Satã Disse Dance é o filme da jovem diretora polonesa Katarzyna Roslaniec. Figurando na “Perspectiva Internacional” dessa 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a coprodução entre Polônia e Holanda traz uma história de uma confusa garota nos seus 20 e poucos anos, amadurecendo nos tempos do instagram, e com uma pulsão vital de liberdade quase suicida.
Karolina (Magdalena Berus, atriz recorrente em trabalhos com a diretora), é uma jovem garota entrando na vida adulta. Seu conflito é apegar-se a alguma coisa sólida em sua vida, ao mesmo tempo em que não quer abandonar a radical liberdade de se divertir a qualquer custo e ser sexualmente irresponsável. Admirando homens como ela, e convivendo entre eles no seu universo, em certo momento ela descobrirá que é mais diferente deles do que imagina, e talvez essa vida que quer para si seja uma máscara.
O filme utiliza recursos estéticos pretensamente inovadores porém meio clichês do gênero: isto é, o típico filme de jovens rebeldes vagando pelas partes decadentes da cidade, entre baladas, drogas e muito sexo. Porém, um recurso interessante é a referência à máscara. Interseccionados com as cenas, breves planos do rosto digitalizado de Karolina num fundo negro surgem na tela, e isso ao longo de todo filme; a cada vez que esse plano intervém, um efeito de máscara como o do instagram stories vai modificando o rosto dela, enquanto a sua própria voz narra seus pensamentos na forma de um conto fantástico meio tenebroso que criou para explicar a própria vida. Mas o efeito dessa máscara é inverso e a cada vez que vamos sabendo mais da vida e dos pensamentos de Karolina, seu rosto ressurge mais irreconhecível e deformado.
Há no filme uma certa tentativa de diálogo com os tempos contemporâneos, de uma juventude que vive hiper conectada e mais do que nunca pode dar vazão ao seu narcisismo da forma mais histérica possível. O próprio formato da tela é o tempo todo, até o final, fechado nas proporções de uma tela de celular (e não nos tradicionais formatos de cinema como widescreen etc.). Mas soam mal colocadas essas experiências visuais, sendo talvez o melhor aspecto desse diálogo a inversão da finalidade da máscara de instagram – causando um irônico efeito de estranhamento ao revelar o feio e não a beleza forçada que um efeito digital desses tenta construir nas pessoas.
O filme discute também o vazio da juventude, a frivolidade de suas pulsões de um flerte constante com o perigo e a aventura. Como ele parece um gênero já, e a diretora tem vários filmes dessa temática, ele nos remete muitas vezes a filmes assim dos anos 80; inclusive pela ambientação da cidade e alguns cenários, parece que estamos nalguma cidade alemã daquela fase de “David Bowie em Berlim”, jovens rebeldes, muita droga, techno e synth pop rolando nas festas. Mesmo que inconscientemente, o filme acaba gerando um diálogo entre essas duas épocas suscitando uma semelhança bem direta entre essas duas juventudes.
A referência a Satã, como fica evidente numa das capas do filme, é a própria referencia a sexualidade feminina. A imagem de satã nas religiões pagãs do norte da Europa sempre foi ligada a fertilidade feminina, posto que o Deus cornífero (constantemente representado com cabeça de bode) tem o formato dos chifres e da cabeça similar ao aparelho reprodutor da mulher. Então sempre foi símbolo de emancipação e liberdade sexual femininas, não por menos muito rapidamente passou a ser associada a algo ruim quando a influência da Igreja Católica tomou toda a Europa.
O filme não cresce muito em termos de narrativa, e chega um ponto em que se torna repetitivo. Talvez um recurso para nos colocar no psicológico daquela personagem e vivenciarmos todo o vazio existencial de uma vida errante que se repete ou só vai a lugares igualmente vazios, mesmo assim ele requer um esforço do espectador. Até porque o filme tem também muitos diálogos, só que a abundância de diálogos pode ser um tiro no pé quando eles são fracos ou mal escritos (o que é o caso aqui); e tem uma protagonista pouco carismática e uma atriz que não convence muito no papel.
Com uma fotografia até estilosa e alguns recursos na edição que deixam o filme dinâmico e moderno, a história desenvolvida não chama a atenção e nem soa interessante por todos os outros problemas técnicos. Também é daquela trama que já se tornou quase um gênero do tanto que estamos habituados e até cansados de ver histórias de uma juventude irresponsável se autodestruindo – talvez o único aspecto interessante trazido por este filme seja o de a protagonista ser uma mulher e vermos uma perspectiva bem feminina atrás e a frente das lentes desse tipo de história. Mas só agrada àqueles ao qual o próprio gênero atrai. Se este tipo de enredo não for o seu, nem perca seu tempo.
SATÃ DISSE DANCE (SATAN SAID DANCE), de Kasia Roslaniec (97′). POLÔNIA, HOLANDA. Falado em polonês. Legendas em inglês. Legendas eletrônicas em português. Indicado para: 18 anos.
ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – AUGUSTA ANEXO 4 22/10/17 – 20:00 – Sessão: 311 (Domingo)