A Noite da espera [Resenha Literária]

Descendente de libaneses, Milton Assi Hatoum é escritor, tradutor e professor, natural de Manaus, Amazonas. Hatoum lecionava literatura na Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e na Universidade da Califórnia em Berkeley e é autor do conto A cidade ilhada de 2009 (Livro de Contos) e de quatro romances: Relato de Um Certo Oriente de 1989, Dois Irmãos de 2008 (esse foi adaptado para os quadrinhos pelo Fábio Moon e Gabriel Bá e depois virou série na TV Globo), Cinzas do Norte de 2005 e Órfãos do Eldorado de 2008, todos publicados pela Companhia das Letras.
Hatoum ganhou Prêmio Portugal Telecom de Literatura com Cinzas do Norte, e o Prêmio Jabuti para seus outros três romances. Só no Brasil, seus livros já venderam mais de 200 mil exemplares, sendo traduzido para mais de oito países. Ele costuma abordar temas como famílias desestruturadas e possui uma leve tendência política. Em Cinzas do Norte e Dois Irmãos, ele faz uma sutil crítica ao regime militar brasileiro e é atualmente considerado um dos grandes escritores vivos do país. 
Eu já tinha ouvido falar de Milton Hatoum, mas ainda não tinha tido o prazer de apreciar sua obra, e ter a oportunidade de possuir o seu novo trabalho foi muito gratificante. Ao pesquisar mais sobre o autor, descobri que ele aborda assuntos como problemas familiares, política, alguns mitos e cita sempre que possível, o seu local de nascimento, a Amazônia. 
Em A Noite da Espera, primeiro volume da série O Lugar Mais Sombrio, Hatoum usa dessa técnica e aborda esses assuntos de maneira clara e, por vezes, sutil. Nesse primeiro volume conhecemos Martin, um adolescente paulista que se vê diante da separação problemática dos pais e que de uma hora para outra tem sua vida virada por ter que se mudar para Brasília, Distrito Federal com seu pai. Estamos no fim dos anos 60, Brasília havia sido inaugurada em 21 de Abril de 1960, pelo então presidente Juscelino Kubitschek e era um cidade praticamente em construção e expansão. Migrantes de todas regiões do Brasil estavam lá para ajudar na construção dessa cidade que, até então, era sinônimo de esperança para muitos. 
A cidade crescia ao redor do centro político do país, e Martin se mudou em um tempo difícil, em Abril de 1964 o Regime Militar foi instaurado no país (durando até 1985) e era um tempo de liberdade vigiada, onde qualquer coisa poderia denotar algo maior e prejudicar as pessoas. Seu pai, um Engenheiro Civil vai morar na Ala Norte de Brasília, que para ele é um insulto, já que ele “merecia coisa melhor” como a Ala Sul da cidade. Matin vai estudar na UNB e acaba aceito em um grupo de amigos que fazem teatro, escrevem e alguns são militantes políticos. 

Não me machucaram quando fui detido em março de 68. Mas os pesadelos, a violência, e tudo que vem acontecendo na vida de muitas pessoas dão a Brasília um sentimento de destruição e morte que nem sequer os palácios, a Catedral, as cúpulas do Congresso e todas as curvas desta arquitetura conseguem dissipar. Pág, 150.

