A primeira crítica conhecida da obra mais famosa do florentino Nicolau Maquiavel, O Príncipe, certamente não previa um best-seller. No entanto, todos nós já ouvimos pelo menos uma vez a respeito dele ou dissemos que alguém “é maquiavélico” ou que algo é “maquiavélico”, termos que inferem uma concepção de comportamento egoísta – na política, nos negócios ou em outros aspectos da vida – sobre como dominar e buscar poder, independentemente da moral e da ética.
Este clássico da ciência política está rodeado de muitos preconceitos e ignorâncias que levam a uma interpretação errônea do texto original que não é mais, nem menos, que um tratado sobre a política como a arte do possível, uma descrição analítica das diversas formas de poder do Estado, como alcançá-lo e mantê-lo, escrito por um italiano perspicaz que estudava principalmente as histórias de sucesso de dois admirados estadistas espanhóis. Eu apresentaria nesta resenha, a peça como ela é, então, para mostrar que o conhecimento comum que afirma que a peça é uma defesa da imoralidade e do cinismo é pelo menos falso. Para ser clara: O Príncipe trata do poder dos Estados e dos interesses do governador, mas não da imoralidade ou do mal em si. E por que fazer isso quase cinco séculos depois que o último ponto da peça foi escrito? Para compreender a importância da obra de Maquiavel, basta abrir qualquer jornal de ciência política moderna: esses tópicos ainda são discutivelmente tratados por cientistas e ensinados em universidades, e o autor florentino é citado quando discutido inúmeras vezes.
Podemos identificar quatro grandes blocos no livro: do primeiro ao décimo primeiro capítulo, são discutidos tipos de principados; mercenários, exércitos e segurança ocupam seus pensamentos até a décima quarta parte; reflexões e conselhos sobre como se comportar com a população estão presentes até a vigésima primeira unidade e, por fim, a última parte prossegue sobre o círculo íntimo do Príncipe. Nos vinte e seis capítulos que formam o livro, Maquiavel descreve e dá exemplos históricos dos tipos de principados, dos deveres dos governantes e de como construir e manter um exército leal e útil.
Como não pensar ao ler essas afirmações, que seriam rotuladas de cínicas e imorais por quase todos, que o livro é uma ode ao poder independentemente dos meios? E isso tem que ser reconhecido; o poder é uma meta de Maquiavel, mas – e isso deve ser enfatizado – não uma meta final: a acumulação de poder por um ‘bom’ Príncipe, entendido como aquele que idealmente resulta de todas as recomendações que Maquiavel dá aos governantes do tratado, é um meio para uma sociedade melhor governada, portanto mais estável, pacífica e próspera, mas também para unificar a Itália: dois objetivos globais positivos com um profundo significado moral. Se os objetivos são morais, os meios não devem ser julgados nesses termos. Maquiavel descreve como ele vê que o poder é melhor alcançado e usado de forma cientificamente asséptica, mas ele tem preferências sobre como usar esse poder.


Alguns podem tentar interpretar O Príncipe como uma forma de fazer o mal e uma antiga justificação do egoísmo metodológico. Mas, como afirmado, ele não cria um novo tipo de comportamento político, ao contrário, descreve o que vê e dá conselhos sobre como adquirir e exercer melhor o poder, com resultados positivos para governantes e governados. Conhecendo o efeito de frases fora de contexto em seu legado, Maquiavel provavelmente aconselharia os príncipes do século XXI a não darem entrevistas sem supervisão: “Sei por experiência que é mais fácil não entender e culpar do que refletir e meditar”, ele poderia dizer. Mas, a realidade indica que cabe a nós fazer uma leitura justa de sua obra. Então, que tentemos ser justos.
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Teve uma época que eu estava bem imersa no universo de Maquiavel. Eu adorei a leitura e grifei o livro quase todo. Achei trechos incríveis que posso usar para várias situações.
Abraço
Imersão Literária
Olá, Natália.
Eu já ouvi muitas vezes os termos mas nunca tinha pensado que era por causa do nome do autor hehe. Mas é um livro que eu não leria porque ficaria perdida na escrita hehe.
Prefácio
Oi, Natália! Tudo bom?
Eu tive que fazer um texto sobre esse livro pra faculdade e é mais por todo o conceito e filosofia atrás dele que eu me interesso muito. Pesadão e difícil de segurar a leitura, mas, como a nerd histórica que eu sou, vale muito a pena pro lado estudioso.
Adorei sua resenha.
Beijos, Nizz.
http://www.queriaestarlendo.com.br
Oi Natália,
Parece ser uma leitura bem intrigante.
Confesso que nunca me chamou atenção para ler, mas gosto de acompanhar as resenhas e ver as opiniões da obra.
Bjs
https://diarioelivros.blogspot.com/