Conexão Escobar [Resenha do Filme]

Logo de cara somos tomados de assalto por uma impactante introdução com Tom Sawyer (da lenda viva, Rush) na caixa e aquela icônica abertura no synth, que nos remete diretamente aos anos 80 e à abertura do seriado MacGayver no Brasil (ou Profissão Perigo, cujo algum sábio editor optou por trocar a música tema original por Rush). Acompanhamos um curto plano-sequência com câmera subjetiva numa figura com mullets e estilo “bad cop”, toda uma estética bem oitentista também (a história se passa em 1985). Logo nos é revelado que se trata de Bryan Cranston, ou Bob ‘alguma coisa’, com tentadoras referências aos cacoetes de personagem do bom e velho Heisenberg, aqui mais experiente – e mulherengo. Porém, não é bem assim; ao final da sequência, antes dos créditos iniciais correrem a tela, nos é desnudada a real identidade daquele “proto-Walter White” e adentramos o filme de verdade e seu real personagem: Robert ‘Bob’ Mazur, policial infiltrado. Essa abertura soa como uma brincadeira metalinguística: Cranston, famoso por ser um traficante na cultura pop, interpreta um policial infiltrado, que por ofício interpretará vários traficantes “à la Breaking Bad”.
Apesar de o gênero policial ser tão batido no cinema, com tantos representantes clichês, este filme até nos traz algumas surpresas na narrativa, sabendo trabalhar melhor tais clichês e sair minimamente dos padrões tão manjados do enredo “policial/traficante”. Talvez ser baseado em fatos reais ajude um pouco neste desenvolvimento; o longa é inspirado na autobiografia escrita pelo verdadeiro Robert Mazur (que assina ao lado de Cranston a produção executiva do longa). Sua própria história é tão cinematográfica, que decidiu escrever seu livro depois de trabalhar dando consultoria ao diretor de Miami Vice, de 2006, após sugestão deste. 
A história que Conexão Escobar (ou, The Infiltrator) nos conta é a história de Bob (e não tem quase nada de Escobar aqui, sendo o título em português puro marketing, provavelmente surfando na onda do sucesso de Narcos), policial infiltrado do governo estadunidense (DEA), que como agente secreto (muito mais secreto que o James Bond), celebrizou-se por ter sido o responsável pelo desmantelamento de um gigantesco esquema mafioso internacional de lavagem de dinheiro envolvendo traficantes, banqueiros e membros do governo, desembocando no cartel de Medellín e em Pablo Escobar, o mitológico traficante colombiano.
O papel de Mazur é desempenhado por um impecável Bryan Cranston (sim, desde Breaking Bad sou fanboy, me deixa!), demonstrando mais uma vez o quão grande ator é (como já demonstrou no cinema em Trumbo, concorrendo ao Oscar). É claro que, como um profissional centrado, Bob almeja ao fim de seu trabalho entrar para a história como o responsável por prender o próprio Pablo Escobar, mas sua escalada dentro da hierarquia criminosa, como o ‘fake’ empresário milionário de Tampa, Bob Musella (Robert emprestava seus nomes de infiltrado de cemitérios ou prisões, sempre algum “Bob”) passa por outras figuras, dentre traficantes e grandes empresários (desses “homens de bem” de que você não desconfia nada), para quem o Musella dirá que “pode ‘lavar todas as roupas’ que você precisar” (uma linha de um diálogo, provavelmente um ‘easter egg’ em sutil menção a Breaking Bad).
Além de Cranston, Diane Kruger faz um bom trabalho aqui e entrega uma ótima Kathy Ertz, par profissional de Robert Mazur e seu parceiro, Esmir Abreu, este um John Leguizamo também competente no papel, e que convence como alívio cômico, apesar de não ser nada de novo ao representar o velho estereótipo do “sidekick” latino com pontas engraçadinhas e um papel secundário. E me desculpe o Jared Leto, mas tem até traficante de segunda (o Gonzalo Mora Jr. de Rubén Ochandiano) se saindo melhor que esse seu Coringa aí (#ProntoFalei).
A linguagem e o ritmo do filme deixam um pouco a desejar no desenvolvimento das personagens, diga-se de passagem. Alguns conflitos ou alguns traços de complexidade parecem não ser levados tanto a efeito e o filme ao cabo soa mais como uma experiência cosmética do que de profundidade narrativa. O diretor Brad Furman e o diretor de fotografia, Joshua Reis, vêm de um trabalho já reiterado de filmes policiais ou com a temática urbana-polícia-traficantes, mas nenhum grande, todos no mesmo estilo de “Escobar”, meio genéricos, de médio orçamento (para os padrões hollywoodianos).

