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Funcionário do mês [Resenha do Filme]

Conferimos a Cabine de Imprensa de Funcionário do mês. Filme estreia dia 18/08/2016
É aquele típico “filme-sessão-da-tarde”. O longa italiano de 2016 é do gênero comédia ‘pastelão’, um besteirol, mas que se vale do próprio tom tosco para inserir pitadas de humor negro e provocações a costumes e tabus de todos os tipos, e esta é uma prática não recorrente em comédias do tipo besteirol (não nos norteamericanos, pois existe nos besteiróis europeus), que são mais marcadas por um humor apelativo e repetitivo. Este italiano traz muitas piadas de riso fácil (a todo momento tentando pescar o espectador e forçar o humor), que, entretanto, são bem mescladas com pitadas até mais inteligentes do que a média deste gênero. O que não significa que haja um fino humor; mas nem é esta a proposta do filme.
Logo no início somos tomados por uma sucessão de gags previsíveis e que podem em três minutos suscitar dúvidas quanto à qualidade da obra que se vai assistir. Há, porém, certa habilidade para este tipo de comédia do diretor Gennaro Nunziante e da equipe de produção, que chegam já ao quarto trabalho no cinema desse mesmo gênero, aliás, com o mesmo Checco Zalone no papel principal (o humorista multitalentoso italiano, Luca Pasquale Medici). É proposital essa inserção de um humor fraco logo de cara, assim como é estratégico o uso constante de clichês: é como se o filme estivesse rindo de si mesmo, desde o início.
Nosso Checco está metido no meio de um país africano, perdido na mata profunda e para piorar tudo encontra uma tribo de nativos (a exploração de estereótipos é escancarada). Mas eis o primeiro turning point (dos vários que fazem este filme realmente funcionar como uma comédia): Checco salva sua pele, com a condição de contar sua história de vida para a feroz tribo, sob pena de virar churrasco caso ela não seja uma boa história. Um simples funcionário público italiano põe-se então a narrar sua jornada até ali (e é assim também que acompanhamos) e a explicar a burocracia de Estado para os “selvagens”.
Desde criança, Checco sonhava em ser funcionário público e ter emprego estável (um posto fisso), tal qual seu pai sempre o ensinou. Adulto, alcançou este sonho; não só é funcionário público, como também vive com os pais (e não tem contas a pagar, nem muitas obrigações na vida – situação explicada numa hilária sequência com a mãe). Seu emprego estável, com estabilidade salarial e vitaliciedade é “sagrado” (como tantas vezes afirma o seu mentor, o bufão e corrupto senatore Binetto – uma espécie de mestre Yoda misturado com Maluf) e ele não deixará nada tirá-lo de si, nem o novo Ministro Magno, que inicia uma cruzada contra o funcionalismo público, visando cortar gastos estatais: a estratégia é forçar os funcionários insatisfeitos a assinarem cartas de demissão, ao invés de serem movidos para postos de trabalho em condições precárias. Checco topará ser movido para onde “Judas perdeu as botas”, mas não assinará essa carta de demissão – encontrando assim sua arqui-inimiga, a Procuradora Draª Sironi (ou, Dottoressa Sironi), que praticará de mobbing a “milfing” para tentar convencê-lo.
A metralhadora de piadas infames do filme gira para todos os lados. Sobra para os mais diversos temas, incluindo os polêmicos (imigrantes na Europa, racismo, machismo, homofobia, política, máfia, religiões etc.), mas sem descambar para o desrespeito ou preconceito travestido de humor (este, que eu chamaria de “humor gentili”). Pelo contrário, o longa utiliza-se de um escudo humorístico que o legitima a por vezes andar nos limites do humor: seu alvo predileto é o próprio povo, os costumes e o país italianos; satirizados sem dó, entre caras e bocas (ridiculamente engraçadas) de Checco. E os italianos parecem ter senso de humor, porque estamos falando da maior bilheteria da história daquele cinema (!),que bateu de Star Wars: The Force Awakens a Avatar, e sobrepôs com folga o segundo lugar, Sole a Catinelle (aliás, outra comédia com Checco e o mesmo diretor e produtor).
