O Espaço Entre Nós [Resenha do Filme]

Conferimos a Cabine de Imprensa de O Espaço Entre Nós 

A filmografia de Peter Chelsom, diretor de O Espaço Entre Nós fala por si só na hora de definir este filme: desde 1988, em seus 10 títulos creditados como diretor, transita entre comédias “família” (como Rir é Viver), comédias românticas (como Escrito nas Estrelas ou Dança Comigo?) e temática adolescente (como Hannah Montana: O Filme). Ao menos dois flertam com um drama que explora emoções e coloca no centro das ações personagens excluídas (Hector e a Procura da Felicidade e ‘Sempre Amigos – um clássico da “Sessão da Tarde”). O Espaço Entre Nós se encaixa entre este tipo de drama e um filme para adolescentes.

Não se engane, se você procura algo mais profundo, se quer histórias provocativas de roteiros complexos, não vai encontrar aqui. É um drama bem, o que alguns chamariam, “água com açúcar”, com final conciliador. Porém é um filme tecnicamente muito competente (fotografia, detalhes narrativos e jogo de referências no roteiro, luz, efeitos, montagem) e que escolhe maneiras interessantes de ao menos atenuar seu clichê de clássico filme-pipoca hollywoodiano.

A premissa da história é criativa. Gardner Elliot (Asa Butterfield) é o primeiro humano marciano da História. Nascido em 2018, cresce em meio a cientistas, mantido em segredo e sendo tutorado por Kendra Wyndham (Carla Gugino) – uma involuntária mãe adotiva. 16 anos mais tarde, enfrentando os demônios da confusa fase da puberdade, não suporta mais esse cativeiro. Corresponde-se secretamente através da internet com o único ser humano terrestre (sem qualquer ideia de sua história e de quem é de fato Gardner) cujo tem contato, Tulsa (Britt Robertson), e para quem confia seus planos de buscar o paradeiro do pai quando conseguir visitar a Terra, alguém quem não conhece, não sabe o nome e nem onde mora.

O filme trabalha bem a continuidade, além de encadear no enredo uma pujante variedade de referências e jogos semânticos, enlaçados em subtexto e fazendo emergir mais riqueza ao contexto da história (maior riqueza do que este cinema está acostumado). Por mais que o roteiro seja padrão, ele é bem trabalhado; isto é, se não surpreende na forma, ao menos seu conteúdo é bem explorado.

Gardner, sobrenome do inglês, de etimologia próxima à palavra “gardener” (jardineiro), supostamente significa “guardião do jardim” (e uma das funções do garoto é passar o tempo cuidando da plantação no assentamento de Marte). Por outro lado, um personagem central na trama é Nathaniel Shepherd (Gary Oldman), um empresário multimilionário entusiasta da inovação tecnológica espacial (alusão direta a Elon Musk e sua SpaceX), cujo sobrenome significa “pastor” (de ovelhas).

O jogo linguístico com seus nomes revela sua estrutura e funções: Shepherd é, responsável por lançar o primeiro empreendimento imobiliário humano na superfície de Marte, sendo o pastor dessa primeira horda de humanos a povoar e se estabelecer no planeta vermelho, ao passo que com o aparecimento inesperado de Gardner, este se torna o guardião de um segredo pessoal e ao mesmo tempo desse estranho jardim humano plantado no árido solo marciano.

Há grande cuidado do roteiro e do trabalho de montagem em costurar estas e muitas outras metáforas no enredo. Exemplos: uma cena de sexo ser substituída por um take do espaço sideral (Hegel é quem dizia que o sexo é um momento de conexão com o universo, “o momento supremo das capacidades animais”); a doença no coração de Gardner obstar seus sonhos (justamente alguém de “coração grande” e generoso); questões do protagonismo da mulher nas relações (amorosas, profissionais, de amizade), tocando desde o tema da gravidez, da pressão pela maternidade, até o papel da figura masculina acovardada e negligente do “pai ausente”; a poesia em a primeira morte e primeira vida humanas em Marte ser canalizada através da figura de Gardner; as referências metalinguísticas que advêm do fato de a sua única janela para a vida na Terra ser através de filmes clássicos (seu predileto é Asas do Desejo, de Wim Wenders, justamente a história de um anjo caído que não quer voltar para o céu); a distância espacial do título pode ser entre Gardner e Tulsa, Gardner e seu pai, ou entre Gardner e nós, humanidade.