Entretanto, mesmo assim o Conexão Escobar é bem feito, cumprindo à risca alguns maneirismos de filmes com certa estética lisérgica sessentista numa mistura com policiais dos anos 80, ao estilo de Vício Inerente, Medo e Delírio em Las Vegas, ou até Pulp Fiction e tantos outros (ótimos filmes, por sinal): então, não inova, mas segue movimentos de câmera, entre belos takes e planos-sequência bem colocados, e técnicas de decupagem encontradas nestes filmes, e também capricha na trilha sonora (pra valer!). O filme parece mais um pastiche de referências, como se feito por um diretor “moleque” entusiasta, mas o que o salva da caricatura é a necessidade de apegar-se a história original que o inspira, o que no fim das contas acaba criando uma equilibrada junção de estética exagerada e cômica com realismo e drama – fazendo ao menos um bom entretenimento para quem gosta de filmes policiais e está cansado de ver histórias de perseguição com o Liam Neeson.

O filme abre margem para um discurso crítico de muitas formas apropriadas e criativas. Por vezes há o discurso direto, através da voz de um personagem e dos diálogos, como quando Kathy faz comentários que soam como alfinetadas na Academia e no Oscar, ou quando um bonachão motorista que conduz Mazur em determinado momento discursa contra o sistema neoliberal no carro, numa fala dúbia e até duvidosa (e é um sarcasmo a forma como ele é eliminado do roteiro, como se estivesse no filme apenas para este diálogo), ou como quando o antagonista Roberto Alcaino (do naturalmente vilanesco Benjamin Bratt) numa cena, enquanto reflexivo admira a vista, faz sóbrias críticas (talvez sob proteção da licença poética de vilão) ao sistema, ao governo, às figuras capitalistas e suas relações espúrias escondidas sob um falso moralismo e uma hipocrisia publicitária.

Há espaço para o discurso crítico também dissolvido na construção de personagens e nas opções de encenação. Na própria figura de Alcaino e sua família, temos o contrário do que se espera da apresentação de um vilão (o que nos gera com proposital estranhamento uma simpatia por ele): a família de comercial de margarina, o marido atencioso e pai carinhoso, a mulher devota, o american way of life retratado na construção justamente do vilão. Noutro campo, encenações precisas e jogos de câmera também trazem a crítica nas entrelinhas, como o banqueiro captado numa câmera baixa discursando num púlpito, enquadrado no centro, com as iniciais do banco gigantes atrás e acima, equiparado por toda a ambientação de cena a um pastor em seu culto (fina e profanamente apresentando o templo capitalista como um templo religioso).

Quase na sequência final, uma boa construção de suspense até o clímax consegue nos fazer acreditar nas emoções das personagens envolvidas. O longa, no geral, é bem amarrado e sua condução técnica não é nada demais, mas como um policialesco pipoca ele certamente oferece um pouco mais do que a média, inclusive sonora e esteticamente; além disso, não se furta a colocar discursos desviantes de um padrão acrítico, permitindo momentos de respiro a um roteiro “corretinho”. É sim um bom entretenimento.


Trailer:

Dados do Filme:
Título: Conexão Escobar
Título original: The Infiltrator
Ano: 2016
Direção: Brad Furman



Gui Augusto

9 thoughts on “Conexão Escobar [Resenha do Filme]

  • 14 de setembro de 2016 em 17:46
    Permalink

    Oiiii!!

    Também sou fanzoca de Breaking Bad haha E adoro esse ator!
    Eu não diria que é o tipo de filme que eu mais gosto, mas só pela atuação do Walter White (kk) acho que já vale a pena!

    Beijos
    http://www.ooutroladodaraposa.com.br

    Resposta
  • 14 de setembro de 2016 em 21:58
    Permalink

    A resenha ficou ótima, mas não parece ser o tipo de filme que eu gosto de assistir.
    Bluebell Bee

    Resposta
  • 14 de setembro de 2016 em 23:39
    Permalink

    Amei♥
    Devo admitir que não faz meu gênero, mas parece ser bem interessante e eu gostei muito da resenha.
    Art of life and books

    Resposta
  • 15 de setembro de 2016 em 00:36
    Permalink

    oi tudo bem?

    Eu assistia muito esse gênero, mas decidi mudar um pouco. mas sua resenha está ótima. Mas posso dar uma chance ao filme, pelo fato de não ser clichê. beijos

    Taynara MEllo | Indicar Livros
    http://www.indicarlivros.com

    Resposta
  • 15 de setembro de 2016 em 00:52
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    Oláá!!
    Conhecendo aqui o blog e gostei muito da proposta 🙂
    Nossa, sua resenha ficou muito boa!! Até que eu não sou muito fã de filmes desse gênero, fiquei interessada hehe
    Beeijo

    http://lecaferouge.blogspot.com.br/

    Resposta
    • 15 de setembro de 2016 em 11:45
      Permalink

      Obrigado, Cris!
      Abraço!

      Resposta
  • 15 de setembro de 2016 em 21:35
    Permalink

    Olá, Gui.
    Bem interessante a premissa. Apesar de se utilizar de padrões já bem conhecidos, algumas mudanças sutis parecem ter gerado um bom diferencial.
    Boa crítica.

    Desbravador de Mundos – Participe do top comentarista de setembro. Serão três vencedores, cada um ganhando dois livros.

    Resposta

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