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Charles Miller – O pai do futebol brasileiro [Resenha Literária]

Pela primeira vez, aqui na Estante, escrevo uma resenha literária (e estou em falta com os posts musicais, eu sei), incentivada meramente por um convite da nossa cara prefeita Michele Lima – que sempre garantiu que haveria Copa. Ao que parece, a minha estante é a que mais tem material futebolístico – senão a única. Devo dizer que tenho uma séria implicância com resenhas (há tempos deixei de tentar escrever e raramente leio alguma), mas certo livro, que há quase dois anos está na minha estante e que foi encontrado por acidente em uma Feira do Livro caxiense, me exigia que fosse lido, e que época melhor que às vésperas da segunda Copa do Mundo no Brasil? Aceitei o convite, tirei “Charles Miller: o pai do futebol brasileiro”, de John Mills, da estante e ainda por uns dias retardei a leitura. Quando finalmente o abri, em duas sessões intensas de leitura, redescobri meu encanto pelo futebol e, especialmente, o real sentido do esporte, que hoje está praticamente perdido.

Eu poderia escrever linhas longas – e repetitivas – sobre a lenta e sofrida morte do futebol como um fabuloso esporte; poderia rebater os discursos anti-Copa ou os mais antigos debates políticos sobre como o futebol aliena as pessoas, porém tentarei me limitar ao meu papel de resenhista e, no máximo, vangloriar as maravilhas futebolísticas. Que é um esporte coletivo e, como tal, promove a união, todo mundo sabe, é algo um tanto óbvio, porém é só nas pesquisas sobre o histórico do futebol que se é possível descobrir o seu verdadeiro significado, a essência hoje perdida. John Mills cumpriu com uma maestria invejável a tarefa de registrar a história do homem que trouxe o futebol para o Brasil, resgatou a importância social e cultural que Charles Miller e suas duas bolas de capotão tiveram na história paulista e, consequentemente, nacional.
Gaúcha como sou e, consequentemente, acostumada às histórias dos imigrantes italianos, alemães e portugueses, um dos primeiros pontos que destaco do livro é o registro da cultura britânica em São Paulo: empresas, trabalhadores e hábitos. Antes que Charles Miller, brasileiro filho de escoceses, voltasse da Inglaterra para aqui disseminar o futebol, o críquete dominava  e era fervorosamente praticado pelos ingleses que aqui moravam, sem falar em golfe e tênis (Miller, aliás, praticava todos esses esportes). Construções de estradas de ferro e outros marcos históricos também estão devidamente registrados, de forma que nós, leitores, consigamos visualizar o crescimento da região de São Paulo, primeiro cenário do futebol nacional.
Outro ponto que ressalto é a belíssima forma como Mills uniu ao registro futebolístico a cultura em geral, seja citando Shakspeare ou falando da música erudita nacional (muito admirada por Antonieta, pianista e esposa de Charles Miller). A naturalidade com que ele faz essa associação apenas nos relembra do princípio inicial (e, para mim, fundamental) do futebol: o jogo por diversão, prazer, entretenimento. O amadorismo também recebe destaque durante o livro e me faz concluir mais uma vez que o mais lamentável é que o futebol se transformou numa indústria, esquecendo-se dos seus primórdios.
Charles Miller
E o que eu descobri sobre Charles Miller? Muito mais do que até então tinha lido sobre ele. Ele foi o pai do futebol brasileiro por completo: trouxe as bolas, traduziu as regras inglesas e, em seu ato mais paternal, organizou o cenário para o esporte se fixar de vez no Brasil, estando envolvido na criação da Federação Paulista, dos campeonatos locais e nas excursões de times estrangeiros. Isso tudo sem desviar da sua vida profissional, que não estava sequer próxima do futebol, o qual era apenas uma prática amadora.
Em tempos de salários milionários e campanhas publicitárias que envolvem bilhões no “mercado do futebol” atualmente, vale lembrar o que é, ou melhor, era amadorismo. Era paixão, simples assim. Paixão sem compromisso exigente; paixão pela parceria com os amigos e pela diversão; paixão pela confraternização e pela alegria que uma hora e meia de jogo proporcionava; paixão pela paixão, sem qualquer outra explicação. Era esse o espírito do futebol. O mais triste disso é usar o verbo no passado, já que hoje a torcida se conta por vitórias e os jogadores por valores.
Mas o que realmente doi é ouvir discursos anti-futebol por ele “manipular” as pessoas por isso e aquilo. Meus caros, não coloquem a culpa no futebol, mas sim nos que hoje o coordenam. Em sua essência, o futebol é um exemplar esporte, implacável na luta contra preconceitos e único no seu espirito de união, seu problema maior está na ganância humana, com uma insaciável sede de lucros – e vitórias.
Porém, devo voltar a falar de “Charles Miller: o pai do futebol brasileiro”, que, afinal, é aqui minha função. Livro recomendado aos amantes do futebol, mas talvez especialmente àqueles que não o admiram. Não é um mero registro futebolístico, é um registro social do Brasil, especialmente se, ao fim dele, refletirmos sobre como vemos e vivemos o futebol nos dias de hoje.
Enfim, ao terminar um livro desses, suspiro incansavelmente e redescubro meu encanto pelo futebol e o valor de um Copa do Mundo de Futebol. Me perdoem, mas realmente torço para que as coisas deem certo e que, ao menos por algumas semanas, revivamos os primórdios do futebol e celebremos a competição pacífica entre diferentes nações. É uma pequena dose de utopia a uma torcedora desiludida.
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Sobre o livro:
Título: Charles Miller – O pai do futebol brasileiro
Autor: John Mills
Páginas: 236
Ano: 2005
Editora: Panda Books
Local: São Paulo

Nota:




Na Nossa Estante

View Comments

  • Uau, que resenha!1 Realmente, hoje em dia o futebol nada mais é do que plano de fundo para ações milionárias, para não dizer bilionárias... o Futebol há muito não é o que já foi... Ao menos, há aqueles que torcem para que as coisas ao menos deem certo no campo, muito embora os envolvidos dão sempre um jeito de atrapalhar.

    Achei curioso o livro. Isso me lembrou uma das novelas da Globo que mostrou o Rio dos anos 20 em que o povo se mostrou curioso pelo "novo esporte" e começou a praticá-lo por aqui... rsrsrs

    Até mais

  • Eu sou fã de futebol, acho que esse esporte tem TUDO haver com história e mais com politica, sempre gosto de saber mais sobre isso e talvez para uma fã que vive de ensinar história esse livro seja até mesmo fundamental. Você colocou ele no meu mapa de futuras leituras Ana.

    Adorei tua resenha!!! Curti mesmo!!!

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