Medo Imortal é um coletânea de contos de autores da Academia de Letras Brasileira evocando o sobrenatural com monstros, psicopatas e distúrbios da mente humana. Já na introdução de Romeu Martins nos mostra a importância de falar desses textos, uma vez que na tentativa de privilegiar a identidade nacional, uma parte dessas obras não teve a devida valorização pela crítica acadêmica na época por terem influências do horror europeu. No entanto, temos um passado byroniano que deve ser celebrado.
O autor nos mostra que o terror na literatura vivia um grande momento. No mesmo ano que Academia Brasileira de Letras foi fundada, Drácula, A Guerra dos Mundos e O Homem Invisível estavam sendo lançados. Martins também nos explica que Julia Lopes de Almeida está na coletânea, apesar de não fazer parte da ABL, mas na época foi cogitada, mas descartada por ser mulher. Fato que só muda em 1977 com Rachel de Queiroz. O livro também traz uma ótima introdução sobre Machado de Assis nos mostrando que o autor é um dos grandes criadores do medo em prosa no Brasil.
O primeiro conto do livro é o interessante A igreja do Diabo! O dono do inferno decidiu ter sua própria igreja, com o consentimento de Deus, trocando as virtudes por soberba, luxúria, preguiça, avareza, entre outras coisas. O diabo queria substituir Deus e prometia nunca faltar aos seus e que era necessário cortar o amor ao próximo, um grande problema em sua instituição. No entanto, o diabo descobriu que alguns dos seus mais fiéis seguidores, às vezes praticava bondade e nos deparamos com a eterna contradição humana. Um dos contos mais instigantes sem dúvida da obra, afinal, a humanidade nem é inteiramente má, nem boa.
O segundo conto de Machado é A vida eterna que tem um final incrível e um casamento muito suspeito entre uma jovem e um senhor. Já em Um esqueleto, temos o estranho Dr. Belém que guardava o esqueleto da esposa e chegou até colocá-lo na mesa para jantar com sua segunda mulher. Em Sem Olhos temos o questionamento se fantasmas existem mesmo e o tema adultério, bem ao estilo machadiano. Em A causa secreta temos a amizade de Garcia e Fortunato, este com atividades que perturbavam sua esposa Maria Luiza. O tema sadismo é bem explorado no conto. Por fim, o último conto de machado na obra é Pai contra mãe, Cândido neves não sabia fazer outra coisa que pegar escravos fugidos, se casou com Clara e tinham uma vida muito pobre. A tia da moça avisou que um filho os deixaria mais pobres, mas o casal insistiu. Achei o conto muito mais dramático do que de terror, é bem triste.
O segundo autor da obra é Álvares de Azevedo e o clássico Noite na Taverna. Na introdução sabemos da influência de Decameron de Boccaccio na obra com a técnica Narrativa Moldura, quando se insere na história principal outra história, formando um conjunto de histórias curtas.E Azevedo faz isso brilhantemente e outros autores como Neil Gaiman também beberam na mesma fonte, sendo o cenário Taverna usado em um dos arcos de Sandman. Noite na Taverna tem uma ambientação caótica, indeterminada e temas complexos abordados com superficialidade. Azevedo é confuso propositalmente e os temas são pesados como necrofilia, incesto, canibalismo, infanticídio, entre outros.
Uma das histórias pessoais que mais me chama atenção é da Coelho Neto. Dono de uma obra muito vasta, com grande reconhecimento na época, o autor caiu em ostracismo por conta de ataques pelo estilo parnasiano e erudito. Tanto que quase não se acha obra dele nas bibliotecas públicas. Em A sombra o personagem mata a esposa por ciúme, mas coloca a culpa na ciência, já que seu método de envenenamento por bactéria não funcionou. O autor consegue transitar sobre o sobrenatural a ciência de uma maneira que me prendeu do início ao fim. O conto é curto e um dos meus favoritos.
Aluísio de Azevedo não poderia ficar de fora da coletânea com Demônios. Naturalista, conhecido pelo clássico O cortiço, traz a metalinguagem para o conto com um escritor anônimo que é interrompido por uma sequência de catástrofes. Situações bizarras, suspense e medo definem a história.
