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Do Fundo da Estante: A Rainha Diaba [Nostalgia]

Quentin Tarantino, merecidamente reverenciado por sua estreia em Cães de Aluguel (1991) e consagrado com Pulp Fiction (1994) sonha até hoje com um roteiro (e um final) equivalente ao de A Rainha Diaba, de 1974. Pedro Almodóvar nem chegou perto do gay power retratado aqui. Tudo culpa do diretor Antônio Carlos Fontoura que roteirizou um argumento do dramaturgo Plínio Marcos – e que se estivessem em Hollywood, Martin Scorsese talvez nem rodasse Taxi Driver
Um verdadeiro marco do cinema nacional, A Rainha Diaba envereda pelo submundo carioca da Lapa, onde a briga pelo território do tráfico de drogas e prostituição é mostrada sem refrescos – e tudo em plena ditadura militar. É um marco também ao colocar um protagonista negro e gay no cinema, numa época em que homossexualidade quase não era discutida, numa posição de liderança num território masculino e violento.

O personagem em questão é a tal Rainha Diaba (livremente inspirado em Madame Satã), interpretado com fúria por Milton Gonçalves, que ganhou todos os principais prêmios de interpretação daquele ano. 

Diaba é a rainha da noite e do tráfico, vive nos fundos de um bordel onde controla dezenas de bocas e comanda sua quadrilha, é paparicada o tempo todo pela irmandade numa relação quase maternal e é temida até pelo criminoso mais perigoso.

Ao saber que um dos seus homens de confiança está para ser preso, Diaba “fabrica” um novo marginal, para depois entregá-lo à polícia. Ela encarrega Catitu (Nélson Xavier), seu homem de confiança, de fazer isto. Catitu decide que o alvo será Bereco (Stepan Nercessian), um garotão cheio de si que é sustentado por Isa (Odete Lara), uma cantora de cabaré. Catitu atrai Bereco para um série de crimes e faz dele um “perigoso bandido” e Bereco passa a acreditar nesta “fama”. 

Diaba começa a ter seu poder diminuído quando Bereco decide controlar a venda das drogas. Acontece que toda essa quadrilha, composta também Manco (Wilson Grey), Anão (Lutero Luiz), Coisa Ruim (Procópio Mariano) e Violeta (Yara Cortes) sócia do prostíbulo mantido pela Rainha, estão de comum acordo para acabar com o reinado de Diaba e o inevitável banho de sangue se inicia.

Em outro arco narrativo temos o “casal” formado pelo cafetão Bereco e a prostituta Isa Gonzalez. Ele, rapaz novo e cruel e ela apaixonada, sofrida e cantora do Leite da Mulher Amada Night Club, vivem uma relação entre muitos tapas e (alguns) beijos. 

É impressionante como A Rainha Diaba é um filme moderno. Parece ter sido rodado ontem. Sua estética colorida ficou a cargo do artista plástico Ângelo de Aquino e a fotografia exuberante é de José Medeiros. Tudo embalado por uma trilha sonora que abre o filme com “Índia” interpretada por Paulo Sérgio em meio aos letreiros de cartolina, canetinha e papel crepom, e vai de Os Incríveis a Carole King.
Eternamente incômodo e de impacto indiscutível, A Rainha Diaba é um referência da criatividade do cinema nacional, do talento que supera a falta de recursos financeiros e atesta mais uma vez o complexo de vira-lata de quem se curva a filmes norte-americanos bem inferiores e acusa a obra de ser uma ode a viadagem marginal. Não é. Lou Reed se esbaldaria com esse retrato cru do submundo cheio de almas atormentadas.
FICHA TÉCNICA
Título: A Rainha Diaba
Diretor: Antônio Carlos Fontoura
Data de lançamento: 24 de maio de 1974

Italo Morelli Jr.
Na Nossa Estante

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