Noites Brancas [Resenha Literária]

No conto de Fiódor Dostoiévski, Noites Brancas, seu protagonista é um residente sensível e poético de São Petersburgo de meados do século XIX. Ele se define como um “sonhador”, e Dostoiévski não precisou cavar muito em sua própria psique para criar esse personagem. De fato, olhando apenas alguns anos para a história pessoal do escritor, descobrimos uma fonte para grande parte do material que entrou nas Noites Brancas.
Mas primeiro vou explicar um pouco sobre o pano de fundo da vida de Dostoiévski. Ele nasceu em Moscou em 1821. Quando tinha dezessete anos, seu pai o mandou para a escola em São Petersburgo para se tornar um engenheiro militar. Após a formatura e uma breve carreira em engenharia, ele decidiu se dedicar à escrita, reivindicando a cidade romântica e confusa como sua. Embora Dostoiévski tivesse uma aversão a fazer cortes por dinheiro – ele achava que deveria ser capaz de ter uma vida decente escrevendo boa literatura logo de cara, aos 26 anos de idade, iniciou em um emprego na Gazeta de São Petersburgo. Escrevendo o que era conhecido como “feuilletons” – peças tópicas curtas como esboços de personagens de pessoas conhecidas, críticas de teatro e livros e observações pessoais sobre eventos atuais.
Na superfície, isso parece ter pouco a ver com o precursor obscuro e persistente do existencialismo que Dostoiévski se tornaria. No entanto, ele utilizaria grande parte desse material na composição de histórias posteriores como Noites Brancas. Por exemplo, essas histórias primeiro despertaram a vicissitude que mais tarde explicaria naquela história: a do narrador como “um sonhador”.
O motivo do “sonhador” do narrador também funciona na história, não apenas nas palavras literais, mas em todo o ambiente com o qual a história é encharcada. O título, Noites Brancas, refere-se ao fato de que São Petersburgo está tão ao norte que há temporadas curtas em que nunca fica totalmente escuro à noite; esses são vistos como momentos mágicos e românticos, e esse romantismo é transmitido com maestria em sua prosa.
Extremamente tímido e sem nenhuma relação social, o protagonista costuma passear sozinho pelas ruas da cidade fantasiando curiosos diálogos com os seres que o cercam. Em um de seus muitos passeios, porém, ele encontra, apoiada sobre o parapeito duma ponte, uma mulher de semblante bastante triste e absorta em seus próprios pensamentos. Mesmo sem saber como aproximar-se, ele aproveita de uma eventualidade para se apresentar e acompanhá-la até sua casa.
O narrador chega a Nástienka enlouquecido com a hipersensibilidade que caracteriza o jovem solitário e estudioso. Ele está enlouquecido com a inquietação e não tem ideia do motivo pelo qual está inquieto; ele está exausto de desejo e não tem ideia do porquê. Podemos chamar isso como “febre primaveril”, mas nos jovens parece ser muito mais profundo. Com esse particular “sonhador”, sua enfermidade ocorre durante todo o ano; é mais hormonal ou espiritual do que sazonal. Ele teria um uso prático muito maior se pudesse acalmar sua mente o suficiente para cuidar da vida real, e ainda assim seu tumulto emocional está, por si só, proporcionando-lhe experiências de vida que ele nunca mais experimentará e que, no artista, prove uma magnífica fonte de inspiração.

Agora, sentado ao seu lado, conversando com a senhora, já sinto medo de pensar no futuro, porque no futuro será de novo a solidão, de novo essa vida sufocante, supérflua; e o que vou sonhar, quando a seu lado, em vigília, fui tão feliz.

