Esse tal de Borghettinho [Música]

“Fora do RS, existe uma curiosidade muito grande sobre a nossa música. As pessoas sabem que existe, mas não conhecem nada. Isso contradiz essa ideia de que somos discriminados no Brasil. Isto é uma coisa crônica, da qual há vinte anos eu ouço falar, mas não vejo nada disso. É mais fácil ficar aqui reclamando do que ir lá encarar. A gente se parece com a aldeia gaulesa do Asterix. Somos um reduto fechado. É importante fazer bem feito aqui e tentar lá. Não adianta nada ficar reclamando.”
Palavras de Renato Borghetti, de acordo com um xeróx que tenho aqui com frases dele, tirado quando fiz um trabalho sobre esse baita músico. Um trabalho vergonhoso, diga-se de passagem. Tentarei então me redimir agora, pelo menos perante minha consciência.

Na época do trabalho lembro de ter ficado extremamente chateada por não ter pego o José Mendes no sorteio. Adoro José Mendes. Mas agora, na escolha de um músico sobre quem falar aqui nesse setembro regionalista no blog, escolhi o Borghetti. Por quê? Difícil dizer. Não é só o José Mendes que mereceria um espaço aqui. O Rio Grande do Sul tem grandes nomes tradicionalistas na música, dois dos quais, Honeyde e Adelar Bertussi, que foram os pioneiros em fazer com orgulho a música tradicionalista, que deram aula pro Edson Dutra, o fabuloso líder d’Os Serranos e um baita gaiteiro, são daqui do interior de Caxias do Sul. Mas simplesmente me deu vontade de falar no Borghetti, talvez por saber que a Pandora tenha gostado dele, talvez simplesmente por meu humor. O negócio é que hoje o tema é Renato Borghetti, o Borghettinho.

De tudo é preciso explicar: aqui no Rio Grande do Sul, acordeon é gaita; acordeonista é gaiteiro (e eu tenho surtos por gaiteiros). Aliás, talvez eu tenha a explicação pra escolher o Borghetti: acho que a alma da música tradicionalista está numa gaita bem tocada (e nada de gaiteiro rebolando, como na Tchêmusic), então a melhor forma de demonstrar sua beleza é com uma música instrumental. E quem melhor que Borghetti?

Renato Borghetti ressuscitou, digamos assim, a gaita-ponto. OK, vamos nos localizar. Há dois tipos de gaita: a gaita-piano e a gaita-ponto (repare nas duas imagens e tu perceberá a diferença e entenderá os nomes, senão me peça que eu desenho). A mais popular é a primeira, os Bertussi, o Edson Dutra…, todos os gaiteiros admiráveis, em maioria tocam a piano. Mas o Borghettinho encontrou a ponto quando os gaiteiros citados e tantos outros estavam no seu auge e fez com que ela se tornasse popular. Além do mais, quando ele fez tal descoberta, qualquer tipo de gaita em mão de guri era cena estranha. Diz ele:
“Quando eu comecei a tocar gaita-ponto aqui no RS, não havia jovens fazendo isso; as referências eram dos músicos mais antigos e músicas antigas; então tudo que eu fazia era sempre uma tentativa, um cara novo tentando fazer algo novo dentro de uma escola antiga. Isso caracterizou a minha maneira de ver a música até hoje. Sou muito ligado à música tradicional, mas naturalmente tento inovar.”
Com uma trajetória de respeito, iniciada numa Califórnia da Canção Nativa, maior festival nativista, hoje o gremista Borghettinho é um dos maiores nomes da música instrumental. Foi ele o primeiro a ganhar disco de ouro no país com música instrumental. Hoje, aliás, ele anda mundo afora, de lá pra cá, de cá pra lá, sendo que sua turnê pela Europa virou série da RBSTV: Borghetti na estrada. Vale MUITO a pena parar para ver esses quatro episódios, pois, além da bela música e das belas paisagens, ainda é possível ouvi-lo prosear e dizer coisas como esta:

‎”Eu acho que a música que eu faço, mesmo sem palavras, é uma música instrumental, a gente consegue, tocando, dizer de onde a gente vem. As pessoas mesmo não conhecendo o Brasil, mesmo não tendo nem ouvido falar do Rio Grande do Sul, quando a gente toca, eu acho que eles conseguem perceber a origem ou pelo menos como é o lugar de onde a gente vem, onde a gente nasceu e onde nasceu a nossa música.”
O triste só é vê-lo sem chapéu. Sim, Borghettinho sem chapéu não é Borghettinho. Sem muita pesquisa, é fácil identificar sua posição costumeira ao tocar: gaita na mão, cabeça baixa, os cabelos soltos e o chapéu permitindo apenas ver um pedaço do queixo, se tanto. Lembro de que, na era em que assistia Ana Maria (sim, com nove anos eu ouvia Roberto Carlos Jovem Guarda e assistia todo dia a Ana Maria), ela veio pra Gramado (como sempre) e convidou-o para uma entrevista. No meio ela comentou algo como: Deixa eu ver esse rosto bonito, você fica aí de cabeça baixa com esse chapéu, não dá pra ver seu rosto. (Meus dedos se contorceram agora pra escrever “você” em vez de “tu” e “seu” em vez de “teu”, precisava dizer isso.)
Agora chega de lorota, vamos à música:
No ano em que completava 21 anos, com ninguém menos que Cesar Passarinho, acompanhando-o na clássica “Guri”, junto com o Neto Fagundes guri, de uma respeitada família tradicionalista: (Reparem no chapéu e todo o tradicional jeito Borghettinho de ser)
(Certo, Ana, recupere-se. Tô nem aí pro Neto Fagundes, mas o Passarinho cantando essa com o Borghetti guri é demais pra mim… Ok, respirando, vamos adiante)
“Milonga para as missões” é uma das músicas mais clássicas que temos por aqui, todos tocam, mas a versão do Borghetti sempre me parece inigualável. Não pude resistir a colocar essa versão com orquestra:
Já tive o prazer de ir num show dele. Não posso deixar de me gabar disso. Tenho fotos para comprovar, até comentamos rapidamente a vitória do Grêmio naquele dia. Fiz um vídeo também, creio que essa é “Quarteto”, mas não tenho certeza agora. Desculpem pela má qualidade, mas a música é linda.
E então um gaiteiro com um tocador de violão de primeira? É pra morrer de emoção, não? Exageros a parte, é inegável a beleza e o encanto do som feito por Borghetti com o admirável Yamandú Costa:
Pra finalizar, mostrando que o Borghetti anda por tudo que é canto mesmo, um vídeo de uma das vezes em que tocou com Humberto Gessinger. No caso, a música é “Refrão de Bolero”
E depois de ouvir Engenheiros, um último e curioso depoimento de Borghetti:
“Não vejo problema nenhum em tocar com músicos de outros gêneros. Já toquei com Nenhum de Nós, com os Engenheiros, chorinho no Rock in Rio e até arrisquei Villa-Lobos com Turíbio Santos. Gostei de tudo e não vejo nada errado, desde que seja como participação especial, dentro do trabalho deles. Em trabalhos meus, eu não faria isso porque acho que tenho que respeitar minha identidade.”
É ou não é um guri bom, esse? Para maiores informações e coisa e tal, vale dar uma passada no site dele e, bem, se alguém quiser me dar o DVD dele eu JURO que não fico braba.
no blog Alguma Coisa a Mais Pra Ti Ler,

4 thoughts on “Esse tal de Borghettinho [Música]

  • 9 de dezembro de 2013 em 16:40
    Permalink

    Mazzááá, Borghettinho!! Já vi ele se apresentar e é ótimo!! Adorei o texto, pois também sou do Sul (e gremista, assim como ele, hehehe). Tenho um amor tremendo pela nossa cultura e tradição… a música Guri é linda e faz pouco tempo vi uma apresentação com Os Fagundes onde eles cantaram ela.

    Resposta
  • 9 de dezembro de 2013 em 18:28
    Permalink

    Opaaa! Gostei bastante do seu texto, Ana…e principalmente de toda informação cultural que veio como recheio dele. Não sabia nada dissooo, mas gostei bastante. Nem sabia que tinha diferença entre gaitas. kkk Achei engraçado quando disse que Borghettinho sem chapéu não é ele. É assim mesmo, quando um artista assume algo como característica própria é difícil ver esse sem ela.
    Beijos!
    Paloma Viricio-Jornalismo na Alma.

    Resposta
  • 10 de dezembro de 2013 em 01:47
    Permalink

    Esse Borghetti é além de um músico incrível uma pessoa com uma clareza em relação a o que é e o que faz incrível. Admiro muito o trabalho dele e realmente quando a gente escuta ele a gente sente algo diferente. Eu não sou uma pessoa musical, você sabe, sou voadora por natureza, mas quando a gente escuta ele o unico lugar para voar é o sul do Brasil, o pampa e tudo o mais. Há, foi com Guri que eu me apaixonei pelo Passarinho, talvez por trabalhar toda minha vida adulta com a pequena infância, sempre que escuto essa música meu coração se derrete… Se eu pudesse voltar no tempo, uma das coisas que gostaria de ver era esse momento… só pela emoção que há no ar… dentro de todo homem existe esse guri que quer ser igualzito ao pai… aiiiiii…..

    Resposta
  • 15 de dezembro de 2013 em 20:58
    Permalink

    Texto excelente!!! Uma verdadeira aula. Teria tirado a nota máxima no trabalho, sem dúvida.

    Resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Crítica: A Esposa do meu marido Dorama: Diva à Deriva Dorama: Nosso Destino 5 doramas dublados no Star+
Crítica: A Esposa do meu marido Dorama: Diva à Deriva Dorama: Nosso Destino 5 doramas dublados no Star+