No decorrer de trinta e dois poemas, o escritor Marcelo Stepon, que concorre esse ano ao Prêmio Jabuti, não brinca em serviço e faz uma crítica contundente aos tempos atuais. Nada passa batido nos versos inspirados do autor, seja o cenário político-social, seja o comportamento humano no mundo virtual. Tudo é assustador e Marcelo tenta fazer brotar um sopro de esperança em meio ao caos. A tal modernidade líquida recebe um tratamento ácido, como bem merece. Mesmo em tempos pré-pandemia, o mundo já dava sinais de que uma pane estava prestes a acontecer. Enquanto o “novo normal” e o pós-pandemia não chegam, traduzir este conturbado período em poesia parece ser a revolução proposta aqui.
Testemunha ocular da atualidade, Marcelo expõe seus sentimentos com uma mistura de indignação e lucidez, se mostrando consciente do que está a nossa volta e mesmo indignado/abalado, não deixa de nos conectar com seus valores – valores esses que nada conseguiu contaminar.
Na página 40, o último verso do poema Paradoxo Perplexo, afirma:
multiplicam-se refúgios particulares
possibilidades?
para poucos
nos labirintos de nossa criação
acentua-se o mal-estar na civilização
E o último, Fortuna Líquida, escrito em parceria com Elon Webster faz um alerta:
o concerto do mundo reclama
ACORDES!
Com um futuro incerto nos tirando o sono e uma realidade que tenta nos tirar as forças, é cada vez mais comum que as pessoas interajam cada vez menos, se falem e se toquem menos ainda, separadas por um mundo virtual que oferece um discutível conforto. O livro faz discutir e pensar sobre o quanto a arte ainda é o caminho necessário para que o ser humano não se funda de vez ao virtual – um mundo sem música orgânica, sem sarau, sem pinturas em tela (não as de um computador), e sem livros (de papel, não virtuais) não pode se tornar a única realidade ou a tal modernidade líquida pode nos afogar.
FICHA TÉCNICA
Acordes…Poesia e Amor na Modernidade Líquida
Por Marcelo Stepon
Editora Illuminare
Onde Comprar: Amazon
Entrevista com Marcelo Stepon
Marcelo Stepon (Marcelo Steponkevicius) é poeta e paulistano. Formado em Ciências Humanas pela USP, escreveu seu primeiro poema aos 12 anos, com a ajuda do pai-avô, também poeta. Participou de livros de poesias, como “Poesias escolhidas: vozes de uma alma, vol 1”, “Eles são de Vênus (homens sem frescura)” pela Poesias Escolhidas Editora. Ganhou concursos e decidiu gestar seus próprios livros.
Primeiramente, parabéns pelo trabalho. Nós do Na Nossa Estante agradecemos a oportunidade de entrevistá-lo! Seu livro Acordes…oferece poesia em estado puro, mas não disfarça seu sentimento de indignação, o que faz de sua obra uma espécie de manifesto/desabafo sobre a realidade do mundo em que vivemos. Essa era a proposta inicial ou teve alguma influência da pandemia do Coronavírus?
Marcelo Stepon: Primeiramente, eu que me sinto honrado quando alguém tem o cuidado e a delicadeza de ler o meu livro. Neste livro de estreia, eu quis pelo menos que uma parte de meu ser estivesse presente, então se tenho ao menos indignações verdadeiras (e as tenho) precisavam estar em meus poemas, senão não seria “verdade”.
Lembro-me que a primeira vez que assisti ao filme: “O Encouraçado Potemkin” do genial cineasta Eisenstein, sentei e chorei exatamente ao sentir que era um filme sobre a indignação humana…pensar como a indignação nos faz falta em nosso tempo com tanta gente distraída…. Foi então minha vingança e necessidade mostrar minha indignação em relação às coisas que ocorrem hoje em nosso tempo.
A pandemia de coronavírus surgiu após eu lançar o livro, mas muitos”isolamentos” (vide o poema “Refugiados”, “Dia das Mães” etc), pressões (“Viver e Amar é Comprar”) e até algumas possibilidades ou esperanças ao final do livro (“Fortuna Líquida” ) tudo remete ao nosso estranho e acelerado tempo.
Quais são suas influências literárias e quais são os seus livros favoritos?
Marcelo Stepon: Influências literárias são sempre muitas, mas para não fugir do foco da pergunta …basicamente Drummond, Baudelaire, Eliot, Carolina Maria de Jesus, Manoel, Bandeira, Mário de Andrade, etc.
Livros favoritos e que ajudaram a mudar minha vida até são: “O mal-estar na civilização” (Freud), “Quarto de Despejo” (Carolina Maria de Jesus), “As Flores do Mal”( Baudelaire), “Sentimento do Mundo” (Drummond), “A arte de Amar” (Erich Fromm) etc.
Sabemos das dificuldades de ser professor no Brasil. E como é ser poeta num país que marginaliza todo tipo de arte e não valoriza os artistas nacionais? A quantas anda a poesia brasileira?
Marcelo Stepon: Até onde sei a Poesia brasileira anda bem no quesito criação porque o ser humano criativo não para de criar. No caso da poesia, desde as batalhas de Poesia e afins nas periferias aos inúmeros Poetas e afins (acadêmicos ou não) sempre estão alimentando o caldo cultural. As instituições e/ou elites é que geralmente pouco incentivam a produção cultural…a incentivam apenas minimamente ou protocolarmente ou nem isso… é o caso do governo que aí está no Brasil.
Abraço!
Italo Morelli Jr.
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