João do Rio era mulato, acima do peso e gay. Inovou no jornalismo com suas reportagens sobre inferninhos e comunidades pobres. O autor foi bastante influenciado por Oscar Wilde. Em Dentro da Noite temos o curioso caso de um personagem que gosta de espetar os braços da noiva, sadismo sem dúvida, mas loucura também. O bebê de Tarlatana é ambientado no Carnaval do Rio e o protagonista encontra uma estranha mulher com fantasia de bebê de tarlatana rosa que parece que o persegue. O suspense sobre o que está atrás da fantasia vai crescendo gradualmente na história.
Por fim, mas não menos importante, Julia Lopes de Almeida também me chamou atenção. Na introdução que antecede os contos, descobri que a influência de Mary Shelley e seu Frankenstein chegou no Brasil a ponto de um jornal com público feminino manter com regularidade contos de terror, um feito e tanto para a época. No entanto, ao contrário dos autores, as mulheres não erotizavam as personagens, mas buscavam provocar empatia. Infelizmente, Julia foi desprezada pela crítica literária por muito tempo, mas a coletânea da DarkSide® Books resgatou alguns dos seus contos.
Em
As Rosas temos o caso de um jardineiro estranho, em
Os porcos (dedicado a Arthur de Azevedo), Umbelina fica grávida e seu pai quer dar seu filho aos animais. Sem dúvida é um conto cruel e li os último parágrafos com bastante horror. Já em
O caso de Ruth o terror se deve a depressão da protagonista e o abuso que sofreu. Em
A neurose da cor uma linda princesa sedenta por sangue, se torna uma assassina incontrolável! Já em
A valsa da Fome um pianista perdeu a irmã e estava inconsolável e com fome. Por fim,
A alma das flores, temos o curioso caso do personagem que visita o jardim do amigo e lá tem visões estranha de mulheres.
A edição da DarkSide® Books está linda, com capa dura, bordas amarelas e apenas citei alguns dos contos que me chamaram atenção, tem muito mais na obra! Como amante da literatura brasileira, ler Medo Imortal foi um deleite! Cada dia eu lia alguns contos, sem pressa, apenas apreciando. Acho que é uma ótima coletânea pra quem quer conhecer um pouco mais da nossa literatura e ler algumas histórias bem sombrias.
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Oi Mi,
Essas edições da Darkside realmente chamam nossa atenção, por mais que a premissa do livro/gênero não me atraia tanto....
Uma pena que são tão caras, porque eu queria comprar só para deixar a vista na estante, rs.
Beijos
http://estante-da-ale.blogspot.com/
As edições da Darkside dispensam comentários, os livros são lindos demais. Confesso que não gosto muito do gênero, mas para quem gosta, vale a pena investir em um livro como esse! ❤
https://www.kailagarcia.com
Oi, Mi!
Tinha que ser da Darkside né! Que edição maravilhosa, gente. Confesso que o livro em si não me interessa muito, acho que não é o tipo de obra que me envolveria, mas tô apaixonada por essa capa, e mesmo por dentro, é clara a dedicação deles com as ilustrações e revisão. Adorei!!
xx Carol
https://caverna-literaria.blogspot.com/
Oi Michele, eu Amei esta capa, mas não leria, por ser terror e tudo o mais. Apesar disso gostei de sua resenha e observações!
Beijos Mila
Daily of Books Mila
Olá, Michele.
Como uma boa resenha faz a gente mudar de opinião. Eu vi você divulgando o livro aqui no blog e fora a edição linda, eu não tinha me interessado por ele. Mas agora quero ler. Assim que aparecer aquelas promoções da editora na Amazon eu vou comprar.
Prefácio
Oi
eu já tinha visto essa capa e acho linda, não sabia que se tratava de um livros de contos Nacional e achei legal a proposta, que bom que gostou.
http://momentocrivelli.blogspot.com
Oi, Mi!
Essa edição é linda demais! E a diagramação está muito bonita também. Como a Denise, não sabia que era livro só de contos nacionais
Beijos
Balaio de Babados
Sorteio de aniversário Balaio de Babados e O que tem na nossa estante. Participe!