O simples ato de conhecer e falar com Nástienka, despejando sua alma aos seus pés, atrai a paixão do narrador de uma espécie de excitabilidade difusa para um amor concentrado e constante. Dessa maneira, ela o “salva” dos piores excessos de si mesmo. Dessa simplória amizade que durará cerca de cinco dias, brota no coração do narrador um amor puro, intenso e arrebatador para com a moça. Através de seu relacionamento o narrador se torna uma pessoa que não é movida por suas fantasias, mas sabe como aproveitá-las para torná-lo uma pessoa melhor. 
Embora Dostoiévski nunca mais tenha tentado capturar o humor lírico que descreve aqui em “oites Brancas, a tensão entre a expressão criativa e a ilusão decadente é um tema que se destacaria em todas as suas obras.
É extraordinário o modo como ele faz com que nos sintamos tão identificados com seus personagens. Eu sinto a cada vez que leio seus livros que ele sondou as profundezas da minha alma que nem mesmo eu tinha ideia. Ele me divide e me coloca de volta para que eu seja alguém totalmente nova depois de terminar. É como se ele estivesse escrevendo sobre mim e somente eu, através de um século e meio de viagem no tempo e uma leitura completa da minha mente subconsciente, vivesse sensações que só estando no livro para entender.

Noites Brancas revela o melhor no ser humano: sua capacidade de amar. Seus personagens são profundos e verdadeiros. Sua narrativa é descomplicada e delicada. E ao terminar a leitura, sentimos uma forte identificação diante da humanidade do protagonista.
Algumas pessoas dizem que Dostoiévski é mau, porque nos corta e nos rodeia com uma honestidade tão completa e absoluta. É verdade que ele vê toda a humanidade, desde a nossa depravação mais baixa até a mais alta divindade. Mas para mim sua verdade é purificadora, como uma chama sagrada, como a carícia de um ser que é ao mesmo tempo anjo e demônio. Eu acho que Dostoiévski é um dos maiores romancistas em toda a história da civilização ocidental.
FICHA TÉCNICA
Título: Noites Brancas
Autor: Fiódor Dostoiévski 
Nota: 5/5
Onde Comprar: Amazon
 

Natália Silva

8 thoughts on “Noites Brancas [Resenha Literária]

  • 4 de dezembro de 2018 em 13:26
    Permalink

    Sabe aquela paixão a primeira vista? Então, foi o que senti quando vi esse livro. Fora que a história é do jeitinho que gosto. Já quero conhecer!

    http://www.kailagarcia.com

    Resposta
  • 4 de dezembro de 2018 em 17:38
    Permalink

    Oi Natália, tudo bem? Talvez seja uma falha literária, mas nunca li um livro do autor. Esse livro chamou a minha atenção, num primeiro momento, pela capa, essas cores delicadas sempre me encantam. Talvez se eu tivesse lido a sinopse do livro sem o acompanhamento da tua resenha não teria me interessado tanto pela obra, mas saber que o autor trabalha esse lado do ser humano, da capacidade de amar já é suficiente pra me instigar à leitura. Parabéns pela resenha.
    Beijos, Adri
    Espiral de Livros

    Resposta
  • 4 de dezembro de 2018 em 19:31
    Permalink

    Olá!
    Eu sempre tive vontade de ler literatura russa, mas acabo enrolando porque parece ser um bicho de sete cabeças. Na verdade, eu nunca sei por onde e nem por quem começar – vai que eu pegue um trauma? Bem, adorei a sua resenha por me mostrar esse livro. Parece ser descomplicado para uma iniciante nesse mundo, não é? Vou ver se consigo ler ano que vem, parece ser bem curtinho e rápido! Adorei demais a resenha!
    Beijos

    our-constellations.blogspot.com

    Resposta
  • 4 de dezembro de 2018 em 20:00
    Permalink

    Oi, Natália.
    Eu fico me sentindo meio burra por não conhecer o autor. Aliás, conheço de nome, mas eu nunca li suas obras ou sei sua história. É um tipo de literatura que realmente não me chama atenção, talvez pela escrita poética e filosófica, o que me incomoda muito, mas é legal que tu já tenha gostado, sendo assim o autor deve ser bom.
    Beijo!
    http://www.capitulotreze.com.br/

    Resposta
  • 5 de dezembro de 2018 em 04:24
    Permalink

    Oi, Natália! Tudo bom?
    Esse é um dos autores clássicos que nunca encontrei vontade de ler. Pra eu pegar clássico com narrativa mais pesadona, só tendo uma trama beeeeeem interessante – os títulos nunca me chamaram a atenção, então acabo passando longe.

    Beijos,
    Denise Flaibam.
    http://www.queriaestarlendo.com.br

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