Com Os Punhos Cerrados [Resenha do Filme]

Conferimos a Cabine de Imprensa de Com Os Punhos Cerrados

O novo filme dos irmãos Pretti (Luiz e Ricardo), em parceria com Pedro Diógenes, entrega nas salas de cinema brasileiras mais um representante da boa safra do cinema nordestino, que vem despontando aí como um verdadeiro movimento à parte no cinema contemporâneo brasileiro, há pelo menos uns sete anos, e com força para insculpir seu nome na nessa história. Dali tem saído ano a ano produções criativas, interessantíssimas do ponto de vista narrativo e técnico, experimentos, novas forças e novas potências, testadas no seio do cinema nacional, que trazem novos ares, novo respiro para a nossa arte audiovisual. Vale a pena conferir e produção nordestina, em especial pernambucana (com representantes de peso e nome como Kleber Mendonça Filho). 
No sentido de fazer parte deste movimento, Com Os Punhos Cerrados cumpre seu papel e sua função, e só soma àquela boa safra. Porém, analisado in loco, é um filme bastante fraco e pouco inovador. Ele vale mais como parte do todo do que a parte sozinha. O filme data, na verdade, de 2014, sem uma estreia formal até hoje. Isso explica-se também pelo modelo de fazer cinema que representa essa safra nordestina: um cinema absolutamente independente e feito por coletivos de pessoas que têm por essa arte um sentimento em comum (e suficiente), o amor.
Ao contar a história de três jovens que capitaneiam uma rádio pirata na cidade de Fortaleza, “Punhos” faz um diagnóstico da polarização política da sociedade atual e aponta figuras e estereótipos de forma metafórica denunciando uma clara emergência do fascismo e dos discursos populistas de ódio ou de cunho preconceituoso na sociedade brasileira (especialmente de classe média). É isso, uma metáfora visual é o que o filme cria. Uma metáfora na qual estão embutidos um conto de resistência e uma, ainda que melancólica, mensagem de esperança.
O modus operandi dos piratas é invadir a programação de rádios populares (tipicamente de audiências amplas e músicas vendáveis – e.g. sertanejo universitário, arrocha, forró etc.) e soltar na frequência músicas, poemas, trechos de entrevistas radiofônicas, textos variados (como uma referência a uma peça radiofônica de Antonin Artaud), tudo de cunho ideológico proeminentemente anarquista, mas variando entre outros, de preferência libertadores e provocativos. 
A intenção é uma revolução social, mas também combate. Através de uma ação cultural criativa tentar deslanchar a reflexão e disseminar consciência crítica na sociedade. Às vezes, pelo seu plot (jovens com intenções revolucionárias e manifestações efetivas) lembra o ótimo alemão, “Edukators” (mas só de longe). E encontram o antagonista que se espera – uma misteriosa figura inspiradora de poder, influência, podendo ser um líder religioso, um político, um grande empresário, ou todas essas coisas.
O maquiavélico estratagema do vilão é que será o ponto culminante da história e levará os heróis ao seu destino. É interessante a ideia de nunca mostrar a face do antagonista. Ele pode, de fato, ser qualquer um. Estamos habituados a ver o estereótipo por ele representado seja na mídia, seja nos grandes templos ou púlpitos políticos. E no filme ele é isso: um estereótipo anônimo, habitável pela face que você deseje ver nele [a minha foi uma mistura de Malafaia com Bolsonaro – assustador]. 
O filme trabalha com essa linguagem experimental. As personagens são pouco ou nada desenvolvidas, as atuações são insossas e meio mecanizadas. Às vezes tem ares de peça teatral. Mas sua proposta é esta mesma, de modo que não é uma obra que repousa sua força narrativa nesses aspectos, e sim na fotografia com capacidade de criar imagens poéticas e marcantes e na potência de um roteiro recheado de informações e referências.
Porém, ironicamente o filme em si parece um estereótipo desse tipo de filme. Ele soa como um pastiche de si mesmo (em que, aí sim, ajudam a perder força as atuações mecânicas e apáticas). Nessa linha e nesse gênero, nessa tentativa de experimentalismo, já muitas coisas foram feitas e nada surpreende muito, a depender da execução.
Ele perde força aí. Pode-se descrever Com Os Punhos Cerrados como um filme-manifesto, mas talvez fraco e até pretensioso na capacidade de poder de fogo desse manifesto, de impacto teórico e filosófico. É um pouco raso e suas imagens são executáveis sem profundidade, apenas pelo prazer estético – por mais que queira veicular algumas mensagens em subtexto nesses momentos.
Durante seu tempo, a obra flerta com o surrealismo (como a sequência de abertura, entre outras cenas soltas). Nesses momentos, permite-se a experimentar no jogo de luzes, câmera e efeitos de lente. Por exemplo, a cena imediatamente seguinte à abertura valoriza um branco de efeito borrado dos faróis dos carros numa grande avenida de um centro urbano movimentado, passando a impressão de uma invasão de máquinas implacáveis tomando a sociedade. A própria sequência inicial (e a final), trazem efeitos de cor e luz que sugerem desolação, desesperança, desorientação. As propostas visuais são sempre criativas, mas algumas perdem vigor na execução.
O trabalho da trilha sonora é especial. Aproveitando o mote de uma rádio pirata politizada, traz à tona uma série de boas referências musicais (em especial, grandes músicas revolucionárias – universalmente famosas algumas delas). Também se destaca por trazer intrincada no roteiro uma rede bem elaborada de referências que ajudam a contar a história (desafiando os olhares mais atentos – premiando quem tenha algum conhecimento prévio em certos assuntos e temas) – e.g. tocar o primeiro verso de “Bella Ciao” (aliás, numa singela e bonita versão acústica) logo na manhã seguinte em que acorda na mesma cama que a impostora.
A sequência de fechamento deixa-nos algumas mensagens cifradas dentre as metáforas e também levanta questionamentos, especialmente para quem está familiarizado com a tradição crítica da teoria social e/ou ciente da luta pela emancipação e liberdade humana – o que invariavelmente passa pela deposição de líderes como o antagonista desse filme: a aridez da realidade (como o deserto onde estão perdidos os personagens) permitirá ainda um último contato com a sociedade? As tentativas são malfadas, mas são tentadas por vozes coercitivamente caladas, exiladas, impedidas de poder falar, provocar o pensamento crítico e a reflexão. 
Seria este o ponto (desértico) onde estamos? A guerra estaria perdida, mas a luta continua? O que fica bem compreendido é: luta-se e morre-se mas o amanhã nasce e traz seus filhos. Vão-se pessoas, mas as ideias continuam vivas (abertas aos que virão). O deserto do real não parece páreo para a moto-perpétua máquina dialética da realidade, a constantemente girar e revolucionar o mundo, engendrando sangue novo na eterna luta pela vida a cada rotação.
E ele possui várias dessas mensagens ocultadas no subtexto da narrativa. E por elas, e para caçá-las, é o ponto positivo que faz com que talvez valha a pena ser visto. “Punhos” ao menos apresenta uma riqueza de referências, e especialmente entre o clímax e o final, melhora o texto, trazendo uma conclusão forte diante de sua premissa. É importante por seu conteúdo, mas não pelo aspecto artístico de obra engajada; e, assim, pode-se dizer, uma singela pílula de conhecimento e provocação necessária para os tempos que estamos vivendo no Brasil.
Trailer:
FICHA TÉCNICA
Título: Com Os Punhos Cerrados
Diretor: Luiz Pretti, Ricardo Pretti, Pedro Diógenes
Data do lançamento 23 de março de 2017
Gui Augusto

