Os meninos que enganavam nazistas [Resenha do Filme]

Conferimos a Cabine de Imprensa de Os meninos que enganavam nazistas.

Os meninos que enganavam nazistas – ou Un Sac de Billes – é um singelo drama ambientado na França durante a ocupação nazista (1941), na Segunda Guerra Mundial, baseado num livro de mesmo nome, escrito por Joseph Joffo e publicado em 1973 – e com mais de 20 milhões de tiragens ao redor de todo o mundo. Joffo, ou ‘Jo Jo’, é o nosso protagonista aqui. Apesar de hoje contar com 86 anos (nascido em 02 de abril de 1931) e ter uma vida tranquila em Paris ao lado de sua esposa Brigitte, o Jo Jo da história era ainda a inocente criança diante do mundo. Para agravar sua situação na França nazista, era uma criança judia, de família judia. Daí por diante já é possível inferir toda a trama que iremos experimentar neste filme – e livro.
Cabe dizer: é impressionante o número de filmes sobre a Segunda Guerra e sobre o sofrimento semita que Hollywood e o cinema mundial já produziram; o sem número de histórias já exploradas; e sempre é possível, ao que parece, explorar mais e retirar mais desses eventos. Talvez um motivo dessa inesgotável fonte de assuntos seja a possibilidade de adaptação das diversas histórias pessoais (tantas das quais viraram livros de memórias ou biografias) de sujeitos que vivenciaram e sofreram diretamente o holocausto. Aqui temos a de Joffo e sua família.
Parte do público já teve seu interesse esgotado por essa temática, outra parte ainda possui um interesse especial por ela. Formou-se um verdadeiro gênero de cinema: o filme de Segunda Guerra. Isso traz também para as produções um pacote de clichês narrativos e formas estruturais (câmera, roteiro, sonoplastia, trilhas etc.) quase sempre presentes – o que ajuda a minar o interesse por esse assunto e gerar a impressão de pastiche do mais-do-mesmo. Ao longo do século XX, também algumas polêmicas foram trazidas ao centro do debate cinematográfico, como por exemplo, a discussão sobre o Travelling de Kapò (Kapò, de Gillo Pontecorvo), levantada por críticos da estirpe de Jacques Rivette e Serge Daney, da Cahiers do Cinéma; ou a discussão sobre qual seria a maneira adequada de se retratar através de um produto cultural e estético os horrores do holocausto nazista – cuja uma das experiências mais radicais foi a de Claude Lanzmann, com seu filme Shoah, de 1985, de mais de 9 horas de duração e 11 anos de filmagem.
A história de “Meninos” trata da traumática separação dos irmãos Joffo, Joseph e Maurice, de seus pais e irmãos mais velhos, para viajarem separados numa França ocupada pela polícia e exército alemães – e aumentar as chances de sobrevivência, evitando levantar suspeitas como família judia fugitiva – com o intuito de alcançar as zonas livres ao sul do país e, assim, reagruparem a família. Quem a conta no livro e através de narrações off no filme é o próprio menino Joseph.
Nessa odisseia, os dois caçulas da família viajam sozinhos pela França; Maurice, o mais velho, é responsável por cuidar de Jo Jo, que, por sua vez, uma criança ainda com seus 11 anos de idade, é obrigada a deixar a infância cedo demais e a desenvolver uma responsabilidade adulta (um fardo pesado para seus pequenos ombros). É interessante atentar-se para o título original (mantido em inglês): “Um Saco de Bolinhas de Gude” (em tradução livre). Não é à toa. Talvez mais do que Jo Jo, a protagonista da história seja uma bolinha de gude – e tem importância também no livro, como é possível notar logo no 1º parágrafo do 1º capítulo (distribuído pela editora vestígio, do grupo autêntica, a qual o lançará por aqui em agosto, acompanhando o lançamento do filme).
O saco de bolinhas que o protagonista leva em seu bolso o tempo todo é uma metáfora para os fatos que se sucedem em sua vida, e é explorada com delicadeza pela narrativa. No seu dia-a-dia as bolinhas representam seu divertimento e seu principal passatempo na escola e com o irmão Maurice; ao momento de sua separação da família, é também o momento de separação de suas bolinhas; uma bolinha resiste, a predileta de Jo Jo (e como ele conta no livro, também “a mais feia”), guardada por ele com todo o primor durante sua jornada, e só ao final do filme, num momento crucial e definitivo, ele se separa desta sua querida bolinha. 
Desde o saco deixado na mesa de casa quando se separou dos pais, à bolinha de gude preferida, esse brinquedo infantil que marcou gerações de crianças no século passado é o ícone da própria infância de Jo Jo, esfacelada por várias vezes, é o resquício de memória que ele guardou consigo de uma infância interrompida; naquela cena final dita acima, ironicamente, a facilidade com que ele larga a bolinha é inversamente proporcional à força com que esteve se agarrando a ela durante toda a viagem: com os novos fatos que encara ao alcançar seu destino, vem a involuntária necessidade de deixar definitivamente para trás sua infância.
Este é também um filme técnico, o que o faz se amparar em todos aqueles clichês ditos antes, mas também ser filmado com o cuidado médio necessário para ser no mínimo agradável. Há às vezes usos interessantes da câmera, que fogem um pouco ao padrão do próprio filme, e dão um toque narrativo interessante para as cenas. Destacando-se a penúltima sequência, quando pela primeira e única vez o pequeno e fugitivo Jo Jo é enaltecido por uma câmera baixa numa cena (o que se explica pelas ações que se sucedem na tela, onde ele ganha uma importância); ou quando a câmera extrai em silêncio seus olhares frustrados e acompanha sem esperança uma breve corrida tentando, em vão, buscar sua precoce ‘paixonite’, a garota Françoise (quem devido aos plot twists dessa penúltima sequência torna-se aquilo que Jo Jo era há até pouco tempo).
O filme de Christian Duguay tem lá seus problemas. Ele, além de diretor, responsável também pela adaptação do roteiro e pelos diálogos, cria diálogos expositivos muito didáticos, o que pode incomodar alguns espectadores. Outro problema (para alguns) é a inserção constante de música instrumental na trilha para explorar o melodrama. Literalmente, a cada 7 ou 10 minutos durante todo o longa entra uma música dramática exaltando seja o efeito de tragédia seja o efeito de comicidade da cena. Essa muleta pode ser entendida também como outro excesso de didatismo do diretor e roteirista. 
No fim, acaba sendo um filme que não se deixa levar e tocar o público apenas por uma inteligente e criativa conjunção de imagens e sons, como a bela metáfora das bolinhas de gude foi tratada, e sim, ele se sente na necessidade de a todo tempo expor os eventos da tela, não deixando o espectador absorver contemplativamente, mas o induzindo através dos diálogos que explicam tudo e da trilha sonora bombardeando suas emoções a todo tempo – também, não permitindo que ele se emocione naturalmente com a execução, e sim forçando essa emoção.
De todo modo, você assistirá nos cinemas um drama leve, com uma história de fácil identificação para o público em geral – por ser um tema já amplamente tratado e explorado – e de “boa digestão” (apesar de toda a tragédia e profunda tristeza dos fatos reais). Ademais, é um filme considerado por conhecedores da história de Joseph Joffo (desde pelo menos a publicação e o sucesso de venda do livro nos anos 70) como um filme “necessário”, pois é mais uma daquelas histórias da Segunda Guerra ainda não contadas na telona, sendo finalmente apresentada.
Trailer:
FICHA TÉCNICA
Título: Os meninos que enganavam nazistas
Título Original: Un Sac De Billes
Diretor: Christian Duguay
Data do lançamento: 03 de agosto de 2017
Gui Augusto

