Assim é a Vida [Resenha do Filme]

Conferimos a Cabine de Imprensa de Assim é a vida.
Dirigido e roteirizado por Olivier Nakache e Eric Toledano, Assim é a Vida é a nova comédia dramática francesa desses que são os mesmos responsáveis pelo queridinho Intocáveis, de 2011 – o qual ganhou até remake recente por Hollywood. O filme viajou o mundo em alguns festivais, inclusive passando por São Paulo no final de novembro na 41ª Mostra Internacional de Cinema. Trata-se de um típico representante contemporâneo do cinema comercial francês – acessível a larga audiência doméstica e exportado ao público estrangeiro sob um apelo elitista de ‘cinema europeu de gênero’, a um circuito mais fechado.
Os realizadores novamente transitam num universo similar ao de seu famoso filme de 2011, o que parece ser sua temática predileta, vista por suas outras obras. Assim, aqui estamos ante uma história que comenta a situação política atual da França, especialmente no tocante a inserção dos imigrantes naquela sociedade (indianos e africanos, em especial os negros), mas que no plano de fundo traz um tom afável e fantasioso, romantizando a dura realidade com uma mensagem de união e amor. Para quem não gosta de Intocáveis, já fica aqui o disclaimer: tem sim o mesmo tom de ‘filme-auto-ajuda’.
Uma empresa especializada em organizar festas de casamento, aparentemente voltada a um público da alta burguesia, encontra alguns percalços quando está organizando a festa do tão esperado casamento do vaidoso Pierre (Benjamin Lavernhe). Com todas as figuras exóticas que irão se juntar para fazer esse evento acontecer, todo o stress e toda a histeria descambam nas costas do dedicado dono da empresa, Max Angély (Jean-Pierre Bacri), que está prestes a perder mais dos poucos cabelos que já leva na cabeça e ganhar algumas rugas a mais no rosto cansado.
O filme acontece contado por horas; a cada hora mais próxima da realização do grande evento, as horas durante o evento e as horas posteriores. É como se fosse um relato de bastidores ao qual estamos tendo acesso em primeira mão – se não fosse tão fantasioso, poderia ser quase documental. Acompanhamos quase sempre Max, o “herói” da nossa história, com uma câmera que por vezes o segue em posição semi-subjetiva e uma trilha sonora remetendo àqueles planos-sequência de “Birdman”, com um jazz nervoso ao fundo, porém outrora com um pacato R&B ou um smooth jazz, modulada conforme a tensão e o humor de Max diante das situações.
Há situações das mais surreais possíveis. Apesar do tom romantizado, muitas coisas ali são, talvez, a insana verdade de quem trabalha nesse ramo de organização de eventos. Não só Max, mas Josiane (Suzanne Clément) e principalmente Adèle (Eye Haidara) têm o ingrato emprego de assessoras, ou seja, fazer a ponte entre todos os canais e extremos necessários para realizar em um dia um megaevento espalhafatoso e meticuloso, e ainda servirem como escoadouro para toda a energia e o peso do chefe.
Em verdade, há um exército de trabalhadores dispostos a fazer esse evento acontecer – incentivados unicamente pelo salário, por pior que ele seja, ou por pior que sua situação trabalhista esteja. A câmera passeia por entre os diferentes arquétipos e as diferentes figuras que compõem essa massa de anônimos dos bastidores de um grande evento, que aqui ganham vida e voz, ainda que de forma bastante caricatural ou romântica, ou em breves linhas de diálogo – como um trabalhador se queixando: “antes a equipe comia o mesmo que o convidado”.
As questões trabalhistas estão bem localizadas na narrativa. Trata-se de uma oportunidade de representar alguns estereótipos e inserir esse comentário social no filme: assim, temos os imigrantes ilegais trabalhando na equipe e temos também os franceses neste tipo de emprego precarizado, representados em personagens errantes, losers, desempregadas, deprimidas ou jovens. Por outro lado, tem também o lado do patrão, isto é, dos problemas enfrentados por um pequeno ou médio empresário tentando se manter em pé num ramo dominado por monopólios, sob o feroz atual estágio do indigno capitalismo neoliberal condensado com um Estado oligárquico e penoso ao pequeno empreendedor.
