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Assassin’s Creed [Resenha do Filme]

Conferimos a Cabine de Imprensa de Assassin’s Creed.

O longa-metragem baseado numa franquia de sucesso do mundo dos games apresenta esta que foi feita para ser também uma franquia nos cinemas agora. Assassin’s Creed vem com um appeal muito mais tímido do que a atual invicta, a implacável máquina de criar franquias multimilionárias de sucesso baseadas num universo pop (também conhecida como Marvel Cinematic Universe). Apesar do potencial para muitos filmes, dado o sucesso e as possibilidades variadas de adaptação dos enredos dos games, a parceria Fox e Ubisoft traz uma primeira produção ainda dúbia para fazermos alguma assertiva sobre o destino e qualidade da franquia no cinema.

A história mistura elementos dos vários jogos, traz referências para os fãs verem na telona, mas foca num enredo criado exclusivamente para o filme, a começar pelo protagonista, Callum Lynch e seu alter ego e ancestral Aguilar de Nerja. Os dois são protagonizados por Michael Fassbender (embora num papel mais contido aqui, ainda demonstrando toda a qualidade de bom ator pela qual é conhecido). Logo na sequência inicial vemos Aguilar de Nerja sendo iniciado na guilda dos assassinos, na Espanha, em 1492 – e parece mais a introdução de um game da série, de tantos efeitos digitais e iluminação escura (piorada pelo 3D, aliás, bastante dispensável aqui). A sequência seguinte, parecida mais com um videoclipe da MTV dos anos 90, apresenta-nos outro passado de Callum, um mais recente, dessa vez em 1986, com um pequeno Callum, já didaticamente mostrado como um “serumaninho” destemido e aventureiro – e marcado desde cedo por um trauma (pouco convincente em termos emocionais e de motivação da personagem – o que ficará especialmente claro quando confrontado mais tarde em sua vida).
As duas sequências, de ritmo acelerado e acontecimentos encadeados de forma furtiva já denotam aspectos comuns ao filme todo. A uma, um ritmo alucinante e uma aventura de ação competente para quem quer ver na telona cenas de perseguição, acrobacias e lutas que parecem tiradas dos nossos melhores momentos com um controle de videogame nas mãos. A duas, um festival de clichês jogados como pitadas de um tempero sobre uma dezena de situações mal explicadas, mal desenvolvidas e mal resolvidas. O cliché em si não é algo execrável, mas nunca é uma boa opção narrativa utilizá-lo como muleta para um roteiro falho.

O filme tem sim seus méritos e bons momentos. É engraçado, aliás, ao final, notar que ele funciona justamente assim: capenga, com todos os seus furos de roteiro. É certo também que sua intenção é apenas a de uma ação com ares de videogame: jogar na nossa cara uma série de recortes desconexos de “tiro, porrada e bomba”. Porém, fica uma dorzinha no coração, pois um roteiro bem cuidado, mais bem desenvolvido, traria um fator a mais para um filme de puro entretenimento, transformando-o num filme mais completo. A impressão geral é a de que o roteiro é só uma versão piorada da sua própria novelização (a ser lançada em livro ainda em janeiro pela Editora Galera).

Em algum momento no meio do longa, e por boa parte dele, o discurso narrativo faz bastante sentido, e até surpreende por destoar da verborragia maniqueísta típica (vilões com discursos de paz distorcidos estereotipados em comunistas, ditadores latinos, terroristas ou líderes pacifistas duvidosos). Os vilões aqui são grandes empresários inescrupulosos e sedutores (geralmente um arquétipo de herói muito utilizado por Hollywood) que mantêm conexões espúrias com sociedades secretas milenares obscuras (qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência). Ademais, conectados diretamente à figura de Poder de um religioso da época da Inquisição – nas incursões no passado (e todos, tanto do passado, quanto do futuro, pertencem à Ordem dos Templários).
Também invertendo o imaginário típico, os heróis aqui são… assassinos. Na acepção mais pura da palavra; para quem não há impedimento moral algum em dizer “algumas pessoas merecem morrer”. Aliás, são parte de uma Ordem, o Credo (o “Creed” do nome), seguindo um código de conduta bastante parecido com a Lei de Thelema, do bruxo ocultista, perseguido e marginalizado, Aleister Crowley (uma das fontes de inspiração do mestre Raulzito, diga-se de passagem). Os vilões falam em paz como sinônimo de obediência máxima e irrestrita, e explicitamente estão interessados em extinguir o “livre-arbítrio” do mundo – no que todo alto executivo psicopata está interessado, sejamos sinceros. Já nossos heróis assassinos sabem que a violência é condição inescapável da natureza humana, e consequência quase necessária do livre-arbítrio, e por isso sua Ordem luta há séculos contra a dos templários pela defesa do livre-arbítrio – representado na relíquia da Maçã do Éden, artefato contendo a semente da primeira desobediência contra a ordem divina e que fez a humanidade como ela é hoje.

Embora a violência (inclusive, contra a própria vida) só seja praticada na medida da justiça pelos assassinos e sem interesses maiores ou espúrios, num código de honra muito mais rígido e nobre do que parece, guardar o livre-arbítrio é também guardar as características falhas do ser humano, e qualquer “boa intenção” no sentido de limar do nosso caráter animal a violência não pode justificar a destruição do livre-arbítrio em favor de uma obediência cega, total e unívoca. Até empolga estar assistindo a uma produção dessas proporções e deste alcance de público discutir com essa liberdade e abertura sobre violência e questões profundas como a natureza humana e sua complexidade (num universo em que a preferência e a opção mais fácil dos roteiros é criar discursos binários). Mas este que poderia ser o grande trunfo do roteiro, num curto diálogo quase no final do filme, entre Cal Lynch e a Dra. Rikkin, revela motivações fracas por trás do assassino (que não estavam antes em toda a sua construção de personagem) e retifica aquela boa e interessante subversão do roteiro para algo mais “palatável”.

Aliás, a sequência final é um pouco esquisita. Apesar de meio mambembe, o filme se mantém bem até aqui. Apesar daqueles clichês meio jogados ao léu, daquelas pontas soltas (todas coisas que estamos cansados de ver por aí no cinemão), ele vem se fechando como algo mediano pelo menos. Porém, uma série de acontecimentos, diálogos, situações, em dez minutos de final mais ou menos perigam comprometer o filme todo e requerem do espectador bastante suspensão de descrença. É uma sensação ruim e que dá a impressão de que o filme se perdeu feio naquele momento e fechou-se bem mal.

Há pelo menos ótimas atuações (um time de atores de alto gabarito, como Jeremy Irons e Marion Cotillard, além de Fassbender, e outras boas surpresas de coadjuvantes, como Michael Kenneth Williams). As frenéticas sequências de ação e os planos aéreos vertiginosos são empolgantes (especialmente pra se ver no IMAX). Há uma acertada opção de montagem na intercalação entre passado e presente – e respeito à coerência entre língua e ambientação, uma vez que no passado espanhol, todos os atores só falam castelhano. Tudo isso é bem enlaçado também por uma trilha sonora poderosa de música épica – permeada de tonalidades regionais.

O filme diverte, e esta é sua proposta. Mas não se anuncia como uma grande franquia de sucesso (e dá até pra fazer as vezes de Mãe Dinah aqui e dizer: ou vai flopar total, ou com as pedradas críticas que essa estreia levará os produtores construirão um castelinho da Disney e melhorarão os próximos filmes). Produções deste orçamento que são também filmes inesquecíveis tem algo a mais do que só ritmo e ação e um elenco de peso: têm um roteiro competente e bem construído. E Assassin’s Creed, apesar de trazer perspectivas interessantes e até desviantes no discurso, ao cabo só nos entrega o mais do mesmo, só que de forma bem mediana.



Trailer:

FICHA TÉCNICA
Título: Assassin’s Creed
Diretor: Justin Kurzel
Data de lançamento no Brasil: 12 de janeiro de 2017

Gui Augusto

Na Nossa Estante

View Comments

  • Oie Gui =)

    Estou bem curiosa para assistir ao filme, porém admito que não conheço nada da história o que por um lado pode ser bom já que não vou ter grandes expectativas.

    Beijos;***

    Ane Reis.
    mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias...
    @mydearlibrary

  • Gostei da dica Gui. A princípio devo confessar que esse não é o tipo de filme que aprecio e saber que faltou um roteiro mais apurado e desenvolvido só me desanimou ainda mais para tentar assisti-lo. Abraço!

    http://www.newsnessa.com

  • Oi Gui,

    Eu tô aguardando esse filme desde quando foi anunciado. Não conheço os games, só os livros e tô preocupada em entender o enredo dele. Quero ver o mais rápido possível, mas as resenhas negativas tão complicadas. Detonaram totalmente o filme, mas verei mesmo assim.

    Bjs, @dnisin
    http://www.sejacult.com.br

    • Olá, Denise. Obrigado pelo comentário.
      Pois é. Eu estava na mesma expectativa sua, mas acontece né hahah. Eu sentei pra assistir o filme com uma cara de alegria no rosto, saí do filme com uma puta cara de "que pena, não foi dessa vez"...
      Porém, resenhas e críticas são só opiniões! Veja sim e tire as suas conclusões tbm! ;)
      Bjs.

  • Oi Gui,
    Uma pena até ler essas falhas, porque achei que o team Justin, Michael e Marion tinham funcionado em Macbeth. Filmes para passar tempo, são bem vindos quando tem atores bacanas [tentando não ativar meu lado fangirl pra cima do Fassbender haha]

    tenha uma ótima quinta :D
    Nana - Obsession Valley

    • Olá, Nana. Obrigado pelo comentário.
      Pode ativar seu lado fangirl, o Fassbender tá destruindo muito, tá maior que o papel. O time de atores é que segura bem a história, pq são extraordinários, Marion e Cotilard e Jeremy Irons também estão muito bem! Na verdade o que estraga são os papéis que deram pra eles, mal desenvolvidos, mas atores competentes fazem do lixo um luxo, né!
      Bjs.

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