Cenas antológicas no cinema têm se tornado algo raro e a diretora Patty Jenkins realizou pelo menos duas em Mulher Maravilha 1984: a cena do jato invisível cruzando o céu em meio a queima de fogo do 4 de Julho e quando Diana aprende a voar. São cenas de uma beleza absurda que só alguém com muito bom gosto e sensibilidade poderia comandar. Outro acerto do roteiro foi situar a história na década de 80, o que afasta o resultado final da megalomania de alguns filmes da DC Comics e o situa numa interessante época de inacreditáveis quarenta anos atrás.
Com menos ação do que o primeiro, Mulher Maravilha 1984 também acerta ao priorizar os dramas pessoais de seus protagonistas, humanizando-os. Gal Gadot continua bem como Diana, convence tanto nas cenas de ação quanto nas cenas mais dramáticas. Sua Mulher Maravilha está mais crível do que nunca, pois não consegue superar a perda do seu grande amor, Steve Trevor (Chris Pine, num das aparições mais aleatórias dos últimos tempos). No entanto, as coisas mudam quando acontece um assalto a uma joalheria (algo beeeem anos 80) onde uma estranha pedra mística que concede desejos é roubada e vai parar no museu onde trabalham Diana e a desengonçada doutora Bárbara Minerva (Kristen Wiig, fazendo bom uso de seu timing para a comédia) e não demora muito, aparece o vilão da vez Maxwell Lord (Pedro Pascal, ótimo) seduz Bárbara e leva a tal pedra. Antes da pedra ir parar nas mãos de Maxwell, Diana fez um desejo e Bárbara também, ela quer ser igual a Diana: o cabelo fica mais bonito, ela aprende a andar de salto alto e passa a se vestir de maneira mais sexy. Maxwell, um falso magnata do petróleo deseja ter os mesmos poderes da pedra e a absorve, sendo ele agora quem passa a conceder os desejos.
Desde a abertura no olimpo durante uma espécie de olimpíadas entre as amazonas, a diretora Patty Jenkins deixa claro o seu talento para conduzir cenas de ação, mas não é a pioneira: na década de 90, Mimi Leder dirigiu O Pacificador (1997) e Impacto Profundo (1998), mas infelizmente não gerou uma nova onda de mulheres diretoras de filmes de ação – demorou mais de uma década para uma mulher, no caso a também talentosa Kathryn Bigelow, ganhar o Oscar de melhor direção com Guerra ao Terror, de 2008.
Após a boa recepção da crítica com o primeiro Mulher Maravilha (2017), era inevitável que um segundo filme seria produzido e que Patty novamente seria a diretora. Sua parceria com Gal Gadot deu tão certo que ambas trabalharão juntas em mais uma adaptação de Cleópatra. Outro ponto positivo foi a escolha dos intérpretes dos vilões: o astro da vez, Pedro Pascal (de Game of Thrones e O Mandaloriano) acerta o tom e convence em um papel difícil que facilmente poderia cair na caricatura. Maxwell Lord é falante, sedutor e nunca é estereotipado. Tanto o roteiro quanto a atuação de Pascal conferem uma dimensão humana ao personagem, um dos melhores vilões do cinema recente. O mesmo vale para Bárbara Minerva – em poucas cenas fica bem claro quem é Bárbara e quais são suas motivações e ambições.

A apresentação e desenvolvimento da personagem é dinâmica e Kristen Wiig, que é mais conhecida por papéis cômicos, prova que foi uma escolha melhor do que Sarah Paulson. Sua transição para a Mulher-Leopardo também é bem sacada e o visual, ainda que discutível, é bem resolvido. Passa longe do constrangedor Cats, mas também não impressiona com sua mistura de efeitos práticos e CGI. O confronto final entre ela e a Mulher Maravilha é eficiente e muito bem estruturado, a edição de imagens é precisa e o jogo de claro e escuro da fotografia foi uma boa idéia pra ajudar no disfarce do CGI – não, não existe nenhuma cena da Mulher-Leopardo durante o dia.
Emociona também o reencontro de Diana com Steve Trevor, que ao invés de ressuscitar, encontra uma maneira bem original de retornar. Se no primeiro filme era Diana que estava deslocada, agora é Trevor que tem dificuldades em se adaptar a década de 80 e a cena em que experimenta as roupas da época é hilária. Novamente ambos demonstram boa química em cena e nos agrada ver Diana feliz novamente com seu grande amor, tanto que nem fazem falta cem números de cenas de ação ininterruptas – as que existem já estão de bom tamanho e servem a história.
Longe de ser apenas um filme de empoderamento voltado apenas para o público feminino, Mulher Maravilha 1984 é uma obra que traz uma bela mensagem de esperança e ainda distribui no decorrer da projeção várias referências que vão desde “coffee? tea? me? (frase de Joan Cusack em Uma Secretária de Futuro, de 1988) até um cosplay do general Patton e uma grata aparição de Lynda Carter, a Mulher Maravilha original, na cena pós-créditos. Mesmo se tratando de uma heroína com super poderes, Diana aparece tão vulnerável e frágil como qualquer simples mortal. É neste valioso aspecto que Mulher Maravilha 1984 encontra seu diferencial.
Trailer
FICHA TÉCNICA
Título: Mulher-Maravilha 1984
Título Original: Wonder Woman 1984
Direção: Patty Jenkins
Data de lançamento no Brasil: 17 de dezembro de 2020
Warner Bros Pictures

Italo Morelli Jr.

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