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A Nona Vida de Louis Drax [Resenha do Filme]

Conferimos a Cabine de Imprensa de A Nona Vida de Louis Drax
Se outro dia eu trouxe aqui um filme com o Mr. White, hoje eu vou falar de um filme com o Jesse Pinkman, bitch! – tá, e vou parar com essas referências a Breaking Bad, porque já deu, né… Aaron Paul é Peter neste novo longa de Alexandre Aja. Peter é pai do garoto Louis Drax (Aiden Longworth), uma criança especial em vários sentidos, e constitui uma família padrão, e aparentemente satisfeita, com Natalie (Sarah Gadon). O trio de atores é acompanhado por Jamie Dornan, fazendo o Dr. Allan Pascal – seria uma menção ao pensador francês Blaise Pascal? Aliás, há outras referências interessantes despontando neste filme, muito marcado também por uma estética lúdica e arroubos de fantasia; mas não se engane: é um suspense dramático, e aborda, na verdade, uma temática até mais séria.
A rápida e incisiva sequência inicial vem carregada de pequenas gags de humor negro, sob a voz off do menino Louis Drax explicando sua infância desde o nascimento e como é “especial” por ser mais propenso do que os outros a “sofrer acidentes” – ilustrados nas cenas – e que já quase morreu pelo menos umas oito vezes. Como fica óbvio no título, veremos então a história de sua nona vida, misteriosa e reconstituída como num filme policial (o menino conduz a recriação da “cena do crime” a partir de vários dados gradualmente revelados), e como ele renasceu para esta, sua vida definitiva, embora ao custo de muita tragédia.
Drax não nos narra sua história apenas na sequência de abertura, também durante o estado de coma ele nos conta mais enquanto é “entrevistado” por uma misteriosa voz de um bizarro monstro marinho, cujo conheceu quando caiu no mar, de cima do penhasco, neste seu nono “acidente”, e que agora o acompanha nas alucinações do coma (e quem viremos a descobrir ser algo mais além de mero produto de sonho). Ele então conta da preocupação e do amor da mãe consigo desde bebê, do carinho e atenção do pai, apesar das ausências, e das idas ao icônico Dr. “Gordo” Perez, psicólogo e hipnólogo no qual a mãe o levava na tentativa de “curar” seu perfil introvertido, hostil e borderline.

 Louis Drax é de fato um menino estranho. Na verdade, nas idas ao Gordo Perez pode-se dizer que era ele quem analisava o analista. Não basta a presença do nome de um filósofo (Pascal) no roteiro, Drax é por si só um filósofo; e um dos da “pior” espécie: aquele extremamente lógico e frio, racional e provocador, de um existencialismo profundamente nietzschiano. O tempo todo o garoto desafia os adultos ao seu redor com verdadeiras trincas filosóficas; questiona o jogo de aparências do mundo adulto, certa hipocrisia ou certa fuga do compromisso com as próprias posições, típica do adulto – especialmente face às crianças. Drax é o puro arquétipo junguiano do trickster, a todo tempo desnudando os outros personagens e escancarando suas contradições com sarcasmo e ironia.

Nosso herói mirim será ajudado em grande parte pelo renomado Dr. Allan Pascal, um médico teórico e neurocirurgião meio famoso, com livro lançado e palestras no Ted Talks. Quem irá gostar bastante desta ajuda é a mãe do menino, e quem não irá gostar muito disso é a esposa do médico, se é que você me entende… Pascal é tentado pelo charme da jovem mãe, e este é um dado importante, pois a psicologia da personagem de Natalie será explorada no suspense.
Na verdade, há até uma sutil referência, hilária para quem captar, e escondida numa cena insólita, inteligentemente sugerindo uma traição. Natalie chega ao hospital e saindo da porta do elevador é enfocado com detalhe em suas mãos, o viveiro do hamster de estimação do filho; o pequeno roedor chama-se “Rasputin”. Para quem conhece a história, sabe que Rasputin, conselheiro e místico da Corte do Czar Nicolau II, na já decadente Rússia feudal, de “pequeno” não tinha nada, e era famoso por seu membro e seu sucesso entre as damas da Corte, inclusive a própria Rainha – todas curiosas para dar uma conferida na sua “fama” e dispostas a trair seus maridos para isso. O momento específico no qual essa cena é colocada na decupagem, os enquadramentos e o efeito de câmera lenta sugerem uma traição, mas escancarada só para quem sacou a referência. Uma das maiores belezas da linguagem do cinema é poder jogar com os detalhes, e é realmente muito divertido quando um enredo e um roteiro fazem isso bem – como temos inúmeros exemplos nas séries da Marvel na Netflix.