Para cutucar a própria terra e os próprios conterrâneos, a narrativa atém-se a uma linha principal: um difundido sonho italiano de virar funcionário público, dadas as garantias e os benefícios que este cargo oferece naquele país (qualquer semelhança com nosso Brasil, não é mera coincidência). Parte do sucesso do filme talvez se dê pelos efeitos da crise na economia e no mundo do trabalho (sentidos no mundo todo), afinal, todo trabalhador da iniciativa privada deseja um pouco ver escorrer o sangue de um funcionário público, e pôde ao menos ir aos cinemas rir de um (e muitos devem ter se identificado com a piada sobre a “maldição de ser autônomo”). A narrativa esbarra também em outras temáticas, como uma espécie vira-latismo italiano ante os vizinhos ricos europeus, o sangue quente de povo latino (expressão que originalmente designa os habitantes do sul da Europa), de comportamento mais passional, o apreço por futebol e reality shows, a vontade de deixar a pátria e ir para o exterior (pois é supostamente melhor), uma autoestima ferida, um pensamento de massa médio sexista e conservador (ou seja, novamente: semelhanças com o Brasil-sil-sil não são mera coincidência).
É óbvio que ser a maior bilheteria não necessariamente significa ser o melhor filme (quer significar tão somente o sucesso em indicativos mercadológicos, que quase sempre são diametralmente opostos a qualidade artística). Porém, este não foi feito para ser um “PUTA filmão”; trata-se de uma comédia simples, que apesar de uma qualidade visual, aparenta ter sido feita para youtube ou para um bem trabalhado quadro do SNL (Saturday Night Live), mais do que pra cinema (se não fosse coeso por uma única linha narrativa ou desenvolvimento, seria uma série de esquetes de humor). Lembra a despretensiosidade de um análogo francês, o também tosco e cômico “RRRrrrr!!! Na Idade da Pedra”.
Os estereótipos exagerados, os comentários infames de personagens com arquétipos quase sempre provocativos, as piadinhas limítrofes e ambivalentes sobre aqueles temas polêmicos, às vezes até mexem com nossos sensos morais e geram uma risada envergonhada. A começar pela própria característica de Checco: um italiano sulista (o “caipira” de lá) que mora em Milão (e sobram comentários ácidos até pros milaneses – os paulistanos da Itália), machão de meia-idade, meio matuto, mas esperto, que é cínico, machista, um pouco corrupto, hipócrita, bonachão e bem carismático. Parece ser intenção de o filme registrar aí uma pintura do próprio italiano médio, como um ser meio torto, oportunista, mas feliz (cheio dos seus “jeitinhos” – coisa não exclusivamente brasileira, como percebemos). Sarcasticamente, ele só irá ascender ao patamar de europeu “civilizado” no fim do filme, depois de “amadurecer” ao lado de uma norueguesa.
Outros arquétipos serão escrachadamente deturpados também: o da mãe (que é representada numa relação quase edípica com o filho, para ilustrar toda a sua dependência dela – e vou mais além, a de toda uma geração mimada), o do pai (que como herói e espelho, a melhor imagem que oferece é a do funcionário público), o da mulher moderna livre (Valeria, seu interesse amoroso, que tem um filho de cada etnia – não por que adotou, mas biológicos mesmo), o do europeu nórdico civilizado e superior (que numa paciência budista prefere esperar o carro da frente demorar pra sair do sinal verde ao invés de “mandá-lo à merda”). Na escala de “0” a “Monty Python” de humor negro inteligente (pois humor negro muito erroneamente ganhou a pecha de ser só ofensivo), este filme se esforça para afastar-se do “0”, e seu esforço é válido e perceptível no enredo.
Num final altamente conciliador o filme fecha com uma batida e piegas lição moral; mas até isso não é para se levar a sério, sendo apenas uma desculpa para fechar o roteiro. É, aliás, mais um chiste o “final feliz” em que o amor vence a burocracia e nossos heróis terminam numa república pobre de uma idílica África, salvando o terceiro mundo através do humanismo, da caridade e do altruísmo europeus “civilizados”. Da primeira à última cena, incluindo a trilha sonora (com músicas bestas cantadas pelo próprio Checco, que também é músico), trata-se de um grande sarro. Não seria saudável, ainda, uma leitura política do filme, como uma anedota liberal que pregue o fim do Estado e do emprego público (afinal de contas, sempre será necessário ter alguém para “bater uma punheta para um urso”), pois se afastaria do estilo descompromissado desta comédia, que nos seus apropriados 86 minutos de duração serve a um propósito apenas: o de divertir. E o cumpre bem.

Trailer:

Dados do Filme
Título: Funcionário do mês
Título Original: Quo vado?
Diretor: Gennaro Nunziante
Ano: 2016
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Gui Augusto

Na Nossa Estante

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