A escrita de Hatoum é ótima, ele descreve muito bem os lugares, e mesmo conhecendo a cidade apenas pela TV ou livros, conseguimos imaginar os locais. Ele consegue viajar praticamente pelo país todo com seus personagens, desde o Amazonas até a região sudeste, em especial minha cidade, Jundiaí, que é citada algumas vezes e me deixou surpreso. A narrativa é feita por cartas, ou textos em um diário, todas datadas que viajam entre Brasília e Paris com uma diferença de, mais ou menos, dez anos. Nessas anotações sabemos como era a vida de Martin, o que ele achava de seus amigos, o que eles faziam, entre outras coisa. As anotações feitas em Paris, são mais como lembranças, ou até mesmo complemento para alguma situação anterior que ficou sem explicação. Em alguns momentos eu fiquei perdido com esses saltos no tempo e alguns diálogos, mas depois isso não chega a atrapalhar.
O Regime Militar é abordado de forma sutil, sem uma crítica ferrenha, como os integrantes do grupo de Martin são na sua maioria “artistas” eles sofriam com represálias, censura e sempre se preocupavam em o que poderiam dizer em público. Por estarem envolvidos nesse mundo, há muitas referências à grandes obras, livros de várias línguas, clássicos da literatura e grandes autores. Assim como filmes e diretores da época. Reuniões secretas também era algo comum, já que a maioria era contra o sistema político da época. Todo esse mundo era um pouco estranho para Martin, no começo. Seus amigos eram desde filhos de senadores, embaixadores e até mesmo moradores das Cidades Satélites
Todas personagens são bem trabalhados e tem seu estilo próprio, um complemente o outro de uma forma ou outra, e passamos a nos importar com alguns e não muito com outros. Não há dramas excessivos nem enrolação demasiada, a narrativa vai de acordo com a vida e seus acontecimentos. O autor deixa uma curiosidade no fim de cada carta, e faz com que ficamos ansiosos em saber logo o que vai acontecer. 
Em vários momentos eu torci por Martin, dava para sentir sua solidão e abandono. Nem sempre as coisas saiam como previstos, e toda frustração dele passa para o leitor. 
A Noite da Espera é um retrato de uma época conturbada do nosso país vista de um adolescente que acabou de chegar ao centro de todos os acontecimentos, Brasília – DF. É uma leitura fácil e prazerosa, deixa o leitor curioso para o que vai acontecer e quais serão as decisões de Martin. Ainda há muita coisa para ser contada e o autor não deixou muitas pistas dos principais problemas do protagonista. Que o segundo volume dessa série venha logo. E deixo aqui meu pitaco que essa série de livros pode virar filme ou série de TV. 
FICHA TÉCNICA
Título: A Noite da Espera – O Lugar Mais Sombrio # 1
Autor: Milton Hatoum
Onde Comprar: Amazon

7 thoughts on “A Noite da espera [Resenha Literária]

  • 1 de dezembro de 2017 em 13:59
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    Olá, já tinha ouvido falar do autor pela propaganda da série dois irmãos mais nunca tinha identificado suas obras. Essa é uma história bem impactante e tem uma premissa que dá vontade de saber mais.

    https://mundofantasticodoslivros.blogspot.com.br

    Resposta
  • 1 de dezembro de 2017 em 15:18
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    Olá,

    Não conhecia o livro, confesso que não é muito o meu tipo de leitura, mas adorei conhecer um pouco mais da obra pela resenha.
    Quem sabe futuramente eu leia.
    Bjs
    http://diarioelivros.blogspot.com.br

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  • 1 de dezembro de 2017 em 16:15
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    não li em detalhes qd vc começa a falar do livro pq adoro esse autor e quero ler esse livro. essa capa é linda e muito bonita a montagem q fez para a foto. até já comecei a ver uma entrevista com o autor sobre o livro, mas ele começou a dissecar as fases, mudei de canal. gosto de ler antes de ter informações. beijos, pedrita

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  • 1 de dezembro de 2017 em 21:51
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    Oi!! Eu adoro livros nacionais e que abordam de alguma forma uma época do país. Achei bem interessante envolver a ditadura e fiquei curiosa para conhecer a escrita do autor. Bjos <3

    Click Literário

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  • 2 de dezembro de 2017 em 00:35
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    Oi, Renato. Eu não conhecia as obras do autor, mas já gostei um pouco dele, isso porque eu entendi as referências a Brasília, minha cidade natal, inclusive estudo na UnB, então já fico com aquele sentimento de pertencimento com a obra. Eu não sei se leria o livro porque não sou familiarizada com esse tipo de gênero nem assunto, mas adoraria conhecer mais sobre o autor e seu ponto de vista sobre o Brasil.
    Beijos
    http://www.leitoraencantada.com/

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  • 2 de dezembro de 2017 em 02:22
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    Nunca tinha ouvido falar, mas parece ser bem interessante mesmo não sendo o estilo de livros que eu costumo ler!

    Beijos
    Próxima Primavera

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  • 3 de dezembro de 2017 em 02:53
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    Oi
    não conhecia o livro e nem o autor, mas deve ser uma boa leitura por retratar um período difícil do Brasil, mas confesso que dificilmente procuro livros assim, preciso ler mais livros desse gênero.

    momentocrivelli.blogspot.com.br

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