Viagem Alucinante [Resenha do Filme]

Trata-se de uma viagem etérea de quase 3 horas de duração. Viagem Alucinante ou Enter The Void, de 2009, não se passa nesse mundo; ou se passa. A sensação é de o tempo todo, você, espectador, estar experimentando uma viagem alucinógena. Porém, é um filme que trata da morte mais do que de drogas, e ele traz importantes questionamentos filosóficos, registrados não em palavras num Tratado, mas em belas imagens e movimentos de câmera (sejam orgânicos, sejam virtuais).
A história é de um traficante e sua irmã lutando pela sobrevivência no início da idade adulta, quando se reencontram. Por serem órfãos, têm um pacto: nunca deixarão um ao outro. Talvez por isso o irmão, Oscar, se sinta na responsabilidade paternal (e patriarcal) de prover as necessidades da irmã, Linda, especialmente a financeira. Ocorre que o primeiro questionamento já vem aí: para justificar sua atitude paternalista, e atingir esta própria expectativa, ele decide entrar no mundo do tráfico de drogas; é uma interessante imagem distorcida do patriarcado.

Logo nos 20 minutos iniciais do filme, uma linguagem diferente chama a atenção. A câmera, como num game em primeira pessoa, está posicionada na altura da cabeça de Oscar, nosso herói (anti-herói) – com direito a “piscadas”, pois nós somos os olhos de Oscar. Ele, então, entra no “Void”, e a partir daí, tudo muda; a câmera passa para um plano espiritual e passamos a ver Oscar da perspectiva transcendental de Oscar: um segundo grande questionamento vem aí, “o que há do outro lado?” Teorias metafísicas são revisitadas neste filme.
Através de suas quase 3 horas, o longa irá brincar com convenções e tabus nossos. Certas pressuposições que temos sobre a vida e a morte são em alguns momentos desafiadas, como se o diretor pretendesse provocar o espectador com algumas brincadeiras – o que parece morte, é droga, o que parece ressureição, é sonho etc. A sua câmera, frenética, vai nos mostrando o desenrolar da história de uma maneira envolvente e numa linearidade torta, desembaralhada – um terceiro questionamento filosófico pode ser depreendido daí: a linearidade do tempo só é entendida assim por nós humanos; quando não somos mais humanos, como o tempo presente, passado e futuro é compreendido? Ao lado de tudo, a trilha sonora e um efeito de visão embaçada na tela o tempo todo, como mantras (audíveis e visuais) colocam o espectador numa certeira viagem.
“Void”, apesar da profundidade de sua temática, a irreverência técnica e a peculiaridade narrativa – para mim, todos pontos positivos seus – em alguns momentos parece apelativo e se utiliza à exaustão do elemento de choque, talvez uma melhor decupagem encurtasse seu tempo e amarraria a narrativa de forma melhor ainda. Mas esse ponto negativo não fere toda a excelência do filme, que para quem já havia assistido Love (de 2015), do mesmo Gaspar Noé – e levou uma ‘esporrada’ na cara em 3D (e a levará em 2D neste “Void” também) – fica com a impressão de que estamos diante de um universo só.

Talvez Gaspar tenha realmente esta intenção; entre essas suas duas obras, aliás, a profundidade temática que temos em Void, não temos em Love, mas seria adequada, ao passo que o tempo e a edição mais afiada de Love fariam bem a Enter the Void. Talvez haja um easter egg, ou começamos a perceber na obra de Noé uma universalidade narrativa (ao menos “violência” é um tema que está nos seus 04 longas) – aliás, um tal hotel Love desempenhará um importante papel em Void em uma de suas sequências finais – mas seja como for, Enter The Void é um filme que vale a pena, e se for conferi-lo, lhe desejo uma boa viagem neste arroubo estilístico de câmera, fotografia e efeitos, e recomendo que saia da experiência com mais perguntas do que respostas; assim que terá sido uma boa sessão!

Dados do Filme
Título: Viagem Alucinante
Título: Enter the Void
Ano: 2009
Diretor: Gaspar Noé

Gui Augusto

21 thoughts on “Viagem Alucinante [Resenha do Filme]

  • 23 de julho de 2016 em 21:29
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    Oi Gui, eu não tinha ouvido falar desse filme, e olha que por ele ser de 2009 é até estranho que eu não tenha assistido. Vou ser sincera, é bem diferente de tudo o que eu costumo assistir, mas a forma como você escreveu atiçou minha curiosidade. Vou conferir esse filme.
    Beijos
    Quanto Mais Livros Melhor

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    • 24 de julho de 2016 em 02:16
      Permalink

      Obrigado, Priscila. Confira sim! Depois conte o que achou 🙂

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  • 24 de julho de 2016 em 00:16
    Permalink

    Uma bela resenha para um um filme foda bagarai 😉

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    • 24 de julho de 2016 em 02:16
      Permalink

      Filmaço, né? Valeu, Cristiano. Abraço!

