas do primeiro filme (especialmente a fatídica cena da igreja), o segundo ‘Kingsman’ economize um pouco nelas, trazendo raros momentos escatológicos (e.g. a hamburgueria da Poppy ou a maneira peculiar de inserir um localizador numa investigada). Porém, bom comportamento não combina com a essência de Kingsman.
Já quando levanta temas políticos, não há uma inteligência narrativa pela profundidade do discurso, mas sim pela maneira até anárquica com a qual ele é colocado. A grande discussão pautando esta trama é a legalização das drogas. Através de uma inversão de valores, o roteiro coloca boas intenções na boca de vilões e ideias reacionárias na boca de heróis, porém tudo costurado de forma a veicular o discurso, mesmo que superficialmente. Assim, inabilidade e inépcia das autoridades em lidar com uma questão tão complexa e delicada como as drogas, a incoerência jurídica e legislativa, a hipocrisia social, a violência policial, o encarceramento em massa, o poderio do tráfico ilegal de drogas; está tudo lá, colocado despretensiosa ou humoristicamente.
O tema das drogas abre margem para críticas à política norte-americana. Sobram piadas e indiretas à administração Trump e sua cúpula (representada em burlescas personagens, composta basicamente de dois bajuladores fechados no salão oval com o presidente): o cordato e submisso General McCoy e a Chefa de Gabinete sem voz ativa que só se resume a reinterpretar as declarações grotescas do presidente, e cuja, bem sugestivamente, o nome é Fox. Bruce Greenwood não é fisicamente parecido com o atual presidente norte-americano, mas emula muito bem a infantilidade, truculência, preconceito raso e despreparo do comander-in-chief para administrar a nação.

Vale mencionar a seleta escalação de atores. Temos novamente Mark Strong, como Merlin e Colin Firth, como Galahad (ou, Harry Hart), cujos parecem ter nascido para estes papéis. Além deles, melhor desde o primeiro filme temos Taron Egerton (nosso ‘Eggsy’), que chega fazendo as caras e bocas de Firth, numa imitação quase perfeita do primeiro Galahad – deixando bem claro só na expressão corporal e facial, que o pupilo aprendeu e se tornou o seu mentor.

Há bons nomes como o mito Jeff Bridges (Champ) ou Pedro Pascal (Whiskey) – #RIPOberynMartell – e nomes conhecidos como Channing Tatum (Tequila) e Halle Berry (Ginger Ale), mas nenhum destaque especial; Bridges infelizmente tem pouco tempo de tela, e o mais memorável da participação de Tatum é virar o Magic Mike de novo… O casting de vilões acerta mais uma vez. Se Samuel L. Jackson como Valentine já tinha sido uma ótima escolha, Julianne Moore (outro mito!) traz à Poppy também a encarnação perfeita, com toda a capacidade (quase natural) de exprimir charme e insanidade no mesmo rosto.

O tom escrachado do filme com seu ritmo alucinante casam-se bem. Aliás, talvez por isso que esta continuação pareça não alcançar a mesma qualidade do primeiro ‘Kingsman’: ela não investe tanto quanto deveria investir neste ritmo e em mais ação e mais violência gráfica. Por grande parte ela “perde a mão” por querer se ancorar demais em um roteiro dramático focado em personagens, o que não é seu forte. De todo modo, ela agrada quem procura um bom entretenimento; mesmo com o roteiro simplório, o timing humorístico somado à (ainda que tímida) ação resultam num filme divertidíssimo. Nem sentimos suas 02h21m passarem. Na verdade, tudo já vale só pela presença de alto garbo e elegância do emblemático artista pop, fazendo sua participação mais do que especial… (SPOILER):


Trailer:
FICHA TÉCNICA
Título: Kingsman: O Círculo Dourado
Título Original: Kingsman: The Golden Circle
Direção: Matthew Vaughn
Data de Lançamento: 28 de setembro
Gui Augusto

8 thoughts on “Kingsman: O Círculo Dourado [Resenha do Filme]

  • 28 de setembro de 2017 em 00:47
    Permalink

    Oi, Gui!
    Eu simplesmente amei o primeiro filme! Gosto muito dos atores e também achei que eles foram feitos para esses papéis.
    Estava bem animada para assistir o segundo, mas ver suas críticas me deixou um pouco desanimada.
    Ainda assim vou assistir, porque Colin Firth roubou meu coração há muito tempo e ainda não devolveu hahaha
    Beijinhos,

    Galáxia dos Desejos

    Resposta
  • 28 de setembro de 2017 em 00:48
    Permalink

    Oi
    pena que esse teve personagens mal aproveitados e até diálogos desnecessário, mas apesar dos pontos negativos destacados, ainda quero assistir esse filme. Pena que não tem tanta cenas de ação, já que é muito legal ver em filmes do estilo.

    momentocrivelli.blogspot.com.br

    Resposta
  • 28 de setembro de 2017 em 02:28
    Permalink

    Oi Gui, tudo bom?
    Confesso que pulei umas partes da resenha porque, acredite se quiser, não vi o primeiro filme até hoje 😛 Acho que toda a hype criada em cima dele na época do lançamento me deixou bem nhé pra ver, e aí depois disso não surgiu oportunidade. Muita gente fala bem e eu tenho bastante curiosidade, mas preciso conferir o 1 pra saber se rola interesse no 2 UHASUHASUHUHASUHASUHAS

    Beijos,
    Denise Flaibam.
    http://www.queriaestarlendo.com.br

    Resposta
  • 30 de setembro de 2017 em 20:22
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    Oi! Vi o trailer quando estava no cinema para assistir IT e gostei. Corri pra conferir o primeiro e achei muito legal, pena saber que o segundo deixa a desejar. Ainda assim quero ver. Bjos!! Cida
    Moonlight Books

    Resposta
  • 4 de outubro de 2017 em 14:36
    Permalink

    Que pena que esse segundo filme não foi tão bom quanto o primeiro. Eu adorei o primeiro e estava ansiosa para conferir a sequência, mas agora a ansiedade baixou um pouco. Acho que tem filmes mais interessantes na fila.

    Vidas em Preto e Branco

    Resposta

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