Sempre fui cercada pelo Mario de Andrade em muitos aspectos da minha vida, talvez por ter feito faculdade de Letras e por viver no centro de São Paulo, bem próximo ao lugar onde ocorreu a Semana de Arte Moderna em 1922, no Teatro Municipal. Também devo dizer que fui bastante influenciada pela biblioteca Mario de Andrade que me ajudou a ler diversos livros em uma época em que não conseguia comprar nem um gibi na banca de jornal. Por todos estes fatores ler De Pauliceia Desvairada a Lira Paulistana da edição Martin Claret foi um prazer imenso.
O livro reúne diversas obras que marcaram a carreira de Mario de Andrade e pode ser lido e apreciado por qualquer pessoal interessada em conhecer mais sobre o escritor. No entanto, conhecer um pouco a biografia de Mario e saber um pouco sobre a realidade brasileira na época em que os versos foram escritos podem tornar a leitura um pouco mais profunda. Conhecer o tempo e o espaço e um pouco sobre os escritores é ampliar o conhecimento para conseguir fazer análises mais profundas.
Mario de Andrade era debochado e foi extremamente contagiado pelos anos inicias do movimento modernista no Brasil e por isso Pauliceia Desvariada tem muito do espirito otimista do autor mais do que em Lira Paulistana que tem tons mais sombrios. Entretanto, todas obras selecionadas possuem seu marcante estilo, com versos livres e referências aos nossos costumes, lendas, músicas, críticas sociais, usando o espaço urbano muitas vezes como protagonista. E vale aqui ressaltar a influência das vanguardas europeias como o expressionismo e o fato do autor criar incríveis sensações sobre São Paulo como o cheiro, a temperatura, a cor, tudo quase que palpável.
Mario de Andrade foi um dos primeiros intelectuais da época a discutir esteticamente as consequências da modernidade brasileira. O autor aproximava a música da poesia, com sonoridade e ritmo cadenciados com uma linguagem mais simples. São Paulo foi sem dúvida a grande musa do escritor, com todos seus aspectos positivos e negativos. E na época a cidade se encontrava em um momento de expansão econômica, com um grande aumento populacional e com a chegada dos imigrantes. Em vários poemas de Pauliceia Desvairada transparece o lado ruim da urbanização, industrialização e da modernidade.
Destaco dois poemas de Pauliceia Desvairada em especial por serem meus preferidos: Paisagem nº 1 em que o eu lírico compara São Paulo e Londres, trabalhando a dualidade entre tradição e modernidade (“Minha Londres das neblinas finas!”) e Ode ao burguês, em que há claramente um tom mais agressivo de indignação (“Eu insulto as aristocracias cautelosas”, “Eu insulto o burguês-funesto/ O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições”).
Já em Losango Cáqui alguns poemas mostram o ritmo mais frenético de uma grande cidade, mas Mario de Andrade também comenta sobre o fazer poético como em Máquina de Escrever (“Pra todas as cartas da gente./ Eco mecânico./ De sentimentos rápidos batidos./ Pressa, muita pressa.”). Este é um dos meus preferidos de toda sua obra.
Já no Clã do Jabuti não temos mais apenas São Paulo como referência, mas também o Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Pará, Campos do Jordão, em poemas que mostram vários aspectos da cultura brasileira e romances como em Rondó pra você e ou até mesmo um leve humor como em Lembranças do Losango Caqui (“Eu nunca vi a neve/Eu não gosto da neve! E eu não gostava dela….”).
Remate de males já representa um período mais significativo, no início do segundo momento modernista, com uma reflexão em relação à arte. Destaque para o poema de abertura,
Eu sou trezentos, em que existe uma clara alusão aos poetas da Idade Média. Em
O carro da miséria temos a forte presença do elemento autobiográfico. O poema é composto em dezesseis partes, com estrofes e métrica completamente irregulares; com várias referências à cultura brasileira como o samba, religiões afro-brasileiras, o carnaval, entre outros. Também vale destacar a alegoria bastante presente na obra.
O livro segue com outras obras como O carro da Miséria, A costela do Grã Cão e Livro Azul. Já quase no final também merece destaque Café – A Concepção Melodramática, em forma de ópera, em que a cenografia e a marcação de cena é um dos pontos de destaque. O texto fala sobre a crise no comércio do café e suas consequências como o desespero, a fome e o êxodo para as cidades. O texto está associado ao poema épico Café – Tragédia Secular.
Em seguida temos
Apêndice e por fim
Lira Paulistana,
em que temos o Tietê como um dos principais focos, onde existe uma a clara relação entre o curso do rio e o modo de vida das pessoas, um “eu” lírico solitário está observando o fluxo da água, o que dá um tom bem melancólico ao longo poema
A Meditação sobre Tietê (É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável/Da Ponte das Bandeiras o rio/Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.”).
A edição da Martin Claret está impecável! Desde a contracapa que remete as calçadas de São Paulo até a introdução que nos insere um pouco sobre a história dos poemas e alguns dos seus significados. De Pauliceia Desvairada a Lira Paulistana não é uma leitura de uma tarde, mas sim de várias tardes, acompanhadas pelos fatores históricos da época do escritor, para saborear melhor cada poema, cada crítica, cada sentimento que Mario de Andrade expõe em suas obras.
FICHA TÉCNICA
Título: De Pauliceia Desvairada a Lira Paulista
Autor: Mario de Andrade
Michele Lima
Relacionado
Oi Mi!!!
Adoreiiii sua resenha. Sempre gostei do Mario de Andrade e espero consegui ler esse livro dele ainda esse ano. Entrou para os clássicos.
Linda essa edição da Martin Claret.
Que resenha maravilhosa! Cheia de detalhes riquíssimos. Acredita que nunca li nada dele?
🙁
Beijos,
Monólogo de Julieta
Olá, ainda não conhecia esse livro maravilhoso! Obrigada por me apresentar a ele, pois como sou interessada em personalidades brasileiras importantes para nossa cultura, é uma leitura que eu provavelmente vou gostar de fazer.
petalasdeliberdade.blogspot.com
Gostei da resenha Mi. A Martin Claret tem caprichado na sua linha editorial de clássicos, não é mesmo? Não sou lá uma apreciadora de Mario de Andrade, mas achei o livro bem interessante. Beijo!
http://www.newsnessa.com
Oie,
não conhecia o livro, mas a Martin Claret geralmente capricha nas edições.
Confesso que a história não me chamou tanta atenção
bjos
Blog Vanessa Sueroz
Canal no youtube
Nunca li nada de Mário de Andrade, mas gostaria. acho que vai ótimo começar por esse. Bjs
Taynara Mello http://www.indicarlivros.com
Oi Mi,
Adorei a resenha. A editora arrasou na edição. O livro parece uma ótima pedida para quem gosta do gênero. Ainda não li nenhum livro do autor, e se li não me lembro (rsrsrs). Então, acho que vou começar a ler, por esse livro. Que está com uma capa lindissima ♥
Beijoss, Enjoy Books