Anjos Exterminadores [Crítica do Filme]

Nas décadas de 70 e 80, Grindhouse eram os cinemas que exibiam filmes que jamais encontrariam espaço em salas mais tradicionais. Enquanto os cinemas (sim, os de rua, bem estruturados e com público família) exibiam obras premiadas e com elenco famoso, os filmes B de terror, blaxploitation/sexploitation e os que eram pornografia pura com toques de terror, iam parar nas Grindhouse e nos Drive-In, onde a intenção maior não era assistir o filme, e sim dar uns amassos.

Com lugares até precários e ingressos mais baratos, as Grindhouse não tinham muitos recursos financeiros pra variar a programação e chegavam a mudar os títulos dos filmes já exibidos, cortá-los e remontá-los para que parecessem inéditos. Muitas dessas obras se tornaram cult e tiveram vários elementos replicados em filmes de grandes estúdios. Foi então que o plágio passou a ser “homenagem” e trabalhos com o selo grindhouse tiveram o efeito inverso desse desprezo e são reverenciados até hoje.

Como toda moda, essa foi mais uma que passou, os cinemas de rua foram pouco a pouco sendo substituídos por cineclubes, salas especiais e complexos em shopping centers, minando a possibilidade de conferir uma experiência mais alternativa. Em 2007, os diretores Robert Rodriguez e Quentin Tarantino até tentaram ressuscitar o movimento, mas não tiveram muito sucesso. O ótimo A Prova de Morte com a grife Tarantino foi parar no Festival de Cannes e concorreu ao prêmio principal, o que já indica a intenção do diretor em se utilizar da nostalgia de uma época pra ganhar prestígio, prêmios e elogios da crítica. Tudo está lá, os erros, as falhas na montagem, os problemas na edição de som, o título trocado e o elenco fingindo que não sabia atuar, mesmo tendo Kurt Russell como o vilão da trama. Devido a baixa repercussão, Tarantino não fez o que se suspeitava: alternar seus filmes “sérios” com produções estilo grindhouse, só por amor o segmento. Já o bacana Planeta Terror do diretor Robert Rodriguez vai mais fundo na proposta e envereda pelo gênero filme de zumbi, para deleite dos fãs.

Eis que em pleno 2023, sou apresentado ao cineasta Janderson Rodrigues e o seu já comentado aqui, A Árvore que chorava Sangue. Não era um grindhouse, mas o seu realizador é um apaixonado pelo gênero terror, o que já me indicava que a qualquer momento um exemplar seria feito. Em parceria com o entusiasta Ricardo Corsetti (que co-dirigiu e escreveu o roteiro), fizeram um legítimo grindhouse (a considerar o baixíssimo orçamento) em sua forma e conteúdo, e ainda acrescentaram elementos políticos como a foice, o martelo e a camiseta do Brasil, numa clara referência a polarização esquerda / direita que chegou pra ficar.

Os personagens zero humanizados de propósito, só aumentam a vontade do público em vê-los ajoelhados no milho, sofrendo e sofrendo. Afinal, quem se importaria com tipos tão perturbados? Anjos Exterminadores não tem anjos, muitos menos exterminadores, mas tem personagens a beira do surto e matança desenfreada – puro grindhouse então.

Uma roteirista (Rosana Ferreira) que trabalha com um inescrupuloso produtor de cinema (Ricardo Corsetti) reencontra a ex-namorada que acabou de sair da cadeia (Eliane Silva) e que reclama de ter sido esquecida, pra revoltsa da atual (Erica Carvalho) que ocupa seu lugar. Em paralelo, uma secretária (Fernanda Sophia) trai o marido (Fábio Garcia) com o tal produtor, o que dará início a uma onda de mortes, comentadas pelo Jornal da Estrada (com apresentação improvisada e divertida da Kel Pereira) que interrompe o filme algumas vezes, assim como o vídeo musical da ótima Visceral, do Rinas Francisco & Bivoltz.

