Talvez Esther [Resenha Literária)

Quando li na contracapa história familiar, meu lado jornalista (ou talvez fosse só meu lado fã de biografias gritando) se apegou à palavra “história” e esperou ter em mãos uma historicamente detalhada saga de família. Que erro! Esse engano fez com que eu me sentisse especialmente perdida no início, estava em busca de fatos históricos palpáveis e não de divagações. Mas, quando dei por mim, estava sem fôlego esperando o que viria a seguir. A confusão sumiu e eu apenas acompanhava alguém que tentava descobrir de onde vinha. 
Originalmente escrito em alemão, a história de Katja Petrowskaja se passa na União Soviética e a Alemanha só é mencionada como personagem de guerra. A autora reconhece, nos agradecimentos, a ironia de escrever um livro sobre sua família em uma língua estrangeira ao mencionar que o livro foi feito para os seus pais, mesmo que em um idioma que eles não dominem. De alguma forma, em algum momento, essa escolha acaba por fazer sentido, apesar de ser difícil de explicar. Talvez seja uma forma de dizer ao resto do mundo como o povo russo vivenciou os grandes momentos da história, já que os filmes americanos não parecem se importar com isso. 
Com viagens ao longo da vida e a mistura de lembranças e histórias que em algum momento escutou, Katja tenta registrar a história de sua família. Desde seus bisavós, alguns de quem nem tem certeza do nome, ela tenta adivinhar personalidades e detalhes que tenham resultado em fatos que ela conhece, por isso automaticamente não só entendemos como quase nos sentimos parte das divagações dela. Ela identifica épocas por meio de fatos históricos conhecidos – e se não conhecemos, melhor nós corrermos atrás, porque ela não quer se provar historiadora, mas meramente registrar suas origens. Ou seja, poderíamos classificar como um livro de memórias se boa parte das memórias ali registradas fossem de pessoas que ela sequer chegou a conhecer, mas que mesmo assim hoje tenta entender. 
A bem da verdade, é um livro de construção curiosa e, confesso, nunca vi nada parecido. Ela escreve sobre sua família, sobre pessoas que não conheceu, mas cita e explica alguns poucos pontos históricos que acha relevante, unica e exclusivamente para que o leitor entenda os atos de seus personagens. Ela frequentemente faz relações entre os idiomas russo e alemão, sem explicar palavras inexplicáveis, porém esclarecendo as lógicas de cada idioma. Aqui cito o tradutor Sergio Tellaroli, que se manteve fiel à tradução do alemão, sem se preocupar com traduções do inglês (já que a autora não se ateve a traduzir no original) e tornando mais claras relações que a autora fez no alemão e que dificilmente seriam compreendidas se não fosse o tradutor. 
Vou tentar explicar mais uma vez: é um livro de memórias, com memórias de parentes que a autora não conheceu, mesclando idiomas que são familiares a ela (russo e alemão) e com registros de viagens que ela fez para conseguir juntar tudo que ela sabe sobre a família a ponto de formar um livro. Será que agora fez sentido? Me parece que não. Talvez eu deva dizer que ler o livro é o mesmo que estar sentando diante de alguém que conta suas aventuras para descobrir curiosas histórias da família. Vez ou outra vai haver um comentário que não tem relação nenhuma com a família, muito menos com história, mas que naquele ponto faz total sentido ser mencionado. É isso. 
Ouvimos Katja enumerar suas rotas de viagens, alguns comentários de seus pais, conversas com estranhos na rua, confusões de memória, erros (ou esquecimentos) de nomes e datas. Se no começo demoramos a nos ambientar com a narrativa, no final estamos convencidos de que a planta foi essencial para a história toda (se não fosse por ela, como teríamos chegado até ali?). Cada detalhe banal parece ter sua razão de ser e em determinado momento nos vemos divagar com as cenas registrada pela autora, sobre as quais ela não fez comentário algum, mas nós sabemos que há um motivo para ela estar ali – sempre há um motivo, e muitas tentativas de adivinhar qual é ele.
É uma leitura curta (pouco mais de 200 páginas), mas não diria que é leve. Talvez Esther exige nossa atenção. Cada parágrafo tem razão para estar ali, assim como o espaço entre um e outro. É um livro que nos lembra que todos temos origens e que, por mais que não consigamos descobrir a detalhada história de nossa família, o pouco que descobrirmos já é importante, afinal somos o que somos hoje pela decisões que nossos antepassados tomaram. Katja nos ensina que para descobrirmos nossa família não é fundamental a existência de cartas ou documentos de registros, mas sim ouvir o que dizem ao nosso redor, revirarmos nossas próprias memórias e, quem sabe, (re)visitar lugares.
FICHA TÉCNICA

Título original: Vielleicht Esther
Autora: Katja Petrowskaja
Tradutor: Sergio Tellaroli
Ano: 2019
Páginas: 237
Ana Seerig

5 thoughts on “Talvez Esther [Resenha Literária)

  • 5 de outubro de 2019 em 19:32
    Permalink

    Impossível ler essa resenha e não senti vontade de ir atrás desse livro. Ultimamente gosto mais desses livros que são exercícios de preserva memórias familiares do que de livros escritos por historiadorxs, eles tem emoção e sinceridade, tem essa coisa capaz de nos fazer ter um sebtimsent de intimidade com quem escreve. Fiquei com vontade, vou atrás do livro sim.

    Resposta
  • 5 de outubro de 2019 em 23:43
    Permalink

    que delicia ler seus comentarios. Parabens você foi destinada ao
    sucesso .
    Um grande bj

    Resposta
  • 6 de outubro de 2019 em 00:43
    Permalink

    Oi Ana,

    Confesso que a história não me cativou a ponto de querer ler, mas achei bem interessante a proposta do livro, pois é bem diferente do que já tinha visto.

    Bjs e uma ótima noite!
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    Resposta

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