Deutschland 83 [Resenha da série]

A Segunda Guerra é tema recorrente de Hollywood e algumas vezes o período da Guerra Fria serve de pano de fundo para algum heroísmo norte-americano, mas o dia a dia na Alemanha dividida ainda é pouco retratado. Os filmes mais populares a respeito são A vida dos outros e Adeus Lenin!, ambos alemães, sendo o primeiro um drama que retrata a vida de um espião da Stasi e o segundo uma comédia que mostra a tentativa de filho em manter viva a República Democrática Alemã após a Queda do Muro de Berlim para garantir o bem estar da mãe. A série Deutschland 83 abrange uma perspectiva bem diferente e, por isso, vale ser vista por quem se interessa por história e, claro, por

aqueles que querem um bom entretenimento.

Martin Rauch é um guarda de fronteira da Alemanha Oriental até ser escalado como espião na Alemanha Ocidental. Feliz com o país em que nasceu e cresceu, ele reluta, mas quem é capaz de contrariar a democracia da RDA, certo? Com a promessa de ter a mãe no topo da lista de transplantes de rim, ele desiste de fugir e, sendo espião de primeira viagem, faz o possível para cumprir as missões que lhe são impostas e corrigir as falhas que podem denunciar seu disfarce. Seu superior no exército alemão do lado capitalista é Wolfgang Edel, cujo filho, Alex Edel (interpretado por Ludwig Trepte, que também esteve no elenco central da premiada minissérie Unsere Mütter, unsere Väter, traduzido segundo seu título inglês Geração Guerra) serve ao lado de Martin, porém está mais interessado em grupos pacifistas. 
A primeira temporada é formada por oito episódios de cerca de 45 minutos cada, sendo cada título  é o nome de um exercícios real dos exércitos da época.  Apesar do mote principal ser a espionagem e suas táticas, recontando fatos reais da história alemã, a construção do contexto merece ser percebida com atenção. Nascido e criado no lado comunista, Martin não sonha com o capitalismo, por isso as diferenças entre as duas Alemanhas não se sobressaem, mas elas estão ali, tanto na aula de vocabulário (tal palavra deve ser substituída por esse termo) quanto nas prateleiras cheias do supermercado e nas roupas multicoloridas. Além disso, detalhes como as primeiras conversas sobre a AIDS e a trilha sonora fazem com quem os anos 80 conhecidos pelo resto do mundo sejam registrados. 
Na questão musical, dois adendos importantes referentes à cultura alemã: Nena (aquela que também localizou a década oitentista em Dark, com Irgenwie, irgenwo, irgendwann) e sua canção onipresente 99 Luftbaloons; e Udo Lindenberg e seu show histórico na RDA (um dos grandes nomes da cultura alemã, o músico sempre se posicionou fortemente contra a divisão e insistiu muito para ter autorização para tocar do outro lado do muro – isso inclusive é mencionado na série e o anúncio do show do músico é antecedido pela canção Sonderzug nach Pankow).
O principal ponto a favor da série é justamente mostrar outra perspectiva. Normalmente o foco é descobrir a RDA, entender seu funcionamento e tentar descobrir a violência por trás do “Democrática”. Ou seja, ao pensarmos em uma espionagem na Alemanha dividida, mais óbvio seria um espião ocidental no lado oriental. Ao termos o inverso, imaginamos que o espião em questão vai se apaixonar pelo capitalismo (afinal, tanta gente morreu tentando fugir da RDA) e tentar escapar de vez, mas aí entram duas questões: 1. a Stasi se assegurava de seu pessoal (nem que isso exigisse ameaças); 2. no caso de espiões jovens, como em Deutschland 83, eles não tinham a revolta de quem viu o muro ser construído, nasceram em um país estabilizado e, por isso, não questionavam a realidade em que viviam. A perspectiva distinta da série se explica com uma curiosidade: um dos produtores, Jörg Winger, trabalhou no setor de comunicação da Alemanha ocidental. Em um Natal, recebeu do lado oriental a mensagem “Feliz Natal, Jörg”, o que o fez cogitar a existência de um espião no setor em que trabalhava. 
Lançada em 2015, a sequência da série, chamada de Deutschland 86, foi lançada em 2018, e a terceira e última parte terá o nome de Deutschland 89, margeando a queda do Muro de Berlim. Em 2016 a recebeu o Emmy Award como melhor série dramática.

Vale lembrar que as duas primeiras temporadas de Deutschland 83 estão disponíveis no GloboPlay.

***
Um detalhe musical pós-resenha: A trilha de abertura da série me incomodou em um primeiro momento por ser em inglês, mas, depois de uma semana com ela dominando meu labirinto mental, resolvi buscar mais informações. Major Tom (völlig losgelöst) é o primeiro Hit Nº 1 de Peter Schilling, lançado em 1982. A versão em inglês, usada na série, foi lançada um ano depois – ou seja, exatamente 1983, ano em que se passa a primeira temporada. Se lembrarmos que dois dos três países que dominavam o lado Ocidental, onde Martin foi trabalhar como espião, tinham o inglês como língua principal, isso sem falar que a Guerra Fria era basicamente EUA x URSS, a escolha da trilha de abertura parece ter sido muito bem escolhida – até porque “völlig losgelöst” significa “completamente desconectado/perdido”, uma ótima definição para Martin Rauch na República Federal da Alemanha.  
Ana Seerig

Nos links vermelhos, vocês vão encontrar as músicas e antigos posts desta que vos escreve, os quais podem ajudar vocês a entender as referências. 

4 thoughts on “Deutschland 83 [Resenha da série]

  • 18 de janeiro de 2020 em 16:29
    Permalink

    Olá Ana 🙂
    Não conhecia esta série… Mas o tema é bastante original, nunca tinha pensado muito sobre as diferenças entre as duas Alemanhas (Ocidental e Oriental) divididas após a guerra. Ainda por cima este ano fez trinta anos da queda do muro de Berlim, o que pensando bem não foi assim à tanto tempo… A população mais velha do país ainda se lembra de viver nessa situação.
    Vou colocar a série na minha lista!
    Beijo
    Mundo da Fantasia

    Resposta
  • 18 de janeiro de 2020 em 18:07
    Permalink

    oLÁ…
    Adorei a sua dica!
    Quem me conhece sabe que não curto muito ficar apegada a séries, porém, fiquei interessadíssima nessa, já que tem um enredo bem interessante e original! Vou anotar aqui pra assistir mais tarde 😉
    Bjo

    http://coisasdediane.blogspot.com/

    Resposta
  • 18 de janeiro de 2020 em 23:52
    Permalink

    Oi, Ana.
    Eu não gosto de séries mas normalmente assisto muito filmes que falam sobre a segunda guerra porque infelizmente eu não lembro muito das aulas de história, então tem muita informação que me passa despercebida e que eu preciso ver outra vez. Com certeza vou anotar a dica, me interessei bastante pela outra perspectiva que você citou.
    Beijo!
    https://www.capitulotreze.com.br/

    Resposta
  • 21 de janeiro de 2020 em 17:52
    Permalink

    Muito interessante conhecer mais dessa história. Parabéns pela resenha.

    O blog está em Hiatus de verão, mas comentaremos nos blogs amigos nesse período.

    Jovem Jornalista
    Instagram

    Até mais, Emerson Garcia

    Resposta

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