Se por um lado, grande parte do efeito cômico do filme (apesar de um drama) é dado pelo comportamento insolente de Louis Drax, por outro, compreendemos essa sua natureza, pois ele esconde um segredo mais obscuro. Na verdade nem ele mesmo sabe qual o motivo de ser assim e possuir tal comportamento. O Dr. Pascal, ajudado pelo Dr. Perez, irá explorar com métodos psicanalíticos profundos o próprio subconsciente de Louis, onde toda a investigação encontrará seu fim. Com efeito, grande parte das respostas está ocultada lá, devido ao sofrimento experimentado por ele durante a vida (ou as vidas), e o suspense centra-se nessa revelação. 

A fantasia serve para acobertar a realidade, muito mais profunda e triste, lembrando bastante a trama de Ponte para Terabítia (2007), de Gabor Csupo – filme bem mais interessante e underrated do que parece. Esse movimento narrativo, aliás, é velho no cinema, e já esteve em filmes como Labirinto: A Magia do Tempo, de Jim Henson – com um David Bowie memorável na trilha e na atuação – ou O Labirinto do Fauno, de Guillermo Del Toro. É perceptível, aliás, certa influência de Del Toro no francês Alexandre Aja, pelo hábito de criar seres fantásticos e mundos mágicos para permear suas histórias dramáticas (como neste seu Louis Drax e em Amaldiçoado), ou na predileção pelo cinema de horror (diretor e produtor de filmes como Espelhos do Medo, Viagem Maldita e Alta Tensão, e também do genialmente tosco Piranha 3D).

O ponto de vista infantil é a força narrativa, de tom inocente e fantasioso, trata, no fundo, de obsessão, amor e ódio; da desestruturação de um núcleo familiar; e também da carência por um amor saudável (não tanto pela ausência de carinho, mas pelo seu excesso doentio). O argumento do filme, portanto, é muito bom; o que faltou a este longa foi uma boa execução (talvez por falta de experiência ou até talento mesmo). O suspense, por sua vez, não é tão bem construído, e em alguns momentos até entrega a cena antes do clímax. O roteiro eventualmente é marcado por um didatismo (como na sequência final, quando rola uma desnecessária explicação do óbvio). A fotografia incomoda em algumas cenas de realidade, por soar novelística, porém, funciona bem nas cenas de fantasia. Nenhuma atuação se destaca também, sendo tudo bem regular (nem mesmo a do garoto Aiden, um dos possíveis novos atores mirins queridinhos que Hollywood tenta emplacar).

Como antes eu afirmei, coincidência ou não a referência ao nome “Pascal” ser um destaque no filme, na obra de Blaise Pascal, quando ele não escrevia sobre hidrostática, física e matemática, ele era um filósofo ligado às correntes moralistas (além das existencialista e cristã também), e sendo assim, cheio de aforismos dignos de epígrafe de trabalho acadêmico, como o que diz: “É indispensável conhecermo-nos a nós próprios; mesmo se isso não bastasse para encontrarmos a verdade, seria útil, ao menos, para regularmos a vida” (Pensées, fragments et lettres de Blaise Pascal, Vol. 1, pp. 226, item CLIX, 1814). Ironicamente, em afinidade com um roteiro que referiu seu nome, esta sua frase resume a própria essência da trama de A Nona Vida de Louis Drax, e ao citá-la eu lavo minhas mãos e deixo para você decidir no cinema se ela é cabível ou não.

Trailer:

FICHA TÉCNICA
Título: A Nona Vida de Louis Drax
Título original:The 9th Life Of Louis Drax
Diretor: Alexandre Aja
Data de lançamento no Brasil: 20 de outubro de 2016

Gui Augusto

Na Nossa Estante

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