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O peso social de uma canção (e de seu palavrão)

Schrei nach Liebe na lista de mais tocadas: um sinal contra o ódio aos estrangeiros”

Nas últimas semanas muito se falou sobre os refugiados chegando na Europa, certo? Na Alemanha já chegaram milhares e, segundo a Deutsche Welle, a expectativa é de um milhão até o fim do ano. Bom, não é necessário dizer que poucos povos no mundo entendem tão bem quanto os alemães a frase “teu passado te condena” (infelizmente). Então, como afastar o fantasma do nazismo e garantir uma boa chegada a todos esses imigrantes? As ações foram inúmeras: gente esperando os refugiados com cartazes de boas vindas, empresas liberando funcionários para trabalhos voluntários e clubes de futebol arrecadando roupas, entre tantas outras coisas.
Mas uma ação me chamou especial atenção. Um professor de música iniciou a Aktion Arschloch (já veremos o significado disso). Segundo a Spiegel Online, a proposta de Gerhard Torges era trazer a canção Schrei nach Liebe, da banda Die Ärzte, de volta ao topo das paradas em função de sua mensagem. Sua campanha era para que as pessoas pedissem as músicas nas rádios e fizessem download. Antes de continuar, eu quero que vocês vejam o clipe e tentem descobrir o tema da canção:
E então? Ah, sim, claro, a banda apoiou a iniciativa e, em sua página oficial, disse que ficava feliz por, em meio a todas as canções sobre o tema (no caso, antinazismo), a sua tivesse sido escolhida para uma ação tão bacana. Quanto ao nome da ação: é justamente o palavrão usado na música. Mas antes de vermos a tradução, acho interessante comentar um pouco da história da canção.
Lançada em 1993, a canção foi um dos primeiros grandes sucessos da banda e marcou a carreira deles em função de, pela primeira vez, eles terem se posicionado politicamente. O Die Ärzte é conhecido por sua ironia, no entanto isso não estava bem claro no início da carreira e o fato de terem uma canção chamada Eva Braun (nome da esposa de Hitler), deixou muita gente com o pé atrás. Além disso, na época estavam tendo muitas ações neonazistas, o que tornou ainda mais urgente a necessidade da banda se posicionar. A mensagem era tão importante (e ainda é, como se vê), que apesar do palavrão (e depois de certa resistência das rádios), ela chegou ao topo das paradas.

O tema por si só é sempre forte, mas o palavrão dá uma violência maior à repulsa aos nazistas, ao meu ver, e creio que é por isso que ela foi justamente a escolhida para uma ação como essa. Como na Alemanha todos os downloads são pagos, a banda está encaminhando todos os valores para o ProAsyl, programa para auxiliar os refugiados. A Aktion Arschloch tem mais de 120 mil seguidores no Facebook e, em poucos dias, alcançou com folga o 1º lugar dos downloads e das mais tocadas no rádio. Na Áustria e na Suíça, a música também voltou a figurar entre as mais tocadas. Além disso, no último dia 12, em várias cidades pessoas se reuniram para cantar a canção em pontos centrais (veja o vídeo do encontro em Münster). Fantástico, hein?
Mas o que me emocionou mesmo e me provou o sucesso dessa ação foi o coral de idosos a cantando. Já imaginou seu avô e/ou sua avó cantando uma canção com um palavrão? Pois então, esses senhores e senhoras não tiveram problema, até porque muitos deles viveram o nazismo e carregam o peso dessa experiência. Para a Spiegel Online, o guitarrista que acompanha o coral no vídeo publicado, Marcel Grothues, disse que, claro, para a geração desses idosos, o uso do palavrão sempre foi algo delicado, mas as escolhas sempre foram democráticas, ou seja, se eles aceitaram gravar o vídeo, é porque a maioria decidiu que a mensagem valia a pena.
Nos comentários do vídeo, muitos disseram chorar ao assistir. Isso não aconteceu comigo, mas definitivamente está entre as coisas mais bonitas que já vi, não é à toa que em uma semana já alcançou quase 400 mil visualizações. Encerro com esse vídeo porque, afinal, ele é o símbolo de como uma música pode ter peso social e unir pessoas de diferentes idades e formações culturais em prol de uma única causa. Me sinto feliz por, estando aqui do outro lado do Atlântico, poder ao menos divulgar tão bela ação que, além de tudo, nos dá mil coisas para pensar.

Ah, sim, e como o Die Ärzte assinou em seu apoio à campanha, “desejamos a todos os nazistas e seus simpatizantes, uma péssima diversão”.

Na Nossa Estante

View Comments

  • Encanto-me a cada vez que ouço. Qualquer versão. Conheci a banda através de vc, Ana, e me apaixonei, você sabe.
    Gostei de ouvir mais e saber mais.
    Beijo.

  • Tchê, essas atitudes nos acalentam o coração. Essa união pra mostrar que, por mais que o mal exista e que alguns sejam adeptos dele, o respeito e a empatia ao próximo também existem e podem ser mais fortes do que a maldade.
    Die Ärzte mandou muito bem em mais essa. Fiquei bastante contente em ver teu post compartilhado lá na página Aktion Arschloch. É importante que os alemães saibam que pessoas do "outro lado do Atlântico", como você diz, acompanham e admiram as suas ações contra o nazismo.
    Uma fofura esses senhores e senhoras cantando a música de DÄ. É um grito de repúdio ao nazismo e toda essa coisa horrenda que há por trás dele. Vale até soltar um "Arschloch", que é pra enfatizar ainda mais.

    Excelente postagem, dona Seerig.

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