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Três Luzes [Resenha do Filme]

O novo longa-metragem do jovem diretor japonês Kohki Yoshida, Três Luzes (Mittsu no Hikari) é exibido nesta 41ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no panorama da ‘Perspectiva Internacional’. Mais um dos vários filmes dessa edição a debater o vazio existencial, especialmente a falta de muitas perspectivas dos jovens (e jovens adultos) de nosso tempo.
A obra nos traz a história de Michiko (Emi Maki) e Aoi (Kazuha Komiya), duas amigas, uma mais jovem que a outra, porém que compartilham a seus modos do mesmo sentimento de solidão. Michiko é uma esposa de classe média que divide sua vida entre o emprego num call center e o trabalho doméstico, e se distrai nas aulas de tênis; Aoi é uma professora de creche que passa seu tempo solitária em casa ou compondo músicas minimalistas no teclado.
A relação de Michiko com o marido é a mais triste que se possa imaginar. Chega a ser deprimente a câmera nos torturando ao enquadrar o olhar piedoso e sedento da mulher procurando o olhar displicente do esposo. Ou o mecanicismo e a frieza do sexo (o blow job mais triste da história do cinema).
Quando não está trabalhando, Michiko passa as tardes em casa, absorta em sua solidão, olhando atônita para o nada, procurando no vazio de fora alguma distração pro vazio de dentro, na “companhia” de um robô doméstico, único a fazer algum som a romper o silêncio sepulcral do ambiente (e às vezes é enquadrado também, para nos entreter um pouquinho, e mostrar o quanto sua “vida” é mais emocionante que a de Michiko). Aliás, robótica é sua rotina, entre atender telefone no emprego (com aquela simpatia protocolar) ou lavar a louça e fazer o jantar em casa (o único momento em que o marido nota sua presença não é quando ela passa por ele, e sim quando ela liga a torneira na cozinha).
A vida de Aoi não é menos deprimente; mas pelo menos ela tem consciência disso (ao contrário de Michiko, que ainda tenta se enganar, e tenta, cheia de boas intenções, ajudar Aoi – como se fosse diferente). Um relacionamento frustrado e terminado da forma mais humilhante possível, com um noivo tão psicopata quanto o marido da outra; um emprego deplorável cuidando de crianças mimadas, que ela ainda perde depois das queixas de uma mãe – acusando-a de não dar atenção pra sua filhinha (sim, uma mãe acusando a professora de creche de não dar o carinho maternal a sua filha).
A única distração de Aoi é tocar seu teclado. Porém, as músicas que ela compõe (e filma vídeos para postar na internet) são tão apáticas quanto ela. O silêncio e o vazio preenchem os tempos de sua composição. A garota foge de relações humanas (com a amiga, por exemplo) pra passar a noite sozinha no pequeno quarto onde mora; recebe a notícia do rompimento do noivado com uma reação catatônica; e o que podia encontrar de fuga na arte, ela encontra com a mesma catatonia. Tudo até o dia em que sofrer um colapso nervoso, com tanta emoção reprimida.
Michiko se encontra com o seu jovem professor de tênis, Masaki (Hiroshi Suzuki) e com ele mantém uma relação extraconjugal que lhe dá a porção de carinho, atenção e sexo passional que não tem do marido. Através deles, Aoi conhece K. (Ryo Ikeda), com quem começa a se relacionar também; os dois amigos, Masaki e K., aliás, são o oposto um do outro.
A personalidade amável e dócil de Masaki, sua quase timidez ao lidar mesmo com suas alunas, se opõe ao explosivo e narcisista K. Mas de certa forma, a dinâmica entre os quatro começa a funcionar bem, especialmente depois que eles reativam um estúdio abandonado no subúrbio da cidade e começam a se encontrar ali para gravar música experimental.
A partir daí, Michiko até se lembra que sabe tocar flauta, e se reconecta com seu eu-artístico. Aoi traz seu teclado. Masaki como produtor e editor. Eles tentam gravar uma música de Aoi. Tudo fica melhor quando Aya (Natsumi Ishibashi) surge e traz ao grupo uma voz, mesmo tendo que escapar da vigilância do seu possessivo agente, Taiki (Takenori Goto).
Porém, é com a promessa de um sucesso, que o que antes eram encontro e criativas experiências de intervenção urbana (colocando sua música em alto-falantes públicos para se contrapor a opressiva poluição sonora de uma metrópole como Tokyo), torna-se hostilidade e competição; é quando verdades vêm à tona e máscaras [literalmente] caem.

