Cegonhas – A História que Não te Contaram

Conferimos a cabine de imprensa de Cegonhas. Filme estreia dia 22/09/2016


Cegonhas é uma animação rica em referências, entre um enredo batido e sem inovações estéticas ou narrativas, consegue de forma natural e leve colocar questões políticas e sociais necessárias num contexto de diversão infantil.

A Warner Animation Group apresentou uma boa evolução desde o seu Aventura Lego (2014), e apesar de neste mercado milionário diante da Pixar ainda soar como Bob’s tentando bater no McDonald’s (e perdendo uns milkshakes pelo caminho), entrega uma história consistente e uma animação muito agradável. Tal façanha pode ser explicada pela escolha dos diretores Doug Haddad Sweetland e Nicholas Stoller (também assina o roteiro). Doug vem de uma longa história como animador na Pixar, tendo sido o responsável por clássicos recentes do gênero como Toy Story 1 e 2, Vida de Inseto, Monstros S.A., Procurando Nemo, Os Incríveis, Carros, e o curta Presto. Por sua vez, Stoller tem experiência no roteiro de comédias (meio ruins), mas inclui Muppets 1 e 2 (outros desses filmes infantis com piadas para adulto entender e criança não). Além da equipe original, vale dar um destaque para a nacional: o trabalho de dublagem, do elenco dirigido pelo experiente Guilherme Briggs, está muito bom (e eu nem gosto de filme dublado!).

Acompanhamos a história da cegonha Junior, um dos vários fiéis operários da lojadaesquina.com (alô, Amazon.com!), no topo da Montanha das Cegonhas, num mundo no qual humanos e essas aves dividem a mesma realidade em mutualismo profissional – tem até aviso de área restrita para humanos no perímetro industrial, afinal cegonha não é bagunça, né… Já há 17 anos os pássaros trabalham no ramo de entregas de produtos (ou “pacotes”), desde um fatídico incidente responsável por encerrar a produção na antiga Fábrica de Bebês, hoje reduzida a uma melancólica nostalgia, anexa ao novo gigante complexo industrial (um monótono container). Quando o albatroz Chefe Hunter, à beira da promoção a presidente, oferece a possibilidade de Junior ascender a “CHEEEEEFE!”, sob a condição de demitir a atrapalhada Órfã Tulipa (a única humana da empresa), ele se depara com a difícil decisão entre seguir ordens ou ouvir seu coração mole. Tentando conciliar as duas coisas, ele faz tudo errado, e de quebra ainda acidentalmente a máquina de fazer bebês é religada, e agora deve correr contra o tempo para salvar seu cargo na empresa.

Há uma liberdade de discurso que sob a inocência da animação faz bem humoradas críticas a diversos estereótipos do mundo empresarial, a seus arquétipos e ao próprio modelo tradicional de mercado. Encarnada no chefe Hunter está a figura do clássico chefe psicopata, o qual inspira, controla, fascina, impõe respeito e é completamente destituído de senso moral ou emoções. Há também o ‘mala’, vaidoso e covarde pombo Toady – sarcástica representação do “puxa-saco”, tão comum em ambientes empresariais. Não por acaso ele é um pombo, de estatura menor e feições ridículas diante da nobreza das cegonhas, nos remetendo a tantas pessoas “pequenas” e “baixas” que agem como ardilosos sabotadores, desestabilizando a harmonia do ambiente, criando competitividades inúteis e reproduzindo como ninguém o que há de mais abjeto no meio corporativo.
Não é novidade que a cultura corporativa, para controlar e manter a ordem, utilizar-se de traços fascistas (o quanto ela herdou do fascismo político fica claro no documentário A Sopa do Diabo, sobre as fundações da indústria na Itália de Mussolini), assim ela precisa manter todos seus empregados cordatos e submissos sob um ideário, um sonho (como o de crescer na empresa, o da estabilidade empregatícia etc.), signos (a reapropriação linguística, típica de regimes autoritários, incutida e.g. em Junior, como quando ele corrige Tulipa por não se referir aos bebês como “pacotes”) e modos de funcionamento específicos (bordões, uniformes, jingles publicitários – todo o conhecimento musical de Junior –, grandes eventos para alinhar as mentes dos funcionários com a cultura da empresa – como o ‘CegonhaCon’).
Tulipa é uma ameaça a tudo isso com sua criatividade, sua vivacidade inocente e seu modo original de ser, cujo maior pecado é não se adequar a cultura homogênea e totalizante da empresa. Os bebês, por sua vez, são tratados quase como material radioativo, havendo recomendação para evitar “expor-se” à sua “fofurice” e não correr o risco de se “apaixonar”. De fato, este serzinho tão ingênuo e frágil encerra uma força perigosa de irromper um ambiente autoritário e recrudescido, ao ter em si o poder de restaurar emoções compassivas em corações e mentes cansados.

