Do Fundo da Estante: Perdidos na Noite
“Espelho, espelho meu, existe algum programa pior do que o meu?”
Não, Não se trata do ousado longa de 1969 protagonizado por Dustin Hoffman e Jon Voight, e sim um programa de auditório brasileiro apresentado por Fausto Silva na saudosa década de 80. Saudosa em partes e no que se refere a alguns acontecimentos culturais que fizeram história, como é o caso deste Perdidos na Noite.
Estreou na TV Gazeta de São Paulo em 1984, sendo transferido para a TV Record no mesmo ano. De 1986 a 1988, foi exibido pela Rede Bandeirantes, onde ganhou repercussão nacional e sim o nome foi inspirado no longa-metragem estadunidense Midnight Cowboy, que ganhou a tradução de Perdidos na Noite aqui no Brasil.
Criado por Goulart de Andrade (1933 – 2016) e dirigido por Lucimara Parisi, Perdidos na Noite era o único motivo pra se ligar a TV no horário nobre em tempos de ditadura militar. O até então repórter esportivo e radialista Fausto Silva foi o escolhido para comandar a atração que de início era gravada no Teatro Brigadeiro e ocupava a faixa de horário do Programa Goulart de Andrade na TV Gazeta pra depois ser transferida para o Teatro Záccaro ao ir para a TV Record. O tema de abertura era o mesmo do filme Ghostbusters e assim que migrou para a TV Bandeirantes mudou para o hit Tarzan Boy do Baltimora.
Fazendo bom uso de sua produção de poucos recursos, Perdidos na Noite durou pouco mas foi um marco nas noites da TV brasileira. Era possível ver cabos pelo chão, holofotes, membros da produção aparecendo várias vezes e até o equipamento das bandas convidadas sendo mostrado enquanto eram entrevistadas. Fausto Silva comandava tudo de maneira irreverente e com um humor que hoje seria visto como politicamente incorreto, sem contar o palavreado chulo, dizendo no ar palavrões até inéditos na telinha (era inútil a produção tentar colocar um bip) e tratando convidados e plateias com grosseria que no final das contas virava piada. Não havia um script a ser seguido e tudo era feito na base do improviso, contando até com intervenções humorísticas da dupla Tatá e Escova. Mesmo com um orçamento maior na Record e na Bandeirantes, todas essas características foram mantidas, o que só aumentou a aura cult e anárquica do programa.
Bandas como Barão Vermelho, Titãs, Kid Abelha e seus Abóboras Selvagens, Legião Urbana, Ira, Capital Inicial, Ratos de Porão, Garotos Podres, Inocentes, RPM, As Mercenárias e até Tim Maia, entre outros, tinham a oportunidade de aparecer na tv e em horário nobre, levantando o astral das difíceis noites do povo brasileiro. Outra presença constante era do boxeador Maguila, um dos heróis nacionais da época. A plateia era uma atração à parte. Nada de espectadores comportados sentados em suas cadeiras como acontece em qualquer programa de auditório. Eles exibiam cartazes politicamente incorretos criticando políticos e celebridades e faziam até pogue durantes as apresentações das bandas punk. Anarquia pura e aposto que nem a censura entendia o que era aquilo.
O fim do Perdidos na Noite foi graças ao próprio Fausto Silva. Ele se destacou tanto que acabou sendo contratado pela rede Globo para apresentar o Domingão do Faustão que durou de 26 de Março de 1989 até 13 de Junho de 2021. Faustão, como passou a ser chamado, teve seu estilo polido, já que atração era exibida nas tardes de domingo na tentativa de frear a audiência do Programa Sílvio Santos do SBT, até então líder no horário.
Em 2019, a TV Band (antiga Bandeirantes) renovou os diretos do nome Perdidos na Noite e em 2021 contratou Fausto Silva para apresentar um programa diário no horário nobre, a estrear em 17 de Janeiro de 2022.
Fãs do antigo Perdidos na Noite querem muito a volta do programa e acham que existe a possibilidade disso acontecer. Não nos mesmos moldes do antigo, já que o politicamente correto é regra e certamente a produção desta vez será bem mais caprichada. Em 2022 Faustão terá 72 anos, o Brasil mudou muito (pra pior), muitas bandas e artistas que se apresentaram no Perdidos na Noite não estão mais entre nós e o avanço tecnológico mudou os rumos do mundo e da civilização – tudo isso será levado em consideração. Porém, vendo no YouTube trechos e apresentações lá dos idos da década de 80, é possível constatar que poucos ajustes precisam ser feitos e o que está ali cabe muito bem nas noites de hoje. Convidados da época que ainda estão na atividade podem aparecer pra esquentar os primeiros programas e fazer uma ponte nostálgica com o passado. Novos nomes competentes do cenário artístico é o que não falta e se essa volta do Faustão às suas raízes também fizer ressurgir uma nova cena rock no Brasil, será ótimo.
Italo Morelli Jr.