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A Fuga [Resenha Literária]

“Você já acordou suando frio, pensando que seguiu pelo caminho errado e acabou tendo uma vida que não queria? Já considerou pisar no freio, dar marcha ré e seguir para qualquer outro lugar? E desaparecer – abandonar sua família, seus amigos, até mesmo um marido -, deixar pra trás tudo que conhece e começar de novo? Reinventar a si mesmo. Talvez, apenas talvez, voltar para um amor do passado. Já sonhou com isso?” 

Eu não. Emily Aulenbach, personagem de Barbara Delinsky, também não. As primeiras frases desta resenha são também as primeiras frases de “A fuga”, livro publicado pela Bertrand Brasil. E foi a temática, o título, que chamaram minha atenção para o livro, mesmo sem ter ouvido o nome da autora antes. Nunca pensei em uma fuga, mas certamente minhas angústias são muito parecidas com as de Emily. 

Vivo na segunda maior cidade do Rio Grande do Sul, muitas vezes menor que a Nova Iorque da qual Emily foge, mas suficientemente grande para me preocupar. Pessoas correm de um lado pra outro, são consumidas por seus trabalhos, arrancam cabelos por causa de contas, se satisfazem com uma companhia e esquecem o que é amor e amizade. Não há tempo pra isso. O mundo gira, o tempo voa, contas chegam e os produtos que garantem felicidade custam dinheiro, é uma roda sem fim. Talvez seja melhor fingir não saber disso, fingir não ver. Até porque, se nos vermos no meio dessa engrenagem infinita, a angústia é inevitável, nos sentiremos robotizados, sufocados, sem mesmo nos reconhecermos mais. Foi assim que Emily se sentiu numa sexta-feira de trabalho.
Acordou no horário de sempre. Percebeu que seu marido havia saído pra trabalhar cedo como sempre. Leu os e-mails matutinos do chefe como sempre. Vestiu-se com as roupas de sempre. Pegou o caminho de sempre para o trabalho. Reiniciou sua rotina de sempre. Não estava completamente feliz, mas sabia que as escolhas tinham sido suas. Atendeu ao telefone e, de alguma forma, a pessoa que estava do outro lado da linha lhe fez sair do padrão da empresa, lhe fez ver que era a advogada dos vilões e não das pessoas que queria ajudar quando escolheu a faculdade de Direito. Desligou o telefone para atender ao chefe, avisou uma colega que precisava sair para respirar e… saiu.

Sem muito pensar, andou por quadras, chegou em casa, fez uma mala, recolheu a correspondência e deixou um bilhete pro marido. Pegou o carro e seguiu a estrada, sem saber exatamente qual era o seu destino. Tentou um lugar e outro, mas o destino certo era aquela cidadezinha que dez anos atrás a deixara desiludida com o amor. Foi atrás de uma velha amiga, sua melhor amiga, mas para a qual nunca tinha tempo de escrever. Sentia vergonha e repulsa de si mesma, mas bateu à sua porta. Era hora de rever os passos e as decisões que havia tomado, descobrir o que havia feito errado, descobrir porque não estava feliz como o planejado. Sentia que precisava fazer algo, mas não sabia o que era.
Emily pode ser eu, pode ser você, pode ser a vizinha ao seu lado, pode ser sua melhor amiga, pode ser qualquer um, homem ou mulher. Estamos todos vivendo dias angustiantes, ansiosos e incertos demais, dias instáveis. A cada dia corremos mais e mais, sem reparar em quem está ao nosso lado. Por quê? Um pergunta curta com um significado imenso e uma resposta incerta. Barbara Delinsky narra tão bem os passos de Emily que nos sentimos testemunhas atentas de suas escolhas sem saber quais as consequências daquilo.
Mas o melhor de tudo é que Emily não encontra uma resposta milagrosa, não vira sua vida do avesso num piscar de olhos como se tudo fosse fácil. Não, ela é real, ainda que não sinta isso. Ela redescobre seus sentidos: o prazer de sentir o gosto dos alimentos, o som e o cheiro da natureza, percebe os detalhes dos cenários que tem à sua frente e redescobre o conforto de um abraço amigo. O caminho para isso? Dar-se o direito de ter algo que nem vemos passar: o tempo.
Dados do livro:
A fuga
Título original: Escape
Autora: Barbara Delinsky
Editora: Bertrand Brasil
Páginas: 336
Ano da edição brasileira: 2016
Na Nossa Estante

View Comments

  • Oi Ana! Li livros da autora faz tempo, mas eram mais românticos, nenhum com uma premissa tão reflexiva quanto essa. Achei interessante esta fuga da protagonista de sua vida para um reencontro.

    Bjos!! Cida
    Moonlight Books

  • Oi, Ana! Adorei a premissa e o caminho que a autora parece ter dado para o livro. Eu às vezes me pego pensando não em fugir, mas na vida acelerada e corrida que a gente leva a maior parte do tempo. Lendo sua resenha me veio à cabeça uma música do Lenine que eu amo e meu trecho preferido é: "Enquanto o tempo acelera e pede pressa, eu me recuso faço hora vou na valsa. A vida tão rara".

    Beijos, Entre Aspas

  • Gostei muito da resenha, Tchê Seerig!
    Você já havia me falado desse livro e eu senti que ia gostar. Agora, depois de ler a sua resenha, percebo que eu realmente gostaria de ler. Nós precisamos aproveitar melhor o nosso tempo, com coisas de fato acreditamos e sentimos prazer em fazê-las. A vida é curta e rara, não podemos desperdiçá-la.

    Hasta!

  • Olá, Ana.
    O livro é completamente diferente do que eu imaginava. Contudo, não é um diferente ruim. Gostei da premissa e gostei da mensagem que a obra parece passar. Acredito que essa fuga não seja algo ruim; talvez todos devamos fugir vez ou outra.
    Ótima resenha.

    Desbravador de Mundos - Participe do top comentarista de abril. Serão três vencedores!

  • Olá, Ana.
    Eu já li um livro da autora e gostei. Esse em questão não sei se eu leria. Não teve nada nele que me chamasse a atenção e me fizesse querer acrescentá-lo a minha já enorme lista de leituras hehe.

    Blog Prefácio

  • Parece interessante .. me sinto assim muitas vezes .. amo o turbilhão, mas ele realmente acaba nos consumindo.

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