      Resposta
    • 24 de julho de 2016 em 02:21
      Permalink

      Depois nos conte o que achou 🙂
      Abraços!

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  • 24 de julho de 2016 em 12:42
    Permalink

    Mas 3h? Báh, não é pra mim hahahha. Sou muito inquieta, não consigo ficar muito tempo na frente da tela :3 Mas a proposta do filme é bem bacana. provavelmente eu não olharia por ele ser tão extenso. Ou faria duas sessões hahahah
    Beijoos
    http://profissao-escritor.blogspot.com.br/

    Resposta
    • 24 de julho de 2016 em 16:22
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      Magina! C nem vê as 3 horas passando… juro.
      Satisfação garantida ou seu dinheiro de volta 😉 Haha

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  • 24 de julho de 2016 em 12:54
    Permalink

    Oi, Gui!
    LOVE é um filme que me interessa muito, assim como esse aqui. Ainda não assisti os dois porque estou sem tempo e queria assistir sem a menor pressa no mundo.
    Beijos
    Balaio de Babados

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    • 24 de julho de 2016 em 16:23
      Permalink

      Olá, Luiza!
      Uma boa! Assista aos dois, talvez dê para perceber até mais aspectos que façam eles serem filmes de um mesmo universo.
      Beijos.

      Resposta
  • 24 de julho de 2016 em 14:04
    Permalink

    Oi, Gui…
    Estava justamente pensando no que iria assistir hoje a noite, e me deparo com esse filme e essa resenha maravilhosa, como não querer assistir.
    Obrigada pela indicação.
    Beijo

    Te Conto Poesia ♥

    Resposta
    • 24 de julho de 2016 em 16:25
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      Olá, Camila!
      Uma boa pedida pro domingão à noite. Boa sessão 😉
      Beijos.

      Resposta
  • 24 de julho de 2016 em 15:47
    Permalink

    Olá!
    Nunca tinha ouvido falar deste filme, mas ele me parece interessante! Gostei de saber suas impressões sobre ele e fiquei curiosa para assistir.
    Vou procurar.
    Beijo
    http://www.blogleituravirtual.com

    Resposta
    • 24 de julho de 2016 em 16:27
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      Olá, Marina.
      Procure sim! Um belo filme.
      Beijo.

      Resposta
  • 24 de julho de 2016 em 17:57
    Permalink

    Oi Gui,
    Não conhecia o filme. Confesso que não faz tanto o meu gênero, mas sua resenha foi tão boa que fiquei curiosa para conferir.
    Bjs e um bom Domingo!
    Diário dos Livros
    Siga o Twitter

    Resposta
  • 24 de julho de 2016 em 19:04
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    Confesso que não parece ser o tipo de filme que eu costumo assistir, principalmente por ser longo, mas gostei da sua resenha.
    Bluebell Bee

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  • 25 de julho de 2016 em 03:38
    Permalink

    Olá,
    Ainda não assisti nenhum filme do Gaspar acredita? Mas estão na minha lista….acho que esse é que eu estava mais curiosa por causa do Olly.
    Já Irreversível to preparando minha mente…

    Adorei sua opinião!

    bjs :*
    Nana – Obsession Valley

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  • 25 de julho de 2016 em 12:33
    Permalink

    Olá Gui;

    Tenho um sério problema com esse tipo de filme rsrs. Sempre que vejo algo do tipo tenho a impressão de que é direcionado
    a alguém que esteja na vibe dele, tenho a impressão de que possui muitas entrelinhas rsrs, ou eu que sou louca mesmo.

    Boa semana.
    http://cabinedeleitura1.blogspot.com.br/

    Resposta
  • 25 de julho de 2016 em 12:36
    Permalink

    Olá Gui;

    Tenho um sério problema com esse tipo de filme rsrs. Sempre que vejo algo do tipo tenho a impressão de que é direcionado
    a alguém que esteja na vibe dele, tenho a impressão de que possui muitas entrelinhas rsrs, ou eu que sou louca mesmo.

    Boa semana.
    http://cabinedeleitura1.blogspot.com.br/

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