2 thoughts on “Com Os Punhos Cerrados [Resenha do Filme]

  • 23 de março de 2017 em 23:24
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    Infelizmente eu não assisto muitos filmes, mas adoro prestigiar o cinema brasileiro porque ele merece ser muito mais prestigiado do que é. Eu tenho alguns pontos que não gostos das produções brasileira que sempre se baseiam na mesma coisa e querem trazer uma realidade que nem chega a ser tão real por tanta dramatização, porém esse me parece um pouco diferente. Como você falou ele pode até não ser tanta coisa por si só, mas por todo um conjunto é muito. Fiquei interessada pelos questionamentos que o mesmo trás. Não sei se é o tipo de filme que eu assistiria, mas estou pensando seriamente em dar uma chance.

    Parabéns pela resenha, ficou muito bem construída e suas críticas são pertinentes e isso é fantástico para tornar a resenha interessante. Parabéns mesmo!
    Magia é Sonhar

    Resposta
    • 24 de março de 2017 em 02:33
      Permalink

      Olá, muito obrigado pelas palavras. Acho fantástico que você tenha esta visão do cinema brasileiro, porque é mais um reforço ao convite para conhecer filmes como este, mas não apenas isto, e sim também todo esse movimento independente do cinema brasileiro (desde suas raízes históricas: cinema novo, cinema marginal, cinema da boca do lixo paulistano, até o momento atual, do cinema de coletivos). Se quiser um bom panorama atual do que é um ótimo cinema brasileiro, comece pelo cinema nordestino, especialmente pernambucano, de Kleber Mendonça, Cláudio Assis, Gabriel Mascaro, Hilton Lacerda, Camilo Cavalcante, Lírio Ferreira (e neste site há muitos outros: http://www.cinemapernambucano.com.br/index.php/a-cena/lista-de-profissionais). Também vale dar uma olhada na produção do coletivo cearense Alumbramento, especialmente os irmãos Pretti e Pedro Diógenes, que dirigem este filme. Qualquer filme dessa galera te garanto que você estará bem servido(a) de cinema brasileiro contemporâneo pra sentir um pouco a qualidade dele! Abraços!

      Resposta

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