Três Luzes é a história de três jovens, duas mulheres e um homem; mas se você está se perguntando “seriam eles as três luzes do título?”, eu diria que não necessariamente. Dependendo de uma certa perspectiva que se olhe, podem ser também três mulheres (Aya uma delas, mesmo sem figurar no núcleo principal de personagens).
Parece banal, mas há um significado no título. Saber de quem se trata a história é central para se destrinchar esse significado, porque é saber de quem é a jornada que a trama nos conta. Podemos olhar para “Três Luzes” como sendo sobre a jornada de duas mulheres orbitando em torno de um homem, tanto quanto pode ser a jornada de três mulheres numa realidade dependente da figura masculina (falocentrista).
Eu falo de três: Michiko, Aoi e Masaki. Mas e o misterioso K.? Afinal, há quatro pessoas durante grande parte da história. O título é um interessante jogo de linguagem que esconde o segredo da trama e só ao final é justificado. Vale a pena ficar atento sobretudo à dinâmica das personagens, pois ao final certos detalhes precisarão ser retomados.
Não só o jogo de linguagem do título é inteligente, mas também o diretor e roteirista Yoshida tem uma sacada sagaz quando escreve e filma seus diálogos e cenas. Até um provocativo humor negro surge às vezes. Os diálogos são, aliás, firmes; embora se inicie meio frio, ao meio da trama estamos já inflamados por diálogos interessantes. O ritmo do filme é meio lento, o que pode incomodar alguns não muito acostumados com esse compasso; do segundo para o terceiro ato, também, o enredo se arrasta um pouco.
Há dados em subtexto que expressam mais do que a história principal; dão pistas sobre o universo em que essas personagens estão inseridas, sobre um Japão contemporâneo, habitado por esses tipos de personagens. A mãe que negligencia amor aos filhos (e exige isso da professora), o pervertido que liga para Michiko no call center (onde existe até um protocolo já para lidar com essas situações; sugerindo serem recorrentes), a impessoalidade nas relações das personagens principais.
Tudo está em consonância com alguns dados do Japão contemporâneo (segundo notícias na imprensa): um grande problema de frieza e individualismo marcando a sociedade; jovens morrendo de fadiga por causa da obsessão pelo trabalho; escapismo e autismo sociais (há, inclusive, os que trocam a vida social seriamente pelo mundo virtual e até por relacionamentos com robôs); um crescente número de homens jovens conscientemente se negando a sociabilização, ao sexo, ao contato humano; mulheres solitárias e provocadas por um rigorismo cultural tradicional que prega a necessidade do casamento; altos índices de depressão e suicídio.
Aqui no filme de Yoshida, nem a música (e a arte é sempre tão potente nas coisas do coração) parece ser capaz de penetrar a alma dessas pessoas de forma plena e satisfatória, ou de emprestar-lhes vida.
Sua obra parece ser um comentário sobre o próprio distanciamento humano marcando a contemporaneidade. É mais salutar ainda que o diretor opte por colocar duas mulheres como protagonistas, pois as atrizes emprestam a seu roteiro e às suas personagens uma perspectiva genuinamente feminina desse modelo de sociedade.
Os três personagens mais ao centro da trama seriam as três luzes; de esperança? No fim desse túnel? É irônico, inclusive, o filme se passar quase todo no escuro e as ações das personagens sempre aflorarem mais durante a noite, sob as luzes de espaços fechados ou sob as luzes dos postes e da cidade. As nossas três luzes, porém, terminam apagadas, não deixando o espectador muito feliz caso ele espere um desfecho cheio de brilho e alguma redenção para esse universo retratado na tela.
TRÊS LUZES (THREE LIGHTS), de Kohki Yoshida (100′). JAPÃO. Falado em japonês. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 16 anos.
CINEMATECA – SALA BNDES 19/10/17 – 19:10 – Sessão: 16 (Quinta)
CINESALA 21/10/17 – 18:00 – Sessão: 201 (Sábado)
PLAYARTE SPLENDOR PAULISTA 01/11/17 – 17:40 – Sessão: 1397 (Quarta)
Gui Augusto
Na Nossa Estante

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