Um detalhe inesperado e revelado apenas no final é o que liga todos os crimes, sempre cometidos com foice e martelo, comunismo em pauta.
Todo e qualquer erro jogado na tela é proposital, honrando a tradição grindhouse de ser. São inúmeros takes incômodos, fora de foco, com imagens ora esmaecidas e estranhas, ora quentes, sem paleta de cor alguma. A montagem também não se preocupa onde terminar uma emoção e começar outra, e mesmo assim não atrasa o fluxo da ação.

O som também tem sua parcela de colaboração, ora estourado e ora inaudível, tendo até a legenda “áudio perdido” e claro, não encontrado para uma melhor compreensão dos diálogos, que como manda a fórmula grindhouse, não fazem a mínima falta.

Infelizmente, um trabalho desses não consegue ser amplificado em pleno 2023, onde a sede pela ideia mais mirabolante e pelo mais perfeito CGI, deixam de lado o principal fator de quem busca um entretenimento de terror: a diversão. Ao custo de inacreditáveis R$ 480,00, Anjos Exterminadores só quer (e consegue com louvor) fazer um resgate do estilo Grindhouse de fazer cinema. Que venham outros.

Entrevista

Pude conferir Anjos Exterminadores numa sessão especial lá na Videolocadora Charada. Disponível completo no YouTube, no canal do Janderson Rodrigues

Entrevista com Ricardo Corsetti

Ricardo Alexandre Corsetti, 48, nasceu em São Paulo, é crítico, roteirista, diretor e produtor independente. Graduou-se em Ciências Sociais pela PUC e em Cinema pela Universidade Anhembi Morumbi. Produziu e dirigiu a web serie Parodiar Filmes e é autor de 11 curtas-metragens, dentre eles, Passeio Noturno(2019), vencedor da categoria voto popular, na 7a. edição do Festival Latino-americano Curta Neblina, em 2021

Primeiramente, parabéns pelo trabalho. O Na Nossa Estante se orgulha em sempre prestigiar o cinema de autor, feito na raça e com autenticidade. Foi um prazer poder assistir.

01. Qual foi seu primeiro contato com o cinema e em específico com os filmes de terror? E quais são seus favoritos?

RC: Meus pais gostavam de cinema e com meu pai descobri os filmes com Al Pacino (de quem ele era um grande fã) e com minha mãe, que adorava faroeste, conheci os clássicos com John Wayne e Clint Eastwood. O terror veio muito tempo depois (já que meus pais não eram fãs do gênero) quando conheci o “Giallo”, terror/suspense à italiana, com sua beleza visual característica. O diretor espanhol Jess Franco foi uma deliciosa descoberta e me fez amar o terror que hoje é um dos meus gêneros cinematográficos favoritos. Quando cursei Ciências Sociais, assistia o cinema europeu, como a Nouvelle Vague francesa de Godard e Truffaut. Então naquele momento era o “bom cinema” pra mim. Por isso, o pouco que vi de terror (clássicos como O Bebê de Rosemary, por exemplo), eu considerava um “gênero menor”. Ah, a pretensão típica da juventude…  (risos)

02. Grandes diretores de Hollywood começaram suas carreiras com filmes de terror e trash. Você voltaria às suas origens se fosse algum deles? Quem é o seu herói da Sétima Arte por trás das câmeras?

RC: Sem dúvida, o Trash sempre foi e sempre será uma grande escola, que gerou diretores  consagrados no universo “mainstream” como Paul Verhoeven, Peter Jackson e mais recentemente, James Gunn. Dentre os citados, meu preferido é o Paul Verhoeven, autor de Robocop (1987)  e também da divertida pérola trash Negócios À Parte (1979), ainda em sua fase holandesa. E caso um dia eu venha a ser um diretor consagrado com acesso a grandes orçamentos, farei questão e será um grande prazer voltar a realizar uma trasheira, só que aí com a devida estrutura e elenco de primeira.

03. Como foi essa sua primeira experiência como roteirista e diretor? Algo que não estava planejado aconteceu e acabou ficando no corte final?