Aliás, abramos um parêntese. Bebê é coisa tão séria que já foi até objeto da filosofia de Gilles Deleuze, quando fala sobre a “potência de combate” deles

“essa poderosa vitalidade não-orgânica que completa a força com a força e enriquece aquilo de que se apossa (…) querer-viver obstinado, cabeçudo, indomável, diferente de qualquer vida orgânica (…) que concentra em sua pequenez a energia suficiente para arrebentar paralelepípedos”.

Voltando ao filme, a “fofurice” amolece até a ferocidade de lobos selvagens (os bizarros lobos obstarão a jornada de nossos heróis), convertendo-os de competidores pela posição de macho alfa da alcateia, numa espécie de casal homoafetivo (como um deles afirmará: agora são pais da bebê).
O filme fará rápidas referências a outras questões, como num diálogo no qual Tulipa se queixa de “nunca ter visto na TV” o que a alcateia faz – duvidando da mais inimaginável realidade, tendo como parâmetro de verdade a TV. Ou as piadas sobre o lugar da mulher e do homem na relação, e seus vícios e sexismo, exploradas na dinâmica do involuntário (não)casal Junior (cegonha/homem/pai) e Tulipa (uma “mãe” de discurso levemente emancipado, quebrando a própria posição tradicional e por vezes constrangendo seu par por atitudes machistas). Outro tema abordado é o da carência e ausência de amor, atenção e carinho num tempo e sob um sistema que demanda dedicação integral ao dinheiro e ao trabalho; explorado na história paralela do menino Nate e seus pais, a família Jardim. 
Por fim, a crítica a um modelo empresarial obsoleto não é ainda o principal discurso do filme, apesar de permeá-lo todo. Sua grande façanha é gerar uma reflexão sobre outro modelo tradicional: o conceito de família. Com a premissa de bebês entregues por cegonhas, abre-se o espaço perfeito para inserir em manifesto uma realidade onde todos possam ter filhos e constituir uma família, independentemente de orientação sexual ou se nem sequer casal for (as chamadas famílias monoparentais). E tudo vem retratado numa belíssima e melodramática penúltima sequência, passando a mensagem de que não importa o sexo, a cor (a diversidade representada de forma engraçadinha até pelo cabelo dos bebês, os quais mais parecem pequenos trolls), se é filho biológico ou não, ou até a idade (como ficará evidente na cena final), pois toda criança (e não-criança) tem direito ao amor de um seio familiar e toda configuração familiar tem direito de existir.

O filme trabalha com excesso de situações nonsense para buscar o humor, embora produza bons momentos – como as surreais formações da alcateia, o trabalho investigativo do pombo Toady, ou o funcionamento da máquina de bebês –, às vezes não funciona e soa apenas bobo ou sem graça. Porém, são momentos creditáveis ao padrão do gênero e aos clichês narrativos (como a irritante atribuição de características humanas a personagens não humanas), porque apesar deles, o que vale mesmo aqui é a capacidade de fazer um discurso sem hipocrisia (lembrando o ótimo Wall-E, 2008) e, diferentemente de tantas animações infantis com mensagens genéricas e vazias de sentido (daquelas de palestra motivacional), veicular uma mensagem final conciliadora, mas sem pieguice, e sim, sólida, coerente com a realidade e com a urgência atual dos temas abordados.

Trailer:

Dados do Filme
Título: Cegonhas – A História que Não te Contaram
Título Original:  Storks
Ano 2016
Diretor: Nicholas Stoller, Doug Sweetland

Gui Augusto

23 thoughts on “Cegonhas – A História que Não te Contaram

  • 22 de setembro de 2016 em 21:47
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    Elááá, parou tudo que isto agrada-me! Como é que eu ainda não tinha ouvido falar disto? Como é que é impossível? Bem, só tenho uma coisa a dizer: Gosto, gosto, gosto!
    Beijinhos. 🙂
    http://www.mariasemlimites.blogspot.pt/

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  • 22 de setembro de 2016 em 22:01
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    Amo desenho <3 Eu vou assistir amanhã com minhas amigas e espero gostar do filme.
    Bjs!
    Refúgio da Ju

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  • 22 de setembro de 2016 em 22:26
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    Oii,
    Esse é um filme que tenho muito interesse em assistir, adoro animações essa parece trazer bastante conceitos também.
    Bjs e uma ótima noite!
    Diário dos Livros
    Siga o Twitter

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  • 23 de setembro de 2016 em 00:33
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    Eu to louca pra assistir! Vi o trailer passando na TV e já fiquei com vontade de ver. O melhor desses filmes de animações é o humor no sense que eles colocam no filme, isso que deixa o filme engraçado né? Também a ideia do filme muito boa, já que é uma "história" que todo mundo conhece, só que sendo contada de uma forma mais engraçada ainda.