Seu perfil psicológico traça-se diretamente em consonância ao de Tulsa. Tulsa, uma jovem rebelde também na puberdade e também enfrentando problemas familiares, além disso, experimenta a exclusão no ambiente social hostil e homogeneizador da high school. Enquanto Gardner literalmente cai do céu e é um completo estranho às convenções sociais e emoções humanas, e constantemente romantiza sobre a experiência de vivenciar a vida terrestre, Tulsa é uma humana terrestre, mas que se sente uma marciana no seu habitat natural.

A relação entre os dois é construída de maneira bastante crível pelo roteiro, e conforme se desenvolve, surpreendentemente melhora, inclusive na química entre os dois atores, evitando ficar presa só em lugares comuns de histórias de amor entre adolescentes. Por fim, é através da empolgação e do deslumbramento de Gardner para conhecer a Terra que nós e Tulsa somos instados a repensar nossa relação com o próprio meio, através do olhar inocente de um completo forasteiro, renovando o nosso olhar em relação ao nosso planeta.

Gardner é uma personagem trágica. Seu organismo não está preparado e adaptado à atmosfera terrestre, portanto, sua própria saúde torna-se um sério obstáculo para sua jornada. Aliás, este “realismo” é uma opção narrativa interessante. Apesar de a trama encaixar-se numa ficção científica, ela nunca descamba para a fantasia. Sempre de forma natural e singela ela é permeada por um realismo, e um realismo possível, bem fidedigno ao que se tem já de estudos e protótipos nos avanços tecnológicos para um futuro próximo: como a pulseira holográfica de Gardner, o carro não tripulado e a nave individual de Shepherd, as tecnologias domésticas (como portas e luzes automáticas etc.), a assistência de robôs nos afazeres cotidianos, a própria ideia de povoar Marte, a nanotecnologia e o carbono empregados em serviço da medicina e da melhoria humana.

Asa Butterfield não decepciona no papel principal. O ator não-tão-mais-mirim já dava sinais de sua boa verve artística em filmes como O Menino do Pijama Listrado e A Invenção de Hugo Cabret. Também Gary Oldman dispensa maiores apresentações, além de ser frequentemente um excelente ator, aqui mais uma vez confirma sua fama. Outro aspecto é a construção das personagens femininas, que foge ao clichê estereotípico para entregar personagens fortes, decididas e decisivas, para todos os rumos da história (todas as mulheres têm papel central a impulsionar a história). Britt Robertson destaca-se como Tulsa, pois se espera bem menos dela (a julgar pela sua carreira de atriz-fetiche de filmes adolescentes bem genéricos) do que o oferecido por ela aqui, com sua expressividade no olhar e força de atuação (começa fraca e com algumas afetações, mas ao longo do filme só melhora e sustenta bem a sua personagem).

A trilha sonora por vezes pode trazer a atmosfera mais séria do drama para um terreno mais macio de estética teen contemporânea, e atenuá-lo bastante em favor da exploração de um melodrama mais leviano. Porém, é um filme que dialoga bastante com esse público. Seu trunfo, pelo contrário, está em justamente conseguir não ficar preso apenas nesse tipo de narrativa, e expandir uma história adolescente de exclusão e autodescoberta para temas mais amplos, como estrutura familiar e o lugar da mulher na sociedade. Um filme que poderia ser “bobinho”, mas é competente por conseguir entregar muito mais do que se espera. O final conciliador demais pode decepcionar, mas não destoa do tom geral do enredo (se termina insosso, pelo menos não termina mal), e passa despercebido, especialmente diante do bem inserido plot twist que a história guarda para a sua conclusão.

Trailer:
FICHA TÉCNICA
Título: O Espaço Entre Nós
Título Original: The Space Between Us
Diretor: Peter Chelsom
Data do lançamento no Brasil: 30 de março
Gui Augusto

12 thoughts on “O Espaço Entre Nós [Resenha do Filme]

  • 29 de março de 2017 em 21:48
    Permalink

    Oi, Gui. Vi o trailer do filme no cinema e fiquei muito entusiasmada com a ideia do filme. Mesmo sendo algo muito irreal de acontecer, é legal ver como o diretor consegue abordar tecnologia, romance, questões de auto descobrimento e afins em um enredo só. Eu ainda não assisti mas já estou dentro para ver. Uma resenha muito bem feita, parabéns!
    Beijo! Leitora Encantada

    Resposta
  • 29 de março de 2017 em 22:37
    Permalink

    Olá Gui!

    Eu assisti um trailer faz alguns dias, mas não me lembrava bem da estória, eu não curto muito filmes que se passam no espaço, mas premissa desse filme e tão bonita, fiquei curiosa para saber como será o protagonista descobrir coisas novas sobre ele, sobre a Terra a Tulsa, parece ser aquele tipo de personagem forte que vai nos surpreender, posso não gosta de filmes assim, mas adoro quando eles trabalham bem nos efeitos especiais! Fiquei curiosa para assistir, quem sabe esse final de semana?

    Beijinhos

    Resenha Atual

    Resposta
  • 29 de março de 2017 em 23:29
    Permalink

    A história é mesmo criativa, e pretendo assistir logo o filme, mesmo sabendo que não é nada espetacular, bem água com açúcar, como você comentou. Fora que eu não consigo shippar esses dois D: ele tem cara de criança, sei lá hahaha resenha maravilhosa!!

    xx Carol
    http://caverna-literaria.blogspot.com.br

    Resposta
  • 30 de março de 2017 em 00:00
    Permalink

    Olar! Eu já esperava algo bem assim que vocÊ falou "água com açúcar" e isso não me trouxe vontade nenhuma de assistir, gosto de coisas mais elaboradas. Gosto da premissa mas acho que esse filme merecia algo realmente profundo. Eu não curto o Asa, acho ele meio robô, mas a Britt eu até curto eo Gary Oldman então <3 que ator cara! Porém gostei qeu você mencionou que apesar de leve, não decepciona em evoluir durante sua narrativa.

    bjs, Carol | Espilotríssimo
    http://www.carolespilotro.com

    Resposta
  • 30 de março de 2017 em 00:22
    Permalink

    Oi! Eu vi o trailer mês passado e desde então fiquei afim de ver o filme. Eu achei uma história bem interessante e criativa e que bom que o filme não decepciona.

    Bjos!! Cida
    Moonlight Books

    Resposta
  • 30 de março de 2017 em 01:32
    Permalink

    Olá! tudo bem?
    Fui ao cinema semana passada e fiquei encantada com o trailler desse filme! Confesso que no início, torci o nariz.. mas fui me apaixonando! e agora lendo sua resenha, fico mais animada ainda, mesmo você dizendo "água com açúcar", senti que tem suas complexidades..
    beeijo

    http://lecaferouge.blogspot.com.br/

    Resposta
  • 30 de março de 2017 em 02:28
    Permalink

    Oi, Gui!
    Ainda não sabia da existência desse filme :O Mas acho que vou gostar achei bastante criativo, e filmes agua com açucar é comigo mesmo, sempre acho eles envolvente. E a premissa dele é de deixar qualquer um com curiosidade em assisti-lo.

    Beijos!
    Eli – Leitura Entre Amigas
    http://www.leituraentreamigas.com.br/

    Resposta
  • 30 de março de 2017 em 11:15
    Permalink

    Oi, Gui!
    Eu vi o trailer desse filme, mas ele não me chamou muito atenção.. Sei lá, faltou algo.
    Beijos
    Balaio de Babados

    Resposta
  • 31 de março de 2017 em 11:56
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    Estou bem por fora das coisas pois é a primeira vez que ouço falar nesse filme, rsrs. Não sou muito de assistir filmes com temática adolescente, mesmo sendo abordados de outras formas, mas vou levar a sua dica em consideração 🙂

    Beijos,
    Pri
    http://www.vintagepri.com.br

    Resposta
  • 31 de março de 2017 em 20:07
    Permalink

    Hey, Gui!
    Nossa, que resenha completa! Parabéns!!
    Eu estou super ansiosa para ver este filme, já faz um tempinho. Desde que assisti o trailer, senti que gostaria da história, mas principalmente do personagem do Asa. Além de achar que o ator se encaixa muito bem no papel, ele passa essa inocência de forma muito realística e por vezes, até de forma cômica. Gostei dessa nova visão do que é "ser humano", desenvolvida no cinema. Além do que, a temática "espaço" me agrada muito! rs.
    Melhor ainda é saber que embora o filme seja singelo, foi bem desenvolvido e estruturado. Realmente, fiquei surpresa de saber que a atuação da Britt consegue se destacar ou alcançar um bom nível, durante a trama. Não que ela seja uma má atriz, mas é que eu não esperava que ela conseguisse se destacar, em uma história como essa. Mas, eu estava achando que ia ser um pouco complexo então… rsrs.
    Bom, com certeza vou assistir!
    Mil beijokas – Entre um Livro e Outro

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  • 1 de abril de 2017 em 10:16
    Permalink

    Oi Gui,
    Quando eu vi esse trailer no filme da Bela e da Fera fiquei bem ansiosa.
    Tem tudo o que eu gosto em um filme, mas tinha um ar daquele tipo que decepciona,sabe? Lembro que ainda cheguei a pensar: Eu gosto de sofrer, rs.
    Fico feliz em estar errada! HAHAHAH
    Beeeeijos
    http://estante-da-ale.blogspot.com.br/

    Resposta

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