Categories: Uncategorized

Fogo & Sangue [Resenha Literária]

Quando vi que a Editora Suma iria trazer para o país o mais novo lançamento de George Martin, não me contive, foi um misto de sentimentos e uma pergunta passou por minha cabeça: que tipo de livro seria esse?
Enquanto o mundo aguarda ansiosamente a oitava temporada e última da série do épico jogo de fantasia A guerra dos Tronos, que será exibido na TV em abril próximo, seu criador, George R. R. Martin, finalmente lançou um novo livro. Mas, ao invés do sexto livro – que chegará depois do final da série -, ele lançou o primeiro de uma saga separada em duas partes. Fogo & Sangue lida com a Ascensão da dinastia Targaryen ao longo de Westeros, começando com Aegon, e terminando com seu descendente Aegon III. Imaginem a minha surpresa ao ler tantas críticas positivas e outras não tão boas assim antes mesmo de seu lançamento.
Entre uma série de outros reis e rainhas, geralmente coniventes para garantir seu controle sobre o notório trono de ferro, traições intermináveis, mortes horrendas e cenas de sexo (muitas vezes incestuosas, dada a tendência de Targaryen), Martin se referiu a este livro e sua próxima sequência como o “GRRMarillion”, uma alusão irônica a O Silmarillion de J. R. R. Tolkien, que em si foi uma tentativa postumamente publicada para preencher a história da Terra Média.
Para entender o desapontamento com o qual Fogo & Sangue será inevitavelmente recebidos por todos, menos pelos mais aficionados e comprometidos com Martin, imagine Tolkien escolhendo seguir As Duas Torres com uma espera de quase uma década por uma sequência, e liberando O Silmarillion entre os dois. No entanto, seu novo livro deve ser julgado por seu próprio mérito – isto é, como um exame cuidadosamente concebido de um mundo histórico fantástico.
Contado pela perspectiva do cronista histórico Arquimeistre Gyldayn, que oferece a Martin a oportunidade de jogar com um narrador não confiável, ele nos apresenta uma saga rica e sombria, cheia de ambos os elementos prometidos pelo título. É parcialmente inspirado pela história medieval britânica; muitos dos personagens principais são análogos aos reis da vida real, com Aegon, não há um milhão de quilômetros de distância do homônimo William. O impulso narrativo e a caracterização ousada dos outros livros de As Crônicas do Gelo e Fogo dão lugar a algo mais discursivo. Haverá um grupo central de leitores de George, para quem o volume irá responder a inúmeras questões e enigmas muito debatidos, mas é menos provável que aquele que não é tão fã se importe muito pouco realmente.
A leitura do livro é descritiva, minuciosa e o autor deixa claro que “a guerra dos tronos gira sem parar”. É impossível não se entusiasmar com as descrições de dragões envolvidos em combates aéreos, ou o dilema dos governantes que se derrotados devem ou não “dobrar os joelhos”, ou lidar com um final tão criativo e horrendo. O livro no mínimo compensará os devotos leais que aguardam ansiosamente à espera de sua continuação.
A história é localizada nas origens dos Targaryen, onde eles produziram pessoas de beleza impressionante, com lilás ou anil ou olhos de cor púrpura e cabelo cor de prata/ouro ou platina branca, presumivelmente ninguém mais era belo o suficiente para lidar com eles. Com uma sensação inteligente de que sua terra natal estava prestes a se tornar inabitável, seu animal de estimação: o Dragão, lhes deu uma vantagem considerável quando se tratou do que aconteceu a seguir.
O novo livro de Martin é essencialmente A Guerra dos Tronos: O Retorno. Ele escreve não em sua veia usual, aparecem muitas novas palavras vívidas, diálogos shakespearianos que revelam um certo humor masculino, e uma história que se estende no meio do caminho entre os Targaryen e Aegon I. Faltam diálogos na narrativa, mas o livro é rico em ação, existem quedas de Reis, facções políticas, raiva religiosa e inúmeros conflitos familiares. Os eventos são extraídos de textos antigos, documentos e rumores obscuros.

Fogo & Sangue é com certeza a emoção de todo o trabalho de fantasia do autor: mitos familiares desmascarados, toda a tabela de tropas invertidas. Toda a frágil noção de heroísmo é expulsa de sua janela metafórica que dá também para um poço metafórico. Indivíduos monstruosos surpreendem com atos de nobreza, e personagens nobres fazem algo imperdoável. A saga da peça central do livro desenrola a história da Dança dos Dragões, onde temos um circo com inúmeros ringues de brigas fervilhando e recheadas de suspense. As motivações iniciais se perdem no banho de sangue e quem ganha nunca chega a se sentir vitorioso.
Eu me pergunto, também, se Martin está fazendo algo especialmente sorrateiro aqui. Há algo que transcende sobre os próprios Targaryen. Nós ouvimos muito sobre “sangue puro valiriano” e a própria crença da família de que sua história genética primitiva os torna invencíveis. E ainda assim, seu destino é implodir pra dentro quando não estão ativamente devorando uns aos outros. Essa linhagem se transformou em algum tipo de fantasia ultra-colonial: uma história família que é parte anglo-saxônica, uma parte que lembra Roma e outra que os estudiosos modernos pensam de Cristóvão Colombo.
Fogo & Sangue é um paliativo perfeitamente agradável enquanto o mundo espera – e espera – pela sexta parte de As Crônicas do Gelo e Fogo. Mas não prenda a respiração, The Winds of Winter (ou Os Ventos do Inverno), é mais do que um título, e talvez George Martin esteja tentando nos dizer algo.
Não poderia deixar de falar a respeito dessa edição, são quase 600 páginas, recheadas de ilustrações do artista gráfico Doug Wheatley, que vieram pra somar com tudo o que o livro representa. Em uma edição sem falhas de diagramação, com um texto riquíssimo e com ilustrações que me proporcionaram a ter uma linda visão do novo livro de George Martin, a Editora Suma surpreendeu no todo e a edição se tornou uma das minhas favoritas.
FICHA TÉCNICA
Titulo: Fogo & Sangue
Autor: George Martin
Nota: 5/5
Onde Comprar: Amazon

Natália Silva

Na Nossa Estante

View Comments

Recent Posts

Antes Ódio Do Que Nada [Resenha Literária]

Antes ódio do que nada é o segundo livro das irmãs Wilmot da autora Chloe…

2 dias ago

Mufasa: O Rei Leão [Crítica do Filme]

O clássico O Rei Leão (1994) completou 30 anos de seu lançamento e ainda é…

3 dias ago

Black Doves [Crítica da Série]

Assisti Black Doves (disponível na Netflix) por conta da Keira Knightley, já que o tema…

4 dias ago

Aquele Natal [Crítica do Filme]

Cansada das comédias românticas natalinas, resolvi conferir Aquele Natal, animação na Netflix, baseada nos livros…

1 semana ago

Mais Sombrio [Resenha Literária]

Mais sombrio é a nova coletânea de contos do Stephen King e é para mim…

2 semanas ago

Detetive Alex Cross [Crítica da Série]

Baseada em um dos personagens dos livros de James Patterson, a série Detetive Alex Cross,…

2 semanas ago

Nós usamos cookies para melhorar a sua navegação!