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El Pampero [Resenha do Filme]

A coprodução entre Argentina, Uruguai e França estreia na competição ‘Novos Diretores’ da 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, pelas mãos do novato argentino Matías Lucchesi. Com dois curta-metragens de 2009 na bagagem, e o longa ‘Ciências Naturais’, de 2014 (premiadíssimo em festivais, com mais de 10 prêmios mundo afora, inclusive em Berlim), o que marca esse novo filme de Matías é ainda um ingênuo frescor da novidade.
Eu não assisti seu primeiro longa; mas não duvido que as premiações sejam merecidas, pois não é qualquer filme que ganha prêmios tão altos em tão bons festivais – sendo ainda mais seu filme de estreia. Mas a sensação ao assistir El Pampero é a de que este é o primeiro longa-metragem de Matías; um Matías que entregou o TCC ontem na faculdade de cinema…
Aqui estamos diante da história de Fernando (Julio Chávez), um barqueiro, que numa de suas viagens em alto-mar se depara com a inesperada presença de Carla (Pilar Gamboa) em seu barco. Acostumado a sua rotina e apegado a sua solidão, Fernando quer só fugir do mundo, do passado, da culpa pelo abandono de uma relação com um filho, e entregue a sua tosse renitente que pode ser algo grave (e talvez ele esteja torcendo por isso). Carla traz outros ares para o ambiente modorrento do pequeno barco de Fernando (uma extensão dele próprio), mas ela também traz segredos obscuros.
Marcos (César Troncoso), por sua vez, está literalmente no caminho de Fernando; o guarda de fronteira (no rio entre Argentina e Uruguai) conhece o barqueiro aparentemente a um bom tempo, de modo que nem mais as formalidades da lei são necessárias. Ele parece mais acostumado à rotina de Fernando do que o próprio. O carente funcionário público não tem muitas coisas para chamar de suas, a não ser a nova casa que orgulhosamente acabou de reformar, ou o “asado” que insiste em convidar o amigo para comerem. Na verdade, fica sugerido que a amizade entre eles tem mais empenho por parte de Marcos do que de Fernando, o que é compreensível, diante do tipo meio obsessivo e carente que é Marcos. A bombástica junção de emoções não acabará bem quando uma confusa pulsão possessiva dominar Marcos ante o medo da solidão, ao perceber que seu Fernando não está só – e nem admitir que sua nova companhia seja exclusivamente sua.
O desejo e o medo de Marcos escalarão para algo tão destrutivo quanto a força de um pampero (tempestade); e igualmente com a capacidade de tornar impotentes suas vítimas e prendê-las num lugar delimitado, preenchendo os espaços vazios de sua vida. A mesma força da natureza capaz de paralisar uma grande embarcação encalhada num rio, sem Fernando poder fazer nada. Mas o pampero Fernando deve enfrentar se quiser sobreviver – e se antes não se preocupava com a vida, talvez agora dê outro valor a ela.
O filme, tecnicamente é enxuto. Você nota a cada plano a preocupação com a linguagem cinematográfica, o uso de recursos narrativos clássicos do cinema, a intenção de não errar. Fica claro que o diretor está encaixando peças, num roteiro seguro, e uma trama conduzida com cuidado e esmero. As personagens tem as suas posições fixas, a jornada de Fernando é construída milimetricamente plano a plano na tela. Todos que orbitam a seu redor têm uma função para destrinchar sua jornada.
O filme parece mais um exercício de continuidade e roteiro do que uma obra cinematográfica mesmo. Apesar de todo o seu apego à técnica, falta “alma”. isto é, falta explorar a linguagem visual, explorar as possibilidades narrativas, ter um quê a mais de coragem para experimentar às vezes, falta sair da zona de conforto e entregar uma história cativante.
Este filme não se torna cativante ou instigante no sentido de despertar o interesse, mas de fato uma coisa Lucchesi faz bem: constrói o suspense. O filme prende nossa atenção mais pela curiosidade. A história vai sendo construída aos poucos, na medida em que o roteiro e os diálogos vão reconstituindo os fatos e nós vamos montando um quebra-cabeça.
Além disso, os diálogos não são ruins. São bem escritos, mantêm o mistério da trama porque vão gradualmente entregando pouco. No fim, “pouco” é tudo o que esse filme tem pra nos dar mesmo, mas só temos certeza disso quando sobem os créditos, porque até lá ainda estamos sempre esperando algo mais, conduzidos pelo suspense.
A mágica de Matías é, do pouco que tem, fazer parecer que tem muito. Um roteiro aparadinho com uma atenção de estudante, entregando à prova de erros a jornada clássica do herói sustenta o mínimo que poderia sustentar o filme, enquanto isso, o suspense e a maneira de revelar a história aos poucos fazem parecer sempre que há algo mais.
Porém, se o texto preocupa-se demais com a construção de um suspense, ele por outro lado esquece-se de certas coisas: construir melhor as personagens, sanear alguns erros de continuidade (e.g. aonde diabos Carla encontra várias mudas de roupa femininas dentro daquele barco, aonde ela chegou de intrusa e de mãos abanando!?), limpar o excesso de chavões e muletas convenientes para chegar ao clímax, e seu maior vacilo: escrever um bom vilão.
As motivações da dupla de protagonistas, Fernando e Carla, nós compreendemos, inclusive Fernando e o trabalho que Julio Chávez faz nele é um bom personagem. Porém, as motivações de Marcos são completamente furadas. O antagonista não convence; não sabemos de onde veio sua virada psicológica, sua extrema desconfiança é mal justificada (e é através dela que as coisas mudam na trama) seja na constituição da personagem, seja na história. O pior de tudo é a subutilização que é feita de um excelente ator como o uruguaio Cesar Troncoso (de O Banheiro do Papa, 2007).
O didatismo e o apego ao tecnicismo, bem como a construção do suspense lembram os filmes do brasileiro Marco Dutra (só se diferenciam na maior riqueza do uso dos detalhes e da linguagem visual cinematográfica, presentes nos filmes de Dutra – que explora bem melhor estes recursos).
El Pampero, por sua vez, não tem nada em subtexto. A linguagem visual, os signos, os detalhes são ignorados. Ele até tenta implementar uma discussão sobre controle, domínio, carência, ego, solidão, esse jogo contraditório de poder entre seres humanos. Mas como a profundidade narrativa e a complexidade das personagens são mal construídas, ao cabo ele só consegue entregar aquilo ali mesmo: aquela história de superfície no filme, conduzida com um suspense didático – e que funciona por ser seguro.
A jornada de Fernando, de surpreendente mesmo tem só o tímido plot twist da última cena. De resto, o filme mantém-se morno, entregando, apesar de saber conta-la, uma história sem substância. A vantagem é que o diretor faz também um filme seguro até na duração; com seus 77 minutos é enxuto, bem cortado, com poucas sobras (e, portanto, poucas margens pra errar), ele cria um ritmo que não nos cansa – e quando poderia começar a ficar tedioso, ele termina.
EL PAMPERO (EL PAMPERO), de Matías Lucchesi (77′). ARGENTINA, URUGUAI, FRANÇA. Falado em espanhol. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 14 anos.
CINESESC 20/10/17 – 15:00 – Sessão: 114 (Sexta)
CINESALA 22/10/17 – 19:45 – Sessão: 294 (Domingo)
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – FREI CANECA 3 24/10/17 – 19:20 – Sessão: 497 (Terça)
PLAYARTE MARABÁ – SALA 3 26/10/17 – 14:15 – Sessão: 757 (Quinta)
Gui Augusto
Na Nossa Estante

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