    Beijos!
    http://www.likeparadise.com.br

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  • 23 de setembro de 2016 em 01:40
    Permalink

    Oiii Gui! Agora estou mais anciosa para ver esse filme *–* vi o trailer no YouTube e fiquei louquinha 😀 Amei a sua resenha, como sempre, muito bem feita <3 Eii acho tão chic quando vocês colocam que conferiram na cabine de imprensa kkkk

    *Beijokas -Hellen Barros.

    http://www.apenasgiz.com.br

    Resposta
  • 23 de setembro de 2016 em 02:22
    Permalink

    Aaaah, eu queero muito assistir em filme, sem dúvida alguma. Desde que assisti Procurando Dori após não ter assistido mais nenhuma animação recentemente, fico louca desejando o próximo rsr. Espero em breve!
    Beijo
    http://www.leitorasvorazes.com.br

    Resposta
  • 23 de setembro de 2016 em 03:08
    Permalink

    Gente, eu amo desenho. Como é que não conhecia esse aí? Nossa, mas vai entrar agora mesmo na minha lista do "preciso assistir", hehe. Valeu pela dica!!!

    =)

    Suelen Mattos
    ______________
    ROMANTIC GIRL

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  • 23 de setembro de 2016 em 04:01
    Permalink

    Oláaa
    Comecei a ler e já estou programando uma ida ao cinema!
    Que adorável sua resenha, expõe e encanta, nos leva para dentro da sinopse e além nos proporcionando aquele Q maiúsculo de o que vai acontecer agora?
    Uma animação com tema conhecido, apresentado de maneira diferente, uma overdose de fofurice mesclada com carências numa premissa atemporal e um final coerente.
    Quero muito assistir *O*
    Bjs Luli
    Café com Leitura na Rede

    Resposta
  • 23 de setembro de 2016 em 14:18
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    Parece ser um filme bem divertido!
    Eu gosto muito de animações, quero assistir essa.
    Beijos, Aline
    Verso Aleatório

    Resposta
  • 23 de setembro de 2016 em 14:21
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    Que resenha SENSACIONAL. Ainda não conferi o filme, mas fiquei surtando com a profundidade da análise, com as entrelinhas muito bem desenlaçadas e os pontos tão balanceados no decorrer. Fico sempre de queixo caído com os transbordares que encontro por aqui, já nos fazendo refletir criticamente para muito além da base da obra desde antes de conferir as tramas. As críticas sociais emitidas pelo filme e destrinchadas pela resenha já ficam no ar para que possamos aprofundar ainda que não vejamos o filme tão prontamente. Adorei tanto!

    http://www.semquases.com

    Resposta
  • 23 de setembro de 2016 em 16:17
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    fiquei curiosa, mas acho q vou esperar chegar na tv a cabo. beijos, pedrita

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  • 23 de setembro de 2016 em 16:31
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    Olá, tudo bem? Adoro animações, muitas vezes prefiro elas a filmes "reais"! Esse filme parece ser ótimo, fiquei doida para assistir!

    Beijos,
    Duas Livreiras / Sorteio de 3 KITS

    Resposta
  • 23 de setembro de 2016 em 18:32
    Permalink

    Oi Gui!
    Não conhecia o filme e também não assisti "Aventura Lego" (mas gostei da contextualização sobre o estúdio e os animadores), mas gostei do tema. Realmente, é bem diferente das animações que costumamos ver.
    Beijos,
    alemdacontracapa.blogspot.com

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  • 25 de setembro de 2016 em 01:57
    Permalink

    Boa, muito boa. Tenho certeza que a tua resenha é mais elaborada que o próprio plot da animação 😉

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  • 9 de outubro de 2016 em 00:17
    Permalink

    O filme cegonhas parece que vai ser bom, acho que vai fazer sucesso para o publico até os 14 anos.

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  • 29 de dezembro de 2016 em 06:22
    Permalink

    Ridículo ideologia de gênero passada para crianças

    Resposta

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