RC: Minha primeira experiência por trás das câmeras foi um mini- documentário sobre música e rádio, intitulado Radiofonia, em 2014. E como se tratava de um documentário, me dei conta que a imprevisibilidade é regra nesse tipo de projeto, pois mesmo havendo uma pauta prévia de perguntas, rola o famoso: você pergunta “A” e o entrevistado responde “B”. Só que esse “B”, muitas vezes, é muito interessante do que aquilo que você de fato perguntou ou esperava ouvir. Por isso mesmo, lamento já estar há um bom tempo sem dirigir documentários. Na sequência, me dediquei muito mais ao cinema de ficção, dirigindo um curta-metragem ficcional, estrelado pelas queridas e super experientes atrizes, Nicole Puzzi e Vanessa Alves, intitulado Cinema de Autor (2015).

04. Assisti a exibição de Anjos Exterminadores numa videolocadora de bairro e mesmo com o evento gratuito, poucas pessoas foram. A noite foi ótima, mas ficou claro que um projeto como grindhouse é quase impossível de dar certo comercialmente no Brasil, ainda mais com o streaming prejudicando o cinema como o conhecemos. Com o advento da Inteligência Artificial, como você imagina o futuro da Sétima Arte? Desde o cinema mudo, passando pelo falado, o grindhouse e o 3D, ainda poderemos trazer esses elementos do passado pra atualidade?

RC: Sim, é mesmo preciso sermos realistas quanto ao fato de que um filme ao estilo slasher/grindhouse realizado sob condições limitadas de orçamento e até mesmo tempo adequado para as diárias de filmagens, tem pouquíssimo espaço aqui no Brasil. Realizar um longa deste subgênero aqui é um “produto” destinado a um seleto grupo de cinéfilos amantes do estilo. Aí, é praticamente “rezar” mesmo para que um provedor de streaming europeu ou japonês, se interesse por ele. Quanto ao destino do cinema em geral, em tempos de I. A. , submissão ao streaming, “morte” da mídia física etc, eu espero que assim como a TV não “matou” o rádio, a internet não “matou” o jornal impresso e que nada venha “matar” o Cinema, mas sim, apenas transformá-lo e apresentar-lhe novas possibilidades.

05. E pra finalizar, algum projeto em vista? O que podemos esperar do Ricardo Corsetti realizador?]

RC: ideias para futuros projetos são muitas, difícil, na maioria das vezes, é tirá-las do papel (risos). Minha “menina dos olhos” no momento é um projeto de Webserie, ao qual inscrevi no edital da Lei Paulo Gustavo, que abordará o mundinho dos eventos em São Paulo. Não posso dar maiores “spoilers” no momento, só ficar na torcida por uma tão almejada aprovação…

Três perguntas para Janderson Rodrigues


01. Qual foi seu primeiro contato com o estilo Grindhouse? Tem algum filme favorito?

JR: Sou da geração anos 80 e muitos filmes me marcaram, mas na época eu nem sabia o que era Grindhouse, mas a Vingança de Jennifer (1978) e muitos outros, portanto tenho vários favoritos.

02. Qual filme famoso e chato daria um bom remake com a pegada Grindhouse?

JR: Deveria voltar alguns blaxploitation, aqueles de Motoqueiros com Freiras. Acho que todos filmes poderiam ter uma versão B ou C estilo Grindhouse, penso em fazer um Avatar neste gênero (risos)

03. Grindhouse é uma experiência que já não faz sentido atualmente, já que novas gerações assistem filmes no celular em pleno trajeto de ônibus ou metrô. Que tipo de revolução a Sétima Arte precisa fazer para que os cinemas não sumam de vez?

JR: Costumo falar que não existe filme ruim e sim gostos diferentes. Eu por exemplo, fiz A Árvore que chorava Sangue (um terror folk) As Marias (um drama) mas amo o trash e o Grindhouse e sempre vou fazer esse tipo de filme pra me divertir. Os amantes da Sétima Arte precisam conhecer todo tipo de gênero. Aqui no Brasil a arte não é valorizada e esse tipo de filme muito menos, porém no exterior tem muito valor, principalmente no México e é lá que vou começar a investir.

Italo Morelli Jr.

Na Nossa Estante

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