7 thoughts on “Os meninos que enganavam nazistas [Resenha do Filme]

  • 2 de agosto de 2017 em 21:20
    Permalink

    Oi
    Não havia indo ouvir falar desse filme .
    O titulo original sobre a bolinha de gude me pareceu bobo no inicio ,mas após isso consegui compreender o motivo.
    Otima resenha

    Meu mundinho quase perfeito

    Resposta
  • 2 de agosto de 2017 em 23:34
    Permalink

    Já recomendaram-me várias vezes o livro, mas ainda não tive a oportunidade de lê-lo. Sobre o filme não sabia, a segunda guerra mundial é muito rica tanto historicamente, quanto a nível de histórias pessoais e é um tema que gosto muito de ler ou ver abordado num filme. Parabéns pela review 🙂

    Bitaites de um Madeirense

    Resposta
  • 2 de agosto de 2017 em 23:46
    Permalink

    Oi
    nunca vi falar do filme, mas até que parece ser legal e que bom que é uma história mais leve se comparar com outros do tema, quem sabe se um dia tiver a chance eu assista ele.

    momentocrivelli.blogspot.com.br

    Resposta
  • 3 de agosto de 2017 em 00:57
    Permalink

    Nossa nunca vi o filme mas fiquei super interessada. Amo essa temática sobre o nazismos acho muito interessante. Amei mesmo sua resenha e principalmente a forma que eles abordam as bolinhas no filme, parece uma forma bem diferente de tratar o tema.

    Beijos
    La Rosa Blanca

    Resposta
  • 3 de agosto de 2017 em 03:21
    Permalink

    Oi! Eu gosto muito de filmes e livros com essa temática, o diário de Helga e a bibliotecária de Auschwitz são incríveis. Dica anotada! Bjos ❤

    Click Literário

    Resposta
  • 3 de agosto de 2017 em 03:45
    Permalink

    Realmente, é tanto filme sobre a Segunda Guerra que a gente mal sabe por qual começar a assistir hahaha eu admito, sou do grupo que não é tão fã de filmes que envolvem essa tragédia justamente por ser muito triste e pesado. Mesmo assim curti a história desse, acho que muitos sobreviventes devem ter histórias bonitas sobre esse evento mesmo ele sendo tão triste e nada mais justo do que essas histórias serem contadas. Adorei a resenha, super completa!
    Um beijão,
    Gabs | likegabs.blogspot.com ❥

    Resposta
  • 2 de dezembro de 2017 em 02:02
    Permalink

    O filme é muito rico em verdade ,família e como deveríamos ver o amanhã eu sinceramente amei

    Resposta

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