Estamos diante de um remake, e vou iniciar pela armadilha mais óbvia e mais difícil de transpassar quando se está diante da crítica de um remake: comparar as duas obras. Ben-Hur é um território perigoso; estamos falando de um clássico absoluto da história das grandes produções cinematográficas; originalmente adaptada de um romance bíblico de 1880 (da autoria do advogado, general, governador e escritor norteamericano, Lew Wallace), a história foi aos cinemas em 1907 (num curta de 15min) e em 1925 (num longa de 2h23min), mas é unanimemente lembrado pela memorável adaptação de 1959, o épico de três horas e meia, com um Charlton Heston monstruoso no papel principal de Judah Ben-Hur e um gigante da Hollywood clássica na direção, William Wyler. Mesmo com a nova adaptação de 2016, a obra-prima de 59 segue sendo insuperável.
Judah Ben-Hur (Jack Huston – o sobrinho de Anjelica Huston e neto de John Huston) vive em tempos de guerra, numa Jerusalém tomada pela ameaça, primeiro, e depois pela truculência real do Império Romano. Os tempos de Cristo: época de larga opressão contra judeus. Ben-Hur, porém, é o “príncipe judeu”; ele e sua família são nobres da cidade e sofrerão menos (num primeiro momento), e até por isso ele tentará manter-se neutro no conflito entre os zelotes (judeus sediciosos resistindo em forma de milícia urbana) e a violência de Estado dos romanos. Ele vive numa bela mansão numa colina da cidade, entre criados e a família: a mãe, Naomi (Ayelet Zurer), a irmã, Tirzah (Sofia Black-D’Elia) e o romano desde a infância acolhido pela família, o amigo e irmão adotivo Messala Severus (Toby Kebbell); uma criada, Esther (Nazanin Boniadi) é também seu interesse amoroso – com quem não pode se casar porque mamãe não deixa por questões de status social.
O tempo passa e a vida de Ben-Hur será abalada e revirada pela traição do meio-irmão Messala, quando este decide tomar rumos distintos e se afasta da família e de Judah. Traído e exilado à força no mar (só não morto por causa de sua posição social), Ben-Hur passa anos alimentando sua sede de vingança (mas eu ainda prefiro a Arya Stark) e um dia voltará a Jerusalém jurando executá-la. Não à toa, em três momentos importantes de sua vida, os caminhos de Judah entrelaçam-se com os de um conterrâneo e contemporâneo seu, Jesus Cristo, e estes breves encontros, bem como as decisões que toma diante da família, da esposa e do seu agora mentor Morgan “Deus” Freeman (digo, o Sheik Ilderim) de certa forma irão mudar a percepção de Judah ao longo prazo. Após sua mudança, o que antes era vingança, ele descobrirá como redenção e perdão.
O ritmo do filme é bem acelerado e o andar da carruagem por vezes parece ir rápido demais. Algumas cenas terminam meio que repentinamente e algumas resoluções da história ficam subentendidas, de tal modo que pode soar preguiçoso da parte narrativa. Embora tal ritmo dê-se em detrimento de um melhor desenvolvimento da história e dos personagens, por outro lado é bom, porque faz com que os clichês passem rápido também. Dá a impressão que o filme todo rola ligeiro, pois ele quer chegar apenas num lugar: a corrida de bigas. Tanto é que de fato esse é o seu momentum, o seu ápice. Certamente uma referência à mesma importância que esse plot tem na história original, e aqui é onde a produção abusa dos movimentos vertiginosos de câmera e uma masturbação visual de chroma keys e efeitos digitais; o que funciona, porque essa é a proposta do filme. A sequência de fato é a mais bem trabalhada, em termos de ação e expectativa. É também a mais longa. No entanto, soa mais como uma recompensa ao espectador, uma muleta para encobrir um desenvolvimento pobre da história, uma vez que o caminho até esse clímax não é construído com mais cuidado e esmero.
Um modo mais cru e orgânico de filmar dá ao longa um interessante tom visceral, como fica evidente, por exemplo, nas cenas de aparição do exército romano (são realistas e arrepiantes). Além de a narrativa trazer elementos que passam uma visão contemporânea (sem incorrer em anacronismo) de um conto que se passa “nos tempos de Cristo”, este modo de filmar só adiciona a esta visão. Aliás, a maneira de representar Jesus é outro trunfo da narrativa: mais carnal do que fantástica. Desde sua primeira aparição (de uma maneira muito bem colocada), ele aparenta ser um homem tão comum, tão ordinário, que se não fosse o Santoro e sim outro ator desconhecido, nem pensaríamos que aquele era Jesus. É um sujeito simples que tem boas frases pra dizer. Mais tarde, com o desenrolar da história, vemos por alguns pontos de vista incidentais (nunca pelo próprio de Cristo) que sua influência tem crescido na cidade, e ainda assim, ele parece apenas um mendigo profeta lunático que vem angariando fãs – e a atenção de um atento Pôncio Pilatos (Pilou Asbaek), que preconiza: este tipo trará problemas para o império ainda.
O uso corrente de câmera na mão (ou ao menos o seu efeito) é outro aspecto bastante interessante para a organicidade e estética mais realista (especialmente nas cenas de corrida), porém, é usado à exaustão, e às vezes fica cansativo e fora de contexto. Embora seja até corajoso usar tal recurso num blockbuster (pois não é comum neste tipo de cinema), alguém precisa avisar esse diretor: câmera na mão é legal, mas não é sempre e nem em toda cena que funciona!
Há muito presente durante todo o filme uma linguagem televisiva. A influência não está só no modo de filmar e no tratamento das cenas; está também na escolha do elenco. Há muitas carinhas conhecidas de séries de TV em papéis de destaque aqui. Jack Huston vem em alta conta para os fãs de Boardwalk Empire (ótima produção da HBO, já finalizada), por ter sido responsável por interpretar um dos melhores e mais queridos personagens daquela série, o inesquecível Richard Harrow. Temos também Toby Kebell, que fez um excelente trabalho no episódio The Entire History of You da série inglesa Black Mirror (que se você ainda não assistiu… apenas: assista!). Além deles, Pilou Asbaek, que como Pôncio Pilatos aqui já nos dá uma prévia de outro Poderoso infame, o pirata, golpista e mais novo Rei da Cadeira de Pedra do Mar, Euron Greyjoy, que aportou em Westeros nesta última temporada de Game of Thrones. Este novo “Ben-Hur” parece no fim das contas um “episódião” de uma série televisiva épica qualquer (e.g. Vikings, Marco Polo).
Uma coisa precisa ser dita aqui: nada é mais legal do que contratar o Morgan Freeman para narrar alguma coisa. Ele abre e fecha o filme, com um tom fabular em sua voz que cabe perfeitamente para a história bíblica contada. E desde que ele interpretou Deus, eu sempre acho que ele é, de fato, Deus (aqui ele está mais para Jah). Ninguém faz uma voz off como Freeman. Nosso Jesus Santoro (leia Jesus, com o sotaque em inglês, por favor) na verdade faz aparições messiânicas em filmes hollywoodianos desde aquele memorável surfista em As Panteras. Neste longa não foi diferente, e em momentos chave ele surge, como condutor da linha narrativa histórica que se passa no mesmo momento em que viviam os outros personagens. Um romance nos tempos de Cristo, afinal.
Santoro está bem no papel, apesar do pouco tempo de tela; em termos de caracterização acho bem mais digno um Jesus latino do que um galego. Aliás, curiosamente, na coletiva de imprensa ele mesmo abordou este tema, e reconhece que poderia ser polêmico representar Jesus, ressaltando que existe um “Jesus bíblico e um Jesus histórico” – mas aceitou o papel pela experiência única que isso lhe proporcionaria. Tão única, aliás, que rememorou emocionado a cena da crucificação, filmada sem efeitos e fora de estúdio, em cima de uma colina, com vista para uma cidadezinha interiorana italiana, com o pôr-do-sol ao fundo – descrição realmente arrepiante, especialmente ao saber que ele filmou sob o efeito de uma espécie de transe, por estar representando aquele personagem, tendo que dizer aquelas frases, naquele cenário e com toda a estafa física que a cena requereu (mesmo tão simples, cuja vemos em dois ou três minutos de filme): seis horas de maquiagem, vários takes longos filmados até um dar certo, a pouca roupa num ambiente extremamente frio (clima de neve).
Este é o trio da boa atuação mesmo: Santoro, Freeman e Huston. Este último faz um bom trabalho no papel principal. Ele convence, na medida que o roteiro e o desenvolvimento psicológico de seu personagem permitem, pois são fracos e insuficientes. Acredito que ainda haverá oportunidades melhores para ele provar-se no cinema tão bom quanto o foi na TV. Pelo pouco tempo de tela dos outros dois, eles são salvos de julgamentos, e o nº 1 do pódio sobra para Huston mesmo, porque executa com a competência esperada um papel simples, mas com a responsabilidade de ser o principal numa megaprodução. Em compensação, Toby Kebbell está medíocre em seu papel como o antagonista Massala Severus, e Nazanin Boniadi, apagada e insossa como Esther, o par romântico de Ben-Hur.
Alguém pouco antes da sessão comentou: “deviam fazer uma lei que proibisse fazer remakes dentro de cem anos do original”. De fato, nenhum remake que se prestou nos últimos anos a homenagear uma obra icônica da Era de Ouro de Hollywood conseguiu sequer ficar à altura seu objeto inspirador. Ao cabo, é evidente um embate entre duas
Hollywoods: uma em que os filmes calcavam-se muito mais em boas atuações e roteiros complexos e inteligentes, e a de hoje, quando amparam-se em técnicas e efeitos especiais para suprir com orgasmos gráficos a escassez de criatividade. A responsabilidade é grande demais para um diretor da estirpe de
Timur Bekmambetov (genérico, como estes que Hollywood tem à disposição para comandar megaprojetos financeiramente técnicos e tolhidos por produtores e executivos). Muito embora tenha sido filmado até no lendário
Cinecittà Studios, em Roma (mesmo local onde foi rodado o clássico de 59), num belo ato de respeito e homenagem à adaptação anterior, este
Ben-Hur de 2016, em suas tímidas quase 2h de filme, não marca história como um épico. Ele entretém e cumpre seu papel, mas não fascina e nem é um primor de arte cinematográfica como o seu antecessor. É um bom entretenimento familiar para acompanhar a pipoca e o refrigerante numa tarde de domingo no
shopis centis.
*Participamos da Coletiva de Imprensa de Ben-Hur, confira abaixo um trecho
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Oiii Gui
Resenha ótima, quero muito conferir esse filme. A ambientação me chama super a atenção, é Roma antiga e Jerusalen, como não ser especial?
Além disso a interpretação do Santoro como Jesus Cristo me deixa super curiosa, na verdade é tão interessante como o proprio protagonista.
E realmente será impossivel nao comparar com o classico de 59, mas acho qeu comparações são saudáveis e nos deixam ser mais criticos.
Beijos
unbloglitteraire.blogspot.com.ar
Eu tô bem curiosa qt a esse filme!!!
Adorei a resenha, mas talvez minha critica n seja tão levad em conta pq n assisti ao clássico de 59 hehehehehe
Mas tô qrendo mt ir ao cinema!
Bjooos
muitospedacinhosdemim.blogspot.com.br/
Realmente é uma responsabilidade muito grande fazer um remake de um filme que foi um grande sucesso. Infelizmente ninguém consegue, porque não fica a mesma coisa. Por isso que quando vou assistir, já tenho em mente que não é original e sim um remake e que nunca será o mesmo. Adorei a resenha, foi super sincera. Beijos!
BLOG LITERÁRIO 2
Oi, Gui!
Gostei bastante da resenha. Não assisti aos filmes anteriores, mas, de fato, um remake sempre dá trabalho, especialmente quando o clássico foi tão bom. Fiquei curiosa para conferir, pois, apesar de alguns pontos negativos - como o excesso de câmera na mão -, o filme parece ter sido bem feito e tem ótimos atores no elenco.
Beijocas.
http://artesaliteraria.blogspot.com.br
Olá!
Gostei da resenha. Mas infelizmente não é do tipo de filme que mais vejo sabe? Quem sabe eu dê uma chance para assistir e também aos anteriores.
http://www.donadegato.com
Beijos!
eu quero muito ver pq o rodrigo santoro está no elenco. mas tenho q ter coragem pq parece pesado. não acho que remakes deveriam ser proibidos. e gosto de ver filmes com as novas tecnologias. acabam sendo produções diferentes. beijos, pedrita
Oiii Gui! Que post maravilhoso!! Eu não assisti o filme de 59, mas já ouvi falar muito bem sobre ele. Como você disse o Morgan Freeman é um ótimo ator e sabe muito bem conduzir um filme do começo ao fim, já assisti quase todos os filmes dele e amei *-* enquanto ao Santoro deve representar muito bem o papel de Jesus (estou falando Jesus com o sotaque inglês viu?! kkkk) Pretendo assisti-lo!
***Beijokas -Hellen Barros.
Apenas Giz | Sorteio No Blog
Olá Gui, tudo bem?
Eu assisti ao filme de 1959, o tão aclamado. Lembro que na época que assisti fiquei assombrada com toda a beleza e magnitude da filmagem, e até já revi umas duas vezes depois. No momento não me sinto com vontade de conferir este remake. Está aqui na minha longa lista de filmes para assistir, mas vai ficar pro futuro... Gostei muito da sua resenha, super completa.
Abraço.
Lia Christo
http://www.docesletras.com.br
Uma das coisas que mais me chamaram a atenção para ver esse re make foi o fato de Santoro estar no elenco. EU vou assistir com certeza. E adorei a fotografia do filme.
Bjão.
Diego, Blog Vida & Letras
http://www.blogvidaeletras.blogspot.com
Oi, Gui!
Não tenho a mínima vontade de ver esse remake. Nunca me interessei pelo clássico de 59, e este agora é que não vai me interessar mesmo.
Entendi bem seus argumentos e a cena final parece ser bem empolgante mesmo.
Abraço!
"Palavras ao Vento..."
http://www.leandro-de-lira.blogspot.com