Assim é a Vida, entretanto, trata com pouca profundidade essas questões complexas, o que não é um demérito, visto que o tom elegido para seu discurso é mais soft, e coerente com a proposta de comédia dramática leve. Quando aponta para os pontos podres da realidade crua, ele o faz com humor: piadas (que nem sempre funcionam, mas na maioria das vezes divertem), situações tragicômicas, ou alguns poucos momentos sarcásticos.
Tudo ocorre porque as motivações das personagens e da história consiste em esconder o máximo que puderem as falhas humanas e as contradições sociais por sob a frágil imagem da perfeição exigida pelo típico cliente, público alvo, da empresa de Max: o burguês.
A história caçoa da arrogância burguesa, encarnada na persona do egocêntrico e petulante Pierre, e também da decadência mal disfarçada por esse universo asséptico e perfeito, representada um pouco na figura da mãe de Pierre (Hélène Vincent), mas principalmente na pretensiosa festa de casamento (fruto das ideias megalomanias e mirabolantes de Pierre). A festa é uma tentativa desesperada de fazer de seu casamento um momento mágico; realizada num antigo castelo no interior francês, sob a exigência de símbolos aristocráticos suscitados na paisagem e até no uniforme dos empregados, encomendando a melhor comida, contratando para animar a festa o melhor DJ do momento etc. O humor reside exatamente em como o ridículo de cada uma dessas coisas emerge quando, uma a uma, elas falham em sair conforme o script.
O arquétipo do burguês é desafiado, ainda, pela inserção de personagens trickster (e muito carismáticas) como o fotógrafo bufão, Guy (Jean-Paul Rouve) – e seu pobre estagiário –, ou o excêntrico animador da festa James (Gilles Lellouche) – da sensacional “James Star Band Plus 4”. Os que dão vida a essas personagens somam ao time de bons atores, ao lado do veterano Jean-Pierre Bacri ou da novata Eye Haidara, todos entregando um desempenho bastante competente, e às vezes segurando o filme graças ao carisma emprestado a suas personagens. Também é notada a presença de Suzanne Clément, ótima como a misteriosa e instigante Kyla em Mommy (2014), de Xavier Dolan, porém aqui subutilizada como a personagem secundária Josiane.
Há tênues momentos, apresentados por movimentos de câmera e trilha sonora extraindo certa euforia e emoção que remetem ao italiano de 2013, A Grande Beleza (aparenta exercer certa influência estética aqui). Alguns clichês incomodam (e.g. conferir ao imigrante a função de alívio cômico), mas nada que não se espere de um filme “light” como esse tipo de comédia francesa. Há até uma apologia a um jeito bem francês de resolver problemas (segundo dita o estereótipo): com beijos acalorados, sensualidade e amor.
Exceto pelo forçado tom de “final feliz” (com direito a imigrantes gentis tocando música indiana e divertindo os burgueses), quase sempre o humor funciona. No terceiro ato que o roteiro parece descambar para a completa fantasia social e esquecer qualquer comentário ou ironia sobre a realidade. Até ali, trabalhando com o absurdo e o exagero de situações provenientes daquele discurso articulado, há momentos que nos arrancam risadas de nervoso ou risadas emocionadas, por obra da montagem e da trilha sonora também; é o velho feijão com arroz do melodrama com comédia, mas que funciona muito bem para quem procura uma diversão leve e agradável.
Trailer:
FICHA TÉCNICA
Título: Assim é a vida
Título Original: Le Sens de la fête
Diretor: Olivier Nakache, Eric Toledano
Data de lançamento: 21 de dezembro de 2017.

Gui Augusto

2 thoughts on “Assim é a Vida [Resenha do Filme]

  • 22 de dezembro de 2017 em 01:09
    Permalink

    Oi Gui, não conhecia o filme e confesso que ele não me deixou curiosa não, mas eu gostei muito da fotografia do filme e do enredo… parece meio controverso, mas isso me chamou muita atenção. Quem sabe um dia nestas loucuras da vida eu venha assistir… Xero!!

    https://minhasescriturasdih.blogspot.com.br/

    Resposta
  • 22 de dezembro de 2017 em 03:28
    Permalink

    Olá, Gui

    Confesso que não curto o cinema francês. Acho tudo sempre tão monótono que há alguns anos parei de tentar.
    Esse enredo não chama minha atenção, ainda mais por essa questão do filme se passar em hiras corridas, sabe?
    Esse não assistirei! 😉

    Beijos
    – Tami
    http://www.meuepilogo.com

    Resposta

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