O nome dele é… [Música]

Começa com B seu sobrenome; tal qual o do Outro. 

O Outro, foi-se ainda depois, foi-se como um Deus deixando a Terra, profana e mundana, mesquinha e frágil. Foi-se não sem antes terminar seu último ato do grande espetáculo que foi sua vida. Em vida, ele transmutou-se e não mais era um humano, era ele próprio produto e realizador desse espetáculo. Era mil personagens, mil faces, e mesmo assim, o mesmo homem. 
Aquele B, de Bowie, foi-se assim. Da Inglaterra, tão longe, oceano de distância, não se poderia dizer que em lugar algum do mundo haveria algo igual. Mas houve. Pouco antes daquele ir-se, em dezembro ainda do ano de 2015, este B de que quero falar agora, de Basso, já tinha ido. Como o vassalo que vai preparando a estrada para o seu Rei. 
É fato que aquele era quase que uma criatura transcendental, um Deus. Flávio Basso era “só” Gênio. Com a mesma liberdade estilística e o mesmo desprendimento de gêneros sonoros (e o mesmo axioma ainda mantendo a ligação, o rock), Basso criou no underground brasileiro o espetáculo que Bowie criou no mundo. Pena que as condições espaço-temporais e mercadológicas não permitiram a mesma expressão global e o mesmo alcance pros dois. Mas isso é mera questão incidental. O que conta de verdade é o que está no âmago de cada talento desses; e o de Basso era tão enorme, incontrolável e irresistível igual ao do outro. 
Este também era um camaleão do rock. A cada época, a cada tempo depois de um breve hiato – provavelmente ocasionado por viagens periódicas à Júpiter –, Basso reaparecia novo, ressurgia, renascia. 
Fosse Basso, Maçã ou Apple; mas a cara, as roupas e o jeito mudavam a cada época. Nunca era o mesmo que reaparecia nas capas das revistas, nas fotos de imprensa, nos palcos de rock bares e centros culturais, na cena underground pelo país afora. Sua capacidade de transmutação era a mesma do Inglês. 
Transitou livremente pelos territórios da criatividade musical, já fez bossa, samba, rock, punk, folk, psicodelia. Brindou-nos com peças sonoras de seu gênio em diversas fases e épocas: já foi cascavellete, dinamite (TNT), e os vários Bassos solos. Deixou uma não-tão-extensa-quanto-queríamos discografia oficial, mas deixou momentos memoráveis, que graças aos tempos em que vivemos estão registrados na internet (como este aqui – e que depois aqui, em situação similar, já havia feito uso de suas habilidades camaleônicas). 
Me senti, à época de dezembro, tão triste quanto me senti menos de um mês depois, com a viagem final que Bowie fizera. Mas a ficha caiu mais rápido para este; foi instantâneo – logo após ouvir seu último disco – que notei o que estava sendo perdido. Já com aquele, demorei meses, só agora, depois de ver ao vivo uma belíssima homenagem a sua obra e a seu gênio, que me caiu a ficha de que estávamos perdendo em dezembro o nosso precioso B brasileiro. 
Só então pude sentir o impacto de sua ausência para a Música e o quanto ele foi indispensável. Só agora pude compreender e exemplificar essas conexões entre os dois B’s e fazer a ponte transoceânica entre estas duas cucas. Só tenho a agradecer ao cosmos por ter tido a oportunidade de ouvir artistas tão geniais e suas obras tão poderosas, que permitem a mim mesmo, mero mortal, lavar minha alma; desses que nos permitem trocar o lexotan 6mg por arte e sentir o corpo derreter, leve na sétima efervescência, e calmo como uma tarde na fruteira.

.

Gui Augusto (Blue)


Em 21 de dezembro eu estava num encontro com amigos quando alguém diz que um músico gaúcho morreu. Parei. Quem? Ninguém soube responder. De que banda? TNT. Ou era Cascavelletes? Ou era Garotos da Rua? Uma dúzia de bandas foram enumeradas e o cara não sabia dizer ao certo. Comecei a surtar. Alguém se sensibilizou e, como eu estava sem internet no celular, me cedeu o seu para eu pesquisar. Flavio Basso. O Júpiter Maçã. Não, não pode ser. Repeti isso inúmeras vezes sem me dar por conta. Quando vi eu estava em colapso e as pessoas ao meu redor tentavam me acalmar ao mesmo tempo em que se perguntavam quem era o cara (que absurdo!). No outro dia, fiz um ou dois posts a respeito no Facebook (um deles com uma foto minha de tietagem, na sessão de autógrafo de “Uma tarde na fruteira”), à noite um amigo me disse “Vê se te recupera da morte do Júpiter”. Eu disse que já estava melhor (apesar de agora perceber que ainda não assimilei a morte dele). Alguns dias depois, foi o Bowie. Meio mundo me marcou em posts sobre, disse ter lembrado de mim, enquanto minha mãe me mandava uma mensagem de pêsames no celular. Em 13 de março teve uma homenagem a Júpiter em Porto Alegre. Quase, quase fui, apesar de NUNCA ir a Porto Alegre, mas tinha um compromisso. Na Virada Cultural em São Paulo teve uma nova homenagem a ele, a qual o Blue compareceu, se inspirou para revisitar a discografia do Júpiter e escrever este texto (que ele não pretendia publicar, mas eu exigi ver e ele sabia o destino que ia ter). Por mais que alguns achem que nunca cruzaram com Júpiter Maçã por aí, vale lembrar que ele é o Flavio Basso, vocalista dos Cascavelletes, banda que tocou “Eu quis comer você” no Clube da Criança (quem mais acharia isso simples se não ele?). Da sua carreira solo, como Júpiter Maçã, seu maior sucesso é “Um lugar do caralho”, gravado por vários artistas e divulgado por alguns como sendo de Raul Seixas. Desde sua morte pretendo fazer um post sobre ele, mas acho que ainda não aceitei completamente para realizar essa meta. Mas um dia ele acontecerá. Enquanto isso, fica esse texto do Blue como registro. Aguardemos a biografia sobre Flavio Basso que foi anunciada para o fim do ano, assim como o lançamento das músicas que ele deixou gravadas, mas que não lançou. Que a obra de Basso/Júpiter o mantenha vivo na história da música nacional. (Ana Seerig)

4 thoughts on “O nome dele é… [Música]

  • 19 de junho de 2016 em 14:48
    Permalink

    Oi, Ana!
    Confesso que não conhecia o artista, mas percebi pelo seu texto que você gostava mesmo dele.
    Beijos
    Balaio de Babados

    Resposta
  • 19 de junho de 2016 em 15:30
    Permalink

    Oie Ana =)

    Gostei do texto, e achei super bacana as referências musicais que você citou.
    Não conhecia o artista, mas através de suas palavras de alguma forma, senti como se o conhecesse em especial a sua música.
    Parabéns!

    Beijos;***

    Ane Reis.
    mydearlibrary | Livros, divagações e outras histórias…
    @mydearlibrary

    Resposta
  • 19 de junho de 2016 em 18:02
    Permalink

    Tem sido mesmo um ano difícil… E triste, por sabermos que os que ficam em nada se aproximam daqueles que amávamos…
    Pelo menos existe a saudade. E o legado destes incríveis!

    Texto lindo lindo lindo, viu <3

    Bjs,
    Rebeca

    http://blogpapelpapel.blogspot.com

    Resposta

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