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Não me abandone jamais [Resenha Literária]

Confesso que jamais tinha ouvido falar de Kazuo Ishiguro até ele receber o Prêmio Nobel de Literatura e não pude resistir à oferta de leitura da Companhia das Letras (achei a ideia fantástica, aliás). A bem da verdade, não acompanho prêmios literários e muito menos faço minha rota literária através deles, mas algo nas reportagens que li sobre Ishiguro me despertou curiosidade e, após ler Não me abandone jamais, posso dizer que não estou arrependida de ter desviado do meu caminho de leitura tradicional. Para ambientalizar bem esse post, vamos à música que dá nome ao livro:
“Bem, o fato é que eu não costumava ouvir a letra direito; ficava só esperando aquele trecho que dizia: ‘Baby, baby, não me abandone jamais…’. E o que eu imaginava era uma mulher que não podia ter filhos, mas que queria muito ser mãe, que sempre quisera ser mãe, a vida toda. Aí então ocorre um milagre qualquer, ela tem um filho e sai cantando, com ele agarrado no colo: ‘Baby, não me abandone jamais…’, em parte porque se sente muito feliz, mas também porque receia que algo aconteça, que seu bebê fique doente ou seja levado embora. Mesmo na época eu percebia que isso não devia estar lá muito correto, que essa minha interpretação não se encaixava com o resto da letra. Mas eu não via o menor problema nisso. A música era sobre o que eu achava que era, e gostava de escutá-la repetidas vezes, sozinha, sempre que surgia uma chance.”
(p. 90)
A narração em primeira pessoa traz um ritmo interessante e aconchegante à história. Kathy H. divide suas memórias como se estivesse conversando e, em seus vai-e-vens de lembranças, vamos descobrindo aos poucos qual é a questão central do livro, já que não é algo que fica claro na sinopse. Eu fiz absoluta questão de não ir atrás de outras informações (nem mesmo da sinopse do filme, que certamente é mais direta) e me deixei levar pela narrativa de Ishiguro, que é algo que eu aconselho a todo mundo – e que, ao mesmo tempo, complica meu trabalho de resenhista.
Aliás, meu problema não é nem a questão do que revelar aqui ou não, mas sim o fato da história de Kathy ser um daqueles livros que passamos tempos e tempos remoendo. A leitura fluiu muito bem e, mesmo com as corridas do dia a dia, li em menos de uma semana as 340 páginas do livro. Porém, o ritmo de leitura nada tem a ver com o ritmo de assimilação da história, já que certamente, se eu o lesse de novo agora, prestaria atenção a detalhes que antes haviam me escapado. Sem dúvida alguma, é uma história que causa uma impressão diferente a cada leitor.
Para dar uma pincelada geral no enredo: Kathy, Tommy e Ruth foram criados no internato Hailsham e é com as lembranças de lá que a narrativa começa. Um lugar isolado do resto do mundo, mas nem por isso menos maravilhoso. A grande questão é: onde a vida das crianças de Hailsham se encaixa com a vida das pessoas que nem sequer sabem da existência daquela escola? É isso que Kathy e Tommy, em inúmeras conversas durante a vida, tentam entender, enquanto Ruth se sente segura o suficiente para não se preocupar com isso. Enquanto Ruth demonstra autoconfiança, Kathy se questiona muito, apesar de isso não impedi-la de aceitar e ser feliz com sua vida. Já Tommy, também cheio de perguntas, vive entre angústias e tem que aprender a lidar com seus ‘ataques’ emotivos.
A amizade entre Kathy e Tommy é, a meu ver, a coisa mais legal da trama toda, apesar de eu ter ficado terrivelmente chateada com o seu final. Já Ruth é um tanto arrogante e, admito, não entendo como Kathy podia considerar tanto a sua amizade. Mas talvez seja essa mesmo a proposta de Ishiguro: mostrar as diferentes atitudes de pessoas unidas por um mesmo contexto. E, no caso de Hailsham, é um contexto um tanto quanto significativo.
O livro, publicado em 2005, foi adaptado para o cinema em 2010, com Keira Knightley como Kath. Talvez o trailer lhes diga o que eu não soube dizer (mesmo sabendo que adaptações nunca seguem o ritmo do livro e, só pelo trailer, ter visto que há detalhes ali inexistentes na narrativa de Ishiguro):
No mais, o que posso lhes dizer agora é que, com certeza, vou tentar ler outros livros de Kazuo Ishiguro. Não pelo Nobel, mas sim por, aparentemente, conseguir ter seu próprio estilo de escrita e fugir de qualquer comparação a outros autores. Ou seja, não é à toa que foi contemplado com o Nobel mesmo sem ter conquistado legiões de fãs mundo afora. Aliás, talvez tenha sido ele que tenha me chamado a atenção: jamais ter visto qualquer referência a ele, fosse na lista de mais vendidos, fosse em posts literários com indicações de escritores contemporâneos.
FICHA TÉCNICA
Título: Não me abandone jamais
Título original: Never let me go
Autor: Kazuo Ishiguro
Edição/Ano: 2ª/2016
Páginas: 343
Gênero: Ficção
Onde Comprar: Amazon

Ana Seerig

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