O artista do desastre [Resenha do Filme]

Conferimos a cabine de imprensa de O artista do desastre.
The Room é classificado por uma variedade de críticos como “o pior filme já feito”. O Artista do Desastre, filme dirigido por James Franco e estrelado por ele e por seu irmão mais novo, Dave Franco (além da presença do terceiro irmão Franco, Tom, num papel menor), conta a história justamente do diretor de The Room, Tommy Wiseau. Apesar de nem sempre sabermos da estreia de um filme de James atrás das câmeras, na verdade desde 2005 ele coleciona já 38 títulos assinados como diretor, sendo mais de uma dezena deles longas-metragens. 
Aliás, o interesse de Franco por figuras marginais também não é novo, como podemos ver em longas biográficos anteriores dirigidos pelo ator, expressando sua admiração artística por figuras como Hart Crane (A Torre Quebrada, de 2011), Sal Mineo (Sal, 2011), Stephen Dobyns (Black Dog, Red Dog, 2015) ou Charles Bukowski (Bukowski, 2013). Tommy Wiseau é só mais uma dessas figuras, estranhas, outsiders, que não se encaixam no mundo; como é descrito numa cena do longa: “único”.
O Artista do Desastre acompanha os momentos e as situações que levaram Wiseau a escrever e dirigir seu primeiro longa-metragem, The Room, em 2003, após conhecer Greg Sestero, um jovem modelo e ator iniciante e ainda muito relutante na profissão. A partir daí, somos levados diretamente aos bastidores do filme (que teriam sido de fato filmados por um cinegrafista a mando do próprio Wiseau na época) e toda a sequência de improbabilidades bizarras e situações tragicômicas que em qualquer condição normal já impossibilitariam a conclusão de um curta-metragem, quiçá um longa. Mas The Room foi concluído, e alçou após décadas Tommy a uma condição de mito nos círculos alternativos e cult de São Francisco, logo, com o advento da internet, se disseminando pelo mundo.
Wiseau é o ‘artista do desastre’ talvez porque tudo o que fez foi desastroso (pelo menos intencionalmente; porque sem querer hoje o homem é um astro e seu filme de 2003 rende mais dinheiro agora, consagrado como um cult). As vidas de todos que ele toca são transformadas num tragicômico desastre também, e o solitário homem de provavelmente mais de 50 anos acusa todos ao seu redor de o “traírem” sempre depois de o conhecer – por mais que seja um exercício de empatia enorme conseguir ficar ao seu lado. 
Apesar de tudo, o epíteto que melhor define Wiseau não é tanto o “desastre”, e sim mais o “mistério”. O misterioso artista capitaliza (fama e sucesso) em torno de uma nebulosa cortina por trás da qual esconde seu passado e sua vida. Wiseau pode ser compreendido até como uma figura patologizada, com certo grau de esquizofrenia, ou uma síndrome de borderline em algum nível, ou um gênio muito inteligente com um passado muito obscuro (é no mínimo esquisita a fixação que ele tem pelas linhas de diálogo repetidas em seu consagrado filme afirmando que “não bateu” na ex-namorada – e há quem suspeite que The Room seja autobiográfico). 
Basicamente, a impressão que temos de Tommy Wiseau à primeira vista é que, ou ele veio do mesmo planeta de David Bowie e é mais um dos alienígenas-artistas que já visitaram a Terra, ou é só um cara muito sinistro de algum lugar do leste europeu que provavelmente chegou nos EUA pra se exilar ou fugir e tem pelo menos um crime no currículo.
É impossível, ao ver a improvável fama de Wiseau, não lembrar de outro diretor sonhador que só gestava desastres cinematográficos: o célebre Ed Wood. Ele, um ícone cult dos filmes B da Hollywood dos anos 50, anterior a Wiseau portanto, e que ganhou um ótimo filme biográfico em 1994, dirigido por Tim Burton e estrelado por Johnny Depp. Wiseau é certamente o Ed Wood de nossos tempos, e tal qual este possui uma filmografia persistente, por mais que mantenha a mesma qualidade trash da obra mais célebre.
Nós gostamos de figuras assim, seu sucesso vem da admiração do público pelo bizarro, pelo freak, ou semi-freak. Tommy até chega a lembrar outro artista desastroso que temos no Brasil, o famoso Gil Brother, ou Away, da antiga equipe do Hermes & Renato na extinta MTV Brasil; pelo inseparável óculos escuro marrento ou pelo hábito de falar coisas meio sem sentido ou desconexas, exceto pelo fato do dinheiro. Se Away era alegadamente um mendigo encontrado pelos caras da equipe nas ruas de Petrópolis (RJ), Tommy Wiseau é uma espécie de andarilho rico. Muito rico.
O maior mistério que circunda a figura de Wiseau é a origem de seu dinheiro. The Room é tão ruim que no primeiro dia de filmagem isso já ficou claro para a equipe. O fracasso de bilheteria que foi o filme no lançamento arrecadou apenas $ 1.800,00 dólares, em 2 semanas em cartaz, bancadas pelo próprio Wiseau. No entanto, fora o outdoor que Wiseau alugou na cidade, anunciando o filme, e que ficou alugado por mais de 5 anos no total (pago mensalmente), o orçamento de The Room chama a atenção pelos mais de 5 milhões de dólares que custou. Wiseau, segundo Greg (que é a pessoa mais próxima dele), nunca considerou dinheiro um problema. O próprio alega que fez fortuna vendendo jaquetas de couro e brinquedos do leste europeu mais cedo em sua vida, já nos EUA. Membros da equipe, entretanto, quase que unanimemente suspeitavam que o filme na verdade fosse só um grande esquema de lavagem de dinheiro para, provavelmente, dinheiro sujo de tráfico, e até o amigo Greg Sestero ao menos acha difícil acreditar que alguém ficou tão rico como Wiseau apenas vendendo jaquetas.
A vida pessoal de Wiseau é contada por uma miríade de informações desencontradas dadas por ele próprio em entrevistas e aparições públicas, desde 2003, e por seu intitulado “melhor amigo”, Greg Sestero. Aparentemente nenhum familiar de Wiseau ou alguém alegando o conhecer do passado veio a público dar mais informações sobre sua figura ou sua vida pregressa. 
Em geral ele alega ser americano, e crescido na Louisiana, Nova Orleans, apesar do inconfundível sotaque e do inglês travado de gringo; à época do The Room dizia a Greg que tinha a mesma idade (19 anos), apesar da incontestável fisionomia de um homem nos seus mais de 40 anos de idade. Com a maior exposição por causa do lançamento norte-americano de ‘O Artista do Desastre’, ele tem revelado timidamente alguns fatos sobre a sua vida, mas nada que já não tivesse sido especulado antes pelo documentário sobre os bastidores do seu cult consagrado, ‘The Room Full of Spoons’ (2013), como um passado na Europa por exemplo. Especula-se que ele nasceu nos anos 50 em algum país do leste europeu soviético. Mas fato é que ele alega amar os EUA, e realmente tem uma grande admiração pela cultura do país, e que “vida privada deve ser mantida privada”. 
Para falar de ricos excêntricos que uma hora largam tudo e perseguem seu sonho de ser artista, entretanto, é possível admitir que seja essa a simples verdade. Afinal, a história não é nova, e temos até aqui no Brasil, por exemplo, Reinaldo Kerlakian, multimilionário herdeiro de metade da 25 de março, que construiu uma carreira musical do zero aos mais de 50 anos de idade, contratando desde o melhor professor de canto do mercado a até uma orquestra particular para ensaiar no seu estúdio privado, construído só por advento desse seu sonho, aliás. Como diria Bruce Wayne: o dinheiro é um superpoder.
Saber todos esses fatos antes de conferir o longa pode desmistificar um pouco a figura de Wiseau contada por James Franco, porque numa coisa ele é bem sucedido: em construir a personagem com a mesma aura de mistério e não explicação da realidade. E ao final, quando um disclaimer conta ao público alguns fatos reais, explica menos ainda e instiga mais ainda a curiosidade sobre a vida e a verdade de Tommy Wiseau
De um modo ou de outro, aqui eu conto alguns fatos a mais, por conta de pesquisa, que no entanto continuam a não explicar muita coisa, e o mistério sobre Tommy segue intacto, talvez a ser mais perseguido agora, com o provável sucesso após a estreia mundial do filme (que concorreu a dois globos de ouro no dia 07 de janeiro último, de melhor filme e melhor ator de comédia, este último a que Franco acabou premiado), quando mais pessoas ao redor do globo passarão a conhecer a figura de Wiseau e não só um pequeno círculo de apreciadores descritos como um “culto” em torno da obra-prima da má-qualidade cinematográfica que foi The Room e seu diretor (e ator, e produtor).
O filme de Franco é muito bem sucedido em vários aspectos. O maior deles é a despretensão. Mas temos aqui também uma direção dinâmica e fluida e uma montagem agradável – e além disso, a montagem parece favorecer o bom timing de humor de James Franco. A inserção da música ao longo do filme é adequada e contida, em momentos de transição que combinam com a narrativa e o estilo ‘cool’ de filmar. 

A dosagem do melodrama é bem equilibrada com tênues momentos de comicidade, fazendo deste um filme que em nenhum momento fica cansativo. O resto fica por conta da figura carismática que é Tommy Wiseau, encarnado com todas as afetações e trejeitos por Franco, e de uma maneira bastante fidedigna. Não só o protagonista, mas todos os outros atores deixam a notar que houve um sério trabalho de pesquisa e construção de personagem por trás de O Artista do Desastre; algo, aqui, mais complexo do que normalmente, pois se tratam de personagens reais e também das personagens do filme The Room, praticamente refilmado por Franco para recriar essas personagens, esses momentos e suas cenas mais icônicas.

James Franco não é um mal ator, apesar de por vezes figurar em produções duvidosas. Aqui se revela também um bom diretor (se é que já não teve 38 chances de o fazer antes – e fica a lição de casa, inclusive para este que vos escreve, de explorar mais sua carreira de diretor). Com certeza desempenha um bom trabalho em O Artista do Desastre, a frente e atrás das câmeras, e vale conferir o filme, leve e divertido, estranho e cínico ao mesmo tempo. Conhecer a figura de Tommy Wiseau por meio dessa obra biográfica talvez seja a maneira mais justa de se iniciar no culto de The Room.

Trailer:
FICHA TÉCNICA
Título: O artista do desastre
Título Original: The Disaster Artist
Diretor: James Franco
Data do lançamento: 25 de janeiro de 2018

Gui Augusto

4 thoughts on “O artista do desastre [Resenha do Filme]

  • 24 de janeiro de 2018 em 00:33
    Permalink

    Oi
    não conhecia o filme, que bom que curtiu a história que parece ser meio louca assim como Franco, nunca li e vi nada sobre esse Tommy.

    momentocrivelli.blogspot.com.br

    Resposta
  • 24 de janeiro de 2018 em 01:23
    Permalink

    Nossa, eu nunca tinha ouvido falar nesse filme.
    É verdade que passamos por altos e baixos durante a vida e não vemos como os atores são.
    E esse é um exemplo claro para nos mostrar isso.
    Gostei e quero conferir.

    Abraços,
    Naty
    http://www.revelandosentimentos.com.br

    Resposta
  • 24 de janeiro de 2018 em 01:59
    Permalink

    Acho que o James Franco era um bom actor mas com o tempo passou a ser bem duvidoso o seu gosto nos filmes, este é daqueles que por mais que a crítica o clame, não tenho a mínima curiosidade em vê-lo.

    MRS. MARGOT

    Resposta
  • 24 de janeiro de 2018 em 16:30
    Permalink

    Oi, Gui!
    Eu já tinha visto o cartaz desse filme em alguns cinemas e tinha me interessado um pouco por causa dos atores.
    Gosto muito do trabalho dos irmãos, mesmo que James escolha algumas coisas bem estranhas para fazer haha Mas depois de assistir o trailer, perdi um pouco da vontade de assistir.
    Acho que se assistir, vou ver em casa mesmo depois que for liberado!
    Beijinhos,

    Galáxia dos Desejos

    Resposta

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