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Invasão Zumbi [Resenha do Filme]

Conferimos a Cabine de Imprensa de Invasão Zumbi
Este não é um “filme de zumbi”. Não é uma ação em que pessoas se escondem e fogem de zumbis e aprendem a resistir e matá-los (como Resident Evil, Walking Dead). Não é um terror que mexe com toda a claustrofobia de ser encurralado por uma grande infestação de zumbis (como A Noite dos Mortos-vivos). Este é um drama COM zumbis. É um filme sobre um pai e marido workaholic, que inutilmente tenta construir alguma relação com a filha e a contragosto deixa seu trabalho por um dia para visitar sua ex-mulher numa cidade do outro lado do estado, afinal, “criança não viaja sozinha no trem” (será?).
Invasão Zumbi traz elementos da ação e do horror clássico desta temática, é verdade, mas seu centro narrativo é em torno de um drama familiar. Um pouco mais que isto: um drama social, que questiona a letargia da humanidade diante de uma ideologia de individualismo cada vez mais crescente no mundo. A trama pode até ser lida como uma alegoria para o juízo final (não seria demais pensar assim, posto que esta é uma alegoria muito comum em filmes de catástrofes e epidemias), em que os pecadores pagarão por seus pecados, a humanidade sofrerá as consequências de suas vaidades e erros (e um bom paralelo mais recente que consigo me lembrar é o episódio 6º da 3ª temporada de Black Mirror). Esta leitura seria condizente com seu final, inclusive, quando só duas coisas sobreviverão: a inocência e a esperança de um novo amanhã – ou seja, o futuro.
O título brasileiro soa mais como uma jogada de marketing. Melhor define o enredo deste filme o seu título em inglês: Train to Busan. Toda a história se passa dentro de um vagão de trem – ao menos 80% do filme se passa nesta claustrofóbica locação (e aqui, sim, reside aquele elemento de horror mencionado). É já aí muito interessante que, mesmo com os exageros estéticos, de zooms meio histriônicos da câmera e efeitos especiais gráficos de videogame, o filme consiga controlar esses “vazamentos” que poderiam comprometer a qualidade, aferrando-os num espaço íntimo e contido, magnificando até uma visceralidade nos monstros.
E vale dizer, a maquiagem é muito bem feita (exceto por uma “certa cena”, eu preciso dizer aqui: claramente é um braço falso de borracha, tá?!); além dela, os exageros gráficos, bem como o ritmo acelerado do filme (mesclando bem a tensão do suspense com ação e velocidade – sugerida pelo trem que não para de correr) podem ser todas influências no diretor de sua experiência pregressa. Sang-ho Yeon é um diretor novato, mas que vem de uma trajetória no universo da animação.
É, aliás, no mínimo intrigante que seu primeiro longa live action já seja um selecionado para o festival de Cannes (e Cannes, com toda a pompa de “cult” que costumamos estereotipicamente conferir-lhe, selecionar “um filme de zumbi”); motivo o suficiente para assistirmos o produto dessa experiência. The King of Pigs, uma animação do diretor, de 2011, já havia passado na Quinzena dos Realizadores (seleção paralela à mostra principal de Cannes, e cuja geralmente revela talentos que mais tarde voltarão na seleção oficial). E outra animação, de 2016 também, Seoul Station, é classificada como a prequência para este Invasão Zumbi – mas infelizmente não estreou nos cinemas brasileiros, e provavelmente deve existir em algum lugar dos confins da internet.
Os atores estão no geral muito bem. Incorporam com qualidade a ambientação mesclada de horror e drama do filme. Um destaque especial para a atriz-mirim Soo-an Kim, a grande estrela do longa, fazendo um trabalho espetacular no papel de Soo-an. O trabalho com figurantes e com as movimentações dos zumbis está coerente com a proposta do filme; aliás, a mitologia do zumbi aqui não é sequer explicada, é apenas sugerido que a causa é um vírus oriundo de um vazamento químico biológico. Suas transformações são deveras rápidas para o que estamos acostumados (aquele suspense de transformação fora de quadro ou a construção narrativa da montagem que leva a cenas depois descobrirmos que há zumbis) e não tem discursos didáticos nos ensinando de onde vêm e como surgiram.
É uma proposta narrativa muito acertada, que abre espaço para duas críticas em subtexto importantes para o filme. Uma, já evidente de início: o papel da mídia e do governo em catástrofes sociais; aquela, de obscurecer os fatos e, este, de tentar eximir-se de culpa; aquela, emitindo discursos oficiais dúbios e rotulados, classificando os motins e as turbas enfurecidas como “desordeiros” (tratando zumbi como black block), este, tentando pacificar e apaziguar os ânimos da população enquanto não tem competência e nem capacidade para explicar o que está acontecendo. As pessoas, em contrapartida, buscam a verdade na internet.
Outra crítica é, além daquele questionamento ao qual me referi no início, sobre a letargia da humanidade, o individualismo é várias vezes questionado; especialmente na figura de personagens claramente capitalistas, como o alto executivo Yong-Suk (Eui-sung Kim), que se revelará quase um vilão do filme no clímax, e o diretor de fundo de investimentos (um especulador que guarda o dinheiro de especuladores), Seok Woo (Yoo Gong), numa jornada de redenção por todo o seu cinismo e psicopatia com que viveu a vida até aqui – constantemente questionado em diálogos, pela filha, Soo-na, ou pelo improvável comparsa, Sang Hwa (Dong-seok Ma; cujo tem duas curiosidades interessantes, 1- na vida real ele já trabalhou como personal trainer do ator Yoo Gong, 2- protagonizará neste filme um “momento Hodor” de cortar o coração).
Justamente os dois capitalistas terão uma situação especial juntos, quase no final – condizente com aquela alegoria do juízo final. E também é importante notar como se originou a catástrofe dos zumbis; uma ligação telefônica, um funcionário eufórico, uma preocupação a mais além da perseguição dos mortos-vivos, é sugerida a história de origem (vazamento de agente biológico) e a responsabilidade. Conhecemos bem no mundo real a culpa de executivos psicopatas negligentes em calamidades públicas, vide o desastre de Mariana, em Minas Gerais, ou o vazamento de óleo no golfo do México em 2010 (e os vários ao longo da história).

O roteiro é muito bem desenvolvido, e apesar da defasagem nos diálogos e nas situações clichês, é muito bem escrito também. Aliás, personagens importantes não escapam, e o roteiro tem esse mérito de não ser maniqueísta ou emotivo; é bem mais corajoso e fluido, na linha de uma estrutura narrativa que mudou no mundo do entretenimento desde Game of Thrones (de claro impacto em megaproduções, como o recente Rogue One: uma história Star Wars), de permitir à morte um lugar de destaque na história, e não como final impossível para certas personagens.
Ao cabo, como dito antes, sobrará a esperança. É sintomático que justamente uma música havaiana escapista cantada tristemente por uma personagem num cenário desolado, seja a responsável por salvar a vida dos últimos sobreviventes e simplesmente impactante a câmera terminar enquadrada num plano-detalhe no rosto da personagem que a canta.
Para se compreender bem a atmosfera do filme que te espera nos cinemas, caso tenha dúvidas ainda de assisti-lo, tudo me lembrou em muito a história de um extraordinário curta-metragem de 2013, Cargo, cujo galgou meteórico sucesso em festivais pelo mundo todo, exatamente pela qualidade do alinhamento entre o horror de zumbi com um drama familiar. Clique no link, assista, vale a pena, tanto quanto vale a pena também conferir Invasão Zumbi nos cinemas, e fechar este ~maravilhoso~ ano de 2016 com chave de ouro (ao menos nisso).
Trailer:
FICHA TÉCNICA
Título: Invasão Zumbi
Título Original: Busanhaeng
Diretor: Sang-Ho Yeon
Data de lançamento no Brasil: 20 de dezembro de 2016
Gui Augusto